Pensar em eventos que não signifiquem aglomerações. Esse é o grande desafio do setor de entretenimento, enquanto a tão sonhada vacina contra a Covid-19 não chega. Embora o Governo de Minas tenha liberado, a partir deste sábado (12), o funcionamento de atrativos culturais – como museus, galerias e bibliotecas -, na onda amarela do programa Minas Consciente, na qual está Juiz de Fora e a Macrorregião Sudeste, o Município não chancelou a proposta, que ainda será reavaliada na próxima quinta-feira (17), conforme os indicadores epidemiológicos. Diante da expectativa, Funalfa e UFJF esboçam como reativar espaços como Biblioteca Murilo Mendes, Museu Ferroviário, Fórum da Cultura e Museu de Arte Murilo Mendes (MAMM). Por outro lado, Cine-Theatro Central e Teatro Paschoal Carlos Magno, por exemplo, se enquadram no setor de eventos, cuja futura retomada ainda está sendo formulada pelo Estado, já que implica na realização de shows, festas e na reabertura de cinemas.
Mesmo com o futuro incerto, já que os índices de contaminação do coronavírus permanecem elevados em meio à flexibilização, tanto o setor público quanto o privado estudam uma retomada segura por meio de várias medidas, a começar pela drástica redução da capacidade dos locais fechados, que terão que ser readequados para garantir o distanciamento mínimo de dois metros entre os frequentadores, limitando a presença de uma pessoa a cada dez metros quadrados. No caso dos equipamentos culturais – que já tiveram o aval do Estado junto com os atrativos naturais, como parques estaduais, mas ainda aguardam a liberação pela Prefeitura de Juiz de Fora (PJF) -, além das medidas sanitárias, como uso de máscaras e de álcool gel, o protocolo do Minas Consciente prevê limite de até 50% da capacidade e uso de, no máximo, um terço do estacionamento. A partir do funcionamento, a ampliação dos limites de participantes será feita a cada ciclo de 21 dias.
Em entrevista coletiva na última quinta-feira (10), o secretário adjunto de Desenvolvimento Econômico de Minas, Fernando Passalio, destacou que os protocolos gerais continuam valendo em todas as ondas, incluindo o limite de até 30 pessoas por evento, apesar de atividades culturais já estarem liberadas na onda amarela. “É muito importante que os gestores desses equipamentos façam uma análise deles para continuarmos flexibilizando, mas com experiências seguras, condizentes com o momento em que estamos vivendo.” O governador Romeu Zema ressaltou que a decisão de antecipar a reabertura para a onda amarela foi tomada após especialistas da saúde avaliarem que o setor possui capacidade de se adaptar aos protocolos sanitários e garantir a segurança dos visitantes.
O gerente de Espaços da Funalfa, Luiz Fernando Priamo, aguarda as deliberações do Comitê Municipal de Prevenção e Enfrentamento à Covid-19, que volta a se reunir na próxima quinta-feira. Até lá, os espaços geridos pela Funalfa permanecem fechados. “Como as pessoas aguardam do Poder Público as orientações, estamos compreendendo que serviremos também de exemplo para os demais espaços da cidade, por isso, temos muita cautela na elaboração dessas diretrizes. Embora estejamos sem um norte da esfera federal, acredito que seja possível mirar em experiências de outras áreas e ao redor do mundo, mas isso ainda é bastante instável, visto que as realidades são diferentes e o vírus se comporta de modo distinto em cada local”, pondera. “Estamos corrigindo os erros com a máquina em movimento, qualquer ação errada pode colocar muitas vidas em risco. Não podemos brincar de futurologia, acreditando que a situação vai se extinguir, com ou sem vacina, ou mesmo fingir ignorar as mortes ocorridas até agora”, continua o gestor. “O nosso pensamento, antes dos eventos, está nas pessoas. Já perdemos gente demais nesses seis meses nos quais o vírus se espalhou pelo Brasil. O importante é manter a segurança de todos, acima de qualquer coisa, precisamos de artistas e público vivos. Ninguém irá aplaudir coisa alguma se continuarmos a falar de mortes como meros números”, dispara Priamo.
Também com cautela e apostando na saúde em primeiro lugar, a UFJF espera retomar parte de suas atividades ainda no segundo semestre deste ano, seguindo todos os protocolos de biossegurança necessários para a saúde de seus funcionários, do público e de todos os envolvidos com a produção cultural. “É importante ressaltar que todas as ações de retomada se darão a partir das recomendações do Comitê de Monitoramento e Orientação de Condutas sobre o novo Coronavírus da UFJF, que é soberano nas avaliações técnicas e decisões que envolvem a pandemia, considerando o impacto de toda essa crise humanitária no âmbito da universidade e da sociedade”, enfatiza a pró-reitora de Cultura, Valéria Faria.
A ideia da UFJF é retomar gradativamente as atividades em uma parcela de seus equipamentos culturais que oferecem condições físicas compatíveis com todas as exigências. “Nossa expectativa é de que até o final do ano seja possível abrir as portas de alguns espaços como o Fórum da Cultura, o Cine-Theatro Central, o MAMM e o Memorial da República Presidente Itamar Franco. Enquanto isso, seguimos com o trabalho remoto, a partir de exposições, podcasts, lives, concertos e palestras on-line. Sabemos que a arte presencial é insubstituível, mas ações como essas vêm para incentivar e movimentar o setor cultural, sobre o qual a pandemia teve um impacto extremamente negativo, exigindo da Pró-reitoria de Cultura um esforço de adequação às vivências do universo virtual com a criação de novos instrumentos de divulgação artística.”
Impacto financeiro atinge 60 mil
Na face privada do entretenimento, a ideia é trabalhar com segurança na tentativa de minimizar os impactos financeiros sofridos pela categoria, que está há quase seis meses sem renda. Apesar de as transmissões ao vivo pelas redes sociais e outras estratégias on-line terem dado fôlegos pontuais, a classe amarga inúmeros prejuízos em decorrência da paralisação das atividades. A Associação dos Produtores de Eventos de Juiz de Fora (APEJF) reúne cerca de 30 empresas e calcula que cerca de 60 mil pessoas estão, de alguma forma, ligadas ao setor na cidade. Mesmo sabendo que grandes eventos, que implicam em aglomerações, assim como teatros e cinemas lotados, só serão possíveis após a imunização em massa, os profissionais querem atenção das autoridades para, ao menos, “enxergar uma luz no fim do túnel”, como foi demonstrado em manifestação no dia 29 de agosto.
“Não queremos que este retorno seja imediato. Mas um evento não se organiza da noite para o dia. Precisamos de planejamento. Ter certeza de uma data lá na frente é melhor do que não ter data nenhuma”, avalia o presidente da APEJF, Jonas Ribeiro. “O setor quer e precisa retomar suas atividades, mas queremos que isso aconteça de forma responsável, para não elevar as taxas de contágio e, assim, ao invés de resolver, aumentar nosso problema. Afinal, nosso trabalho é propiciar momentos de felicidade às pessoas, celebrar a vida.” Segundo ele, no momento, a classe tenta o apoio de órgãos públicos para a capacitação de profissionais de olho em uma possível retomada, a partir da migração para a onda verde. “Nossa ideia é desenvolver um treinamento, de preferência que possa ser aplicado on-line, para que não aconteçam exemplos como estamos vendo nas feiras e bares agora”, cita ele, sobre comportamentos inadequados tanto por parte de trabalhadores, quanto de frequentadores.
De acordo com Jonas, a APEJF, em conjunto com Convention & Visitors Bureau, desenvolveu um documento que trata sobre o retorno, propondo uma retomada gradual das atividades, com seus devidos protocolos, cuja evolução estaria condicionada à redução de contágio do vírus e à chegada da vacina. “Isso é interessante para que os profissionais se adaptem a essa realidade e também o público, porque este terá responsabilidade na execução desses protocolos.” Jonas explica que a ocupação inicial pensada, a partir da permissão das autoridades, seria de 30% da capacidade dos espaços. Junto à restrição, serão exigidas medidas como distanciamento de mesas, uso de máscaras e álcool gel. Já em um segundo momento, se a evolução fosse permitida, os locais poderiam abrir para 50% do público usual. “Isso aconteceria em quatro ondas de retorno, até chegar ao nível máximo, de grandes eventos e shows, que coincide com a chegada da vacina.”
A APEJF já existe há cerca de um ano e meio atrás, mas ganhou força neste período pandêmico. “Nosso setor está 95% impactado por essa crise. Existem alguns formatos (live e drive in) que estão acontecendo. Mas não resolvem a situação da grande maioria das pessoas. Nem mesmo de quem as está produzindo. Acredito que seja mais uma forma de trabalhar para ocupar a mente e seguir no mercado”, conclui o presidente da associação.
Casas noturnas
Com longa estrada na noite juiz-forana, o Cultural Bar acompanha pela mídia os avanços do desenvolvimento da vacina contra a Covid-19 para poder ensaiar o calendário de 2021. “Acreditamos que ainda este ano ela possa ser distribuída, pelo SUS, como foi noticiado”, diz otimista um dos sócios da casa, André Luiz Pereira. “Sendo assim, estamos planejando grandes eventos para fevereiro e março. Com shows nacionais e mesmo um internacional que precisou ser remarcado devido à pandemia.”
André lembra que no próximo dia 16 completam-se seis meses de portas fechadas. “Estamos atentos aos protocolos de saúde e ao plano Minas Consciente, bem como ao Comitê Municipal de Enfrentamento e Prevenção à Covid-19. Porém, só reabriremos quando tivermos certeza de que a liberação para funcionarmos é definitiva, não apenas momentânea.” Antes da reabertura, haverá treinamento com todos colaboradores e sócios, além de divulgação ao público de todas as medidas sanitárias, conforme as orientações dos órgãos responsáveis.
Sócio-diretor do grupo Privilège Brasil, Iuri Girardi assegura que, a partir do momento em que for viável realizar algum tipo de evento, a tradicional casa noturna da cidade seguirá todas as orientações que cada etapa vai determinar. “Cada fase vai trazer uma nova realidade para a realização de eventos. Acreditamos que a retomada será de forma gradual, inicialmente com número limitado de pessoas. Vamos avaliando a viabilidade e, claro, cumprindo todas as exigências e protocolos das autoridades e órgãos de saúde. Sejam elas de estrutura física ou necessárias para o bem-estar do público. Não tomaremos nenhuma iniciativa que não seja segura para toda a população, de forma muito consciente. Sempre priorizando o conforto do público nesta futura volta das atividades de entretenimento.”
Buffets e casas de festas
As festas particulares, como casamentos e aniversários, movimentam uma fatia importante do mercado, representada por buffets e casas especializadas. Como aglomerações com mais de 30 pessoas ainda não são permitidas, muitas empresas aguardam uma flexibilização na expectativa de movimentar seus negócios, embora de forma cautelosa. O desafio é encarado com naturalidade pelo empresário João Matos, à frente do Fatima Buffet, que se reinventa há quase 30 anos.
Segundo ele, o Fatima acompanha todas as orientações de retomada gradual previstas no programa Minas Consciente e as propostas do Convention & Visitors Bureau direcionadas a hospedagens, eventos, bares e restaurantes. “Seguiremos o protocolo à risca, com as medidas de distanciamento, lotação, horário e uso de todos os equipamentos de segurança necessários para nossos funcionários e clientes. Todas as precauções serão adotadas para que consigamos voltar com a nossa atividade de forma segura e consciente.”
Comandando as casas de festas infantis Niver Site e Castelo Niver Site, Yana Matos precisa se preparar para um público ansioso por brincadeiras e já se programa para seguir o protocolo criado pela Associação das Empresas de Parques de Diversão do Brasil (Adibra). Entre as recomendações, segundo ela, estão manter fechadas as atrações com interação entre os convidados; reduzir a capacidade de assentos para garantir 1,5m de distância; disponibilizar máscara e face shield para os garçons e monitores; promover a limpeza dos brinquedos a cada uso; utilizar bolo cenográfico e, no momento do parabéns, orientar as pessoas a permanecerem sentadas em suas mesas ou a manterem o distanciamento de 1,5m.
“Não sabemos qual será a redução de capacidade estipulada, mas seguiremos as recomendações. Nossos espaços são amplos e bem ventilados, então estamos confiantes de que poderemos, com responsabilidade e cuidado, retomar nossas atividades proporcionando aos clientes toda segurança.”
Cinemas
Se os cinemas já tentavam sobreviver desde a grande adesão do público à tecnologia streaming – que ganhou ainda mais força durante a quarentena -, o coronavírus agravou o problema. As telas estão em branco há quase um semestre e, mesmo que as cores voltem, a plateia será necessariamente minguada. “Estamos aguardando orientações da Associação dos Exibidores, de distribuidores de filmes e da administração do shopping para tomarmos as providências necessárias. Há uma interrogação no ar devido à pandemia, dúvida nos lançamentos e, sem filmes, nada poderemos fazer. Até onde vamos aguentar?”, desabafa Fernando Costa Júnior, sócio-gerente do Duo Cine Santa Cruz.
A Rede UCI diz estar estudando a melhor data para a reabertura do complexo UCI Kinoplex Independência. “Diante de um quadro de mudanças constantes no Brasil e no mundo devido à pandemia, a rede tem a saúde como prioridade. Com o objetivo de reabrir os cinemas com a maior segurança possível, a UCI vem implementando todas as medidas cabíveis e necessárias, de acordo com os pontos do protocolo de saúde obrigatório recomendado pelas autoridades de Juiz de Fora e pela OMS (Organização Mundial de Saúde)”, informa, por meio de nota.
“Durante esses mais de cinco meses, as atividades dos cinemas ficaram interrompidas apenas para o público, porém, internamente, os executivos da UCI continuaram ativos, trabalhando para oferecer um ambiente saudável em todo o espaço do cinema, inclusive nas bombonières. Reabriremos em breve e prontos para receber o público com segurança, preços promocionais de ingressos e programação especial”, completa a empresa.
‘Regras de ouro para uso dos espaços’
O gerente de Espaços da Funalfa, Luiz Fernando Priamo, pontua que o abrandamento da pandemia está sendo visto a partir da estabilização do número de mortos ou infectados. “Mas não podemos levar em conta apenas esse dado nas nossas análises.” Ele acrescenta: “A corroboração com práticas irresponsáveis de se fazer cultura não está no nosso horizonte. O estímulo às aglomerações, a vontade de fazer eventos a qualquer custo, o estímulo à circulação de pessoas em transporte público ou mesmo nas ruas, tudo isso não faz parte do nosso repertório nesse momento.”
Segundo ele, o que está sendo elaborado pela Funalfa são “as regras de ouro para o uso dos espaços”, já que as mudanças nos protocolos são constantes, e o vírus não foi completamente dominado ou compreendido. “Estamos pensando a filosofia desses locais, como eles vão receber a demanda de produtores e artistas que estão passando por dificuldades, quando isso for possível. Já sabemos que a capacidade precisa ser reduzida e respeitada. Em média, as ocupações caíram para um número de 20 a 30% das lotações máximas. Com isso, é possível manter o distanciamento social, as medidas de higiene e desinfecção, mas abala, sem dúvida alguma, o retorno financeiro e as expectativas de retorno do público.”
Diante dessa dicotomia, ele questiona: “Quem gostaria de investir na produção de uma peça ou ensaiar para um show com público extremamente reduzido? Vejo isso como uma readaptação para a autoestima também, sendo primordial repensar o papel de cada um. O artista tem o palco como extensão da casa, do corpo. Ter um espaço cultural vazio durante as apresentações não será fácil para aquelas pessoas que precisam desse retorno para um bom desempenho. E essa realidade será a mesma em vários espaços.”
Em relação ao “Ocupe!”, edital de ocupação gratuita do Teatro Paschoal Carlos Magno, que teve seu resultado divulgado dois dias antes da quarentena, Priamo diz que há expectativa de organizar um calendário com os contemplados, estendendo para 2021. Há, ainda outros desafios: “Como reabrir a Biblioteca Municipal Murilo Mendes sem suas funções plenas, precisando colocar o acervo de livros em quarentena a cada empréstimo? Como orientar as pessoas a utilizarem o espaço do Museu Ferroviário sem aglomeração e manter esse relevante, mesmo sem poder receber turmas para a visita mediada? Como manter a Casa de Leitura Delfina Fonseca Lima como referência da região de Benfica sem permitir que crianças e jovens utilizem o espaço para estudo? Como manter o CCBM como uma fábrica de cultura se não será possível ter essa ‘linha de produção’ ativa para um público amplo?”
Certo de que são muitas as variáveis e especificidades de cada local, Priamo tem realizado com os coordenadores dos espaços estudo em cima de experiências, montagens de protocolos e rotinas possíveis. “Já temos uma base, mas ainda não é possível aplicá-la sem pensar no todo. Servidores, público, produtores, técnicos e artistas são partes da nossa sociedade, por isso, qualquer ação pensada para a cultura está atrelada à saúde, à segurança, ao desenvolvimento. A cadeia da cultura é vasta e não está isolada. Foi uma das mais impactadas, claro, mas não podemos ser irresponsáveis em momento algum.”
60 anos da UFJF
Mesmo com o trabalho ainda de forma remota, a UFJF vem celebrando os seus 60 anos com inúmeras programações. Segundo a pró-reirora de Cultura, Valéria Faria, além disso, há planos, a depender também das recomendações do Instituto Brasileiro de Museus (IBRAM), para uma exposição no MAMM, em dezembro, dentro das comemorações dos 25 anos da chegada da coleção de artes plásticas de Murilo Mendes ao Brasil e dos 15 anos da criação do museu.
O Prêmio Janelas Abertas, que pretende movimentar as artes em tempos de pandemia, tem como palco o Cine-Theatro Central. “Enquanto não se dá uma definição, seguimos mantendo o trabalho a distância. A revista BIA, com base nos projetos do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Artística, já está em fase de publicação digital”, completa a pró-reitora.
Já em novembro, o Festival Internacional de Música Colonial Brasileira e Música Antiga terá, pela primeira vez, sua edição digital. “Ao longo da quarentena, exposições, podcasts, lives, concertos e palestras on-line se deram como forma de estreitar os laços da Pró-reitoria de Cultura e o público acadêmico e externo, preenchendo a lacuna deixada pelo isolamento social”, conclui a gestora.