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Ensaio clínico com a nitazoxanida contra a Covid-19 é encerrado em Juiz de Fora

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Após cerca de dois meses, o ensaio clínico com a administração precoce da nitazoxanida em pacientes de Covid-19 foi encerrado na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) Santa Luzia, com o saldo de 344 voluntários, sendo 76 acompanhados durante oito dias pela equipe médica. Apesar de concluído o ensaio clínico em Juiz de Fora, o estudo para o reposicionamento do fármaco – referenciado, comercialmente, como o vermífugo Annita -, coordenado, a nível nacional, pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, está ainda em fase de conclusão para ser publicado. O resultado sobre a eficácia da nitazoxanida em pacientes brandos de Covid-19 ainda é desconhecido.

Em 30 de junho, o ministro da Ciência, Tecnologia e Inovações, Marcos Pontes, visitou Juiz de Fora para lançar o ensaio clínico com voluntários. À época, o ministro apresentou a nitazoxanida como um fármaco com 94% de eficiência ao inibir a carga viral da Covid-19 após testes in vitro – fase preliminar de pesquisa em ambientes controlados em laboratório – realizados por uma equipe da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). “Esta droga entrou em um processo de testes com outras duas mil e está na terceira fase, que é a final. Primeiramente, a nitazoxanida foi testada in silico no Laboratório Nacional de Biociências (LNBio), ou seja, com a utilização de inteligência artificial e modelos matemáticos. Depois, cinco das duas mil drogas foram selecionadas para testes in vitro, ou seja, com células reais, mas em laboratório – inclusive a cloroquina. E, destas cinco, a nitazoxanida teve 94% de redução de carga viral com a utilização normal da dosagem. Então, entramos na terceira fase, que são os testes clínicos para a comprovação com o organismo inteiro, não só uma célula.”

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Ao menos desde abril, quando o estudo governamental avançou, a venda de nitazoxanida em farmácias é controlada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) sob prescrição médica. Em Juiz de Fora, a fase de ensaio clínico do estudo, ou seja, a administração terapêutica do medicamento em humanos ocorreu entre 23 de junho e 19 de agosto após a autorização do Conselho Nacional de Ética em Pesquisa (Conep). “O ensaio clínico foi bastante produtivo. No total, 344 pessoas se voluntariaram a participar do estudo. Deste grupo, 82 foram selecionadas para acompanhamento médico, mas foram incorporados, por fim, 76 pacientes, que fizeram acompanhamento completo, sem desistência e foram incluídos no banco de dados global do estudo. (…) O nosso único problema foi algumas desistências, como pacientes que não voltaram para o acompanhamento ou não tomaram o medicamento adequadamente. Estes pacientes foram excluídos. Foram seis desistências ao todo em Juiz de Fora”, detalha o infectologista Marcos Moura, responsável pela coordenação do ensaio clínico na UPA Santa Luzia.

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Estudo para o reposicionamento do fármaco – referenciado comercialmente como o vermífugo Annita- está ainda em fase de conclusão para ser publicado (Foto: Fernando Priamo)

Pesquisa em células não apresenta desempenho satisfatório

Em meio ao andamento do ensaio clínico com a nitazoxanida, um grupo de pesquisadores, do qual faz parte o coordenador da Plataforma de Triagem Fenotípica do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (USP), Lúcio de Freitas Júnior, publicou os primeiros resultados de uma triagem realizada com 65 medicamentos para a análise da capacidade de inibição da replicação viral do coronavírus em células. Dentre elas, estava a nitazoxanida, que, de acordo com estudo, não apresentou desempenho satisfatório, já que, embora tenha mostrado atividade antiviral in vitro, não era seletiva para a Covid-19, ou seja, o fármaco eliminou o vírus das amostras, mas, também, matou as células.

“A triagem fenotípica é um método que me permite dizer o que, definitivamente, não vai funcionar se aplicado em humanos por não mostrar seletividade. Se a droga está matando a célula e o vírus está morrendo por conta disso, o medicamento não vai funcionar nem em testes em animais – chamados de pré-clínicos – nem em testes em humanos, com certeza. A nitazoxanida é uma droga que não iria para os testes. Isso é conceito de farmacêutico. É uma regra clara. Nem para teste animal. Ninguém vai testar em animal uma droga que não mostra seletividade”, aponta Lúcio.

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O professor da Faculdade de Farmácia da UFJF Marcelo Silva Silvério, entretanto, pondera que um medicamento já utilizado em humanos, como a própria nitazoxanida, não precisa retornar à fase de estudos pré-clínicos, a não ser que a dosagem utilizada seja diferente daquela já regulamentada. “O estudo em animal tem como finalidade, sim, testar a eficácia, mas, principalmente, a segurança da droga. E como nitazoxanida já é um medicamento de uso humano, o estudo em animais seria dispensável. Por exemplo, para o tratamento da Covid-19, poderia ser um estudo in vitro, em células contaminadas com o vírus, em uma cultura de vírus, para essa avaliação. Se é uma dosagem muito maior do que o uso comum em humanos, aí sim seriam necessários os estudos pré-clínicos.”

A dosagem da nitazoxanida utilizada no ensaio clínico não foi revelada por Moura nem pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações, uma vez que há a preocupação com eventuais automedicações, mesmo com a venda já condicionada à prescrição médica. “A dose é padronizada. Na verdade, a nitazoxanida tem uma faixa de dose muito grande. Poderíamos utilizar entre 500mg e 3.000mg. Dentro dessa faixa, foi escolhida uma dose. Não era nenhuma dose diferente do que já é feito. E foi utilizada a posologia do próprio medicamento. O que fazíamos era o seguinte: normalmente, a pessoa toma a nitazoxanida duas vezes ao dia. No experimento, eram três vezes ao dia. De oito em oito horas”, explica Moura. A posologia diz respeito a como a dose diária será administrada diariamente pelo paciente: a dose pode ser única, ou, então, fracionada. De acordo com Silvério, no entanto, a bula da Annita recomenda que a dose máxima a ser aplicada por dia seja de 1000mg.

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Ensaio randomizado

O ensaio clínico com a nitazoxanida coordenado por Marcos Moura foi randomizado – quando o perfil dos pacientes é distinto quanto a idade, sexo etc. – e duplo-cego – a equipe médica administrou tanto a droga quanto um placebo -, fatores que garantiriam maior confiança nos resultados a serem encontrados, como explica o próprio infectologista. “Não sabíamos se dávamos o medicamento ou o placebo aos pacientes. Tínhamos 76 pessoas, talvez 38 fizeram placebo e 38 não fizeram. Quem decide isso é o software que utilizamos: ‘Dá A para esse, dá B para o outro.’ A gente só sabia quem eram os pacientes. Eu vou ter acesso a esses dados somente após a auditoria, porque, enquanto os prontuários estão abertos no sistema, não podemos saber, para evitar qualquer modificação nos dados dos pacientes.”

De acordo com Moura, o ensaio clínico não teve o objetivo de analisar a eficácia da administração do fármaco em pacientes em estado mais avançado da Covid-19, como aqueles internados em leitos de terapia intensiva ou mesmo de enfermaria. “Não tínhamos a pretensão de uso hospitalar do medicamento, mas, sim, de uso precoce, na fase inicial gripal da Covid-19. (…) No primeiro dia do acompanhamento dos voluntários, fazíamos apenas um teste diagnóstico comum. Se positivo, entrávamos em contato e sugeríamos ao paciente que participasse do estudo. O paciente, então, assinava um termo de livre consentimento e ficava em stand by. A gente enviava uma amostra para avaliação funcional da pessoa, um exame de sangue completo, para análise no Rio de Janeiro. E o paciente começava a tomar o remédio por cinco dias. Ao completar o oitavo dia, após terminar o medicamento, o paciente retornava para fazer um novo exame de carga viral – um novo teste PT-PCR -, e, também, uma nova avaliação funcional por meio de um hemograma e outras provas sorológicas.”

Pontes participa
Em 30 de julho último, ao anunciar, por meio de redes sociais, que testara positivo para a Covid-19, o ministro da Ciência, Tecnologia e Inovações, Marcos Pontes, disse que participaria do ensaio clínico capitaneado pela própria pasta com a nitazoxanida. Posteriormente, em 8 de agosto, ao comunicar a recuperação, Pontes confirmou que, de fato, integrou a equipe voluntariada dos testes com o vermífugo. “Para quem estiver curioso se tomei ou não a nitazoxanida, a resposta é sim. Participei como voluntário do estudo clínico. Também estou ansioso pela conclusão e resultado científico. Falta pouco, se Deus quiser, mas ainda precisamos de voluntários.”

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‘As células têm a franqueza de uma criança’

Ensaio clínico foi realizado na UPA Santa Luzia, em pacientes que estariam na fase inicial da doença (Foto: Fernando Priamo)

Apesar do entusiasmo de Pontes com os testes da nitazoxanida, os pesquisadores envolvidos na triagem fenotípica de potenciais fármacos para a administração antiviral contra o coronavírus questionam a opção do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação em avançar com a nitazoxanida diretamente de testes in vitro para a terapia clínica em pacientes de Covid-19, saltando os testes em animais – pré-clínicos. Os resultados da triagem fenotípica conduzida, conjuntamente, por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP), da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) foram publicados na “bioRxiv”, uma plataforma aberta para a divulgação de trabalhos científicos que ainda não passaram pelo processo de revisão por pares _ denominados, no meio acadêmico, como preprints. Dos 65 medicamentos testados até o momento, apenas dois mostraram potencial, in vitro, para inibir a replicação viral do coronavírus: o brequinar e o acetato de abiraterona.

Bem como a nitazoxanida, drogas como a cloroquina e a ivermectina foram reprovadas. “A nitazoxanida mostrou ser, pelo menos, 17 vezes mais tóxica do que a própria cloroquina, por exemplo. (Na triagem fenotípica) nós vamos aumentando aos poucos as doses das drogas, e, então, colocamos uma do lado da outra (para comparar): fizemos com a cloroquina, a nitazoxanida e a ivermectina. E vamos aumentando a dose uma por uma. E, a cada vez que aumentamos, tiramos uma foto. A invermectina, na segunda concentração já mata todas as células. E a nitazoxanida já começa a maltratar as células na terceira concentração. A cloroquina pelo menos segura por mais tempo. (…) Fazer descoberta de drogas é uma coisa complexa. Não se trata somente de potência, se funciona ou não etc..”, detalha o pesquisador Lúcio de Freitas Júnior.

“Eu costumo dizer que as células têm a franqueza de uma criança. (…) As células são colocadas em um recipiente, no qual as infectamos com o vírus. Em dois dias, se não tem remédio algum, o vírus toma conta das células. E, se tem algum medicamento que protege as células e mata o vírus, elas ficam limpas depois de dois dias. Isso não tem como burlar. O resultado é muito sólido. E não adianta matar o bicho se está matando a célula junto. Isso não vai te dizer nada. Não queremos que a dose faça com que as células também sofram. É a questão da seletividade. Desde as fases iniciais da triagem, a nitazoxanida foi descartada. Quando não funciona, não funciona. Tudo o que fizemos foi repetido. Temos dados sobre a nitazoxanida desde abril. Só que repetimos a triagem fenotípica nos últimos meses. Os dados têm que funcionar na mão de diferentes pessoas, por exemplo. Quando trabalhamos com drogas, não podemos ficar ansiosos”, acrescenta.

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Integrante do estudo de triagem fenotípica, a professora do Departamento de Morfologia e do Laboratório de Biologia de Sistemas de RNA da UFMG, Ludmila Rodrigues Pinto Ferreira, diz que a escolha da nitazoxanida faz sentido, mas pondera que todas as etapas dos testes de reposicionamento de fármacos devem ser respeitadas. “Em 2016, houve um estudo com o Mers-Cov _ o coronavírus da Síndrome Respiratória do Oriente Médio _, que mostrou a atividade antiviral da nitazoxanida contra o vírus. Não é tão cabulosa a ideia da escolha da nitazoxanida. O teste pré-clínico pode ser saltado, mas, na pesquisa, na biologia, deve-se passar por essas etapas. A mesma coisa acontece com a vacina. Se paramos para pensar, nunca vimos o que está acontecendo agora, que é fazer uma vacina em menos de dois anos. Vai haver riscos? Sim. Uma vacina normalmente demora entre oito e dez anos para ficar pronta. A vacina deve passar por vários testes. Porém, é uma situação emergencial, que a gente nunca viveu. (…) Eu entendo, mas, como pesquisadora, eu não escolheria a nitazoxanida para passar para os testes com humanos.”

Ludmila foi a responsável pela fase de predição dos estudos de triagem fenotípica, ou seja, a projeção de quais drogas podem ser promissoras para o tratamento de determinada doença a partir de resultados de publicações da literatura armazenados em um banco de dados. De acordo com a pesquisadora, até a data da publicação do preprint do grupo de pesquisadores, ainda não havia quaisquer dados de estudos sobre a nitazoxanida, mesmo in vitro, publicados. “O Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações se baseou em um teste in silico realizado pela Unicamp, que foi para ver se a nitazoxanida encaixa mesmo com enzimas do Sars-CoV. São predições bem interessantes também. O tipo de predição que eu faço é biológica, se vai aumentar ou diminuir a inflamação do vírus, em quais proteínas vai ter o efeito, de que maneira vai inibir o vírus etc.. Eles fizeram um teste para saber se os compostos químicos que formam a nitazoxanida têm a capacidade de encaixar na enzima do vírus. Eles atestaram que sim. Mas, até agora, eu não vi nenhum estudo in vitro cujos resultados foram publicados pela equipe do ministério.”

Anvisa autorizou

Questionada pela Tribuna sobre a opção de o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações em saltar os testes pré-clínicos nos estudos com a nitazoxanida, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), afirmou que, no caso específico deste fármaco no tratamento da Covid-19, considerando as informações já disponíveis sobre o medicamento, “julgou-se não ser necessária a condução de novos estudos em animais”. “Na maioria das vezes, apenas estudos confirmatórios de eficácia e segurança em pacientes são necessários (para o desenvolvimento de novas indicações a medicamentos), uma vez que muito já se conhece sobre o medicamento. Mas, nos casos em que as novas condições de uso que serão avaliadas são muito diferentes das condições já aprovadas, podem ser necessárias avaliações diferentes das já conduzidas, podendo ser necessária até a condução de estudos não clínicos (…), o que não foi o caso.” O Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações, por sua vez, não respondeu a nenhum dos questionamentos da Tribuna sobre o ensaio clínico realizado com a nitazoxanida.

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