Consideradas impróprias ao assentamento humano por estarem subordinadas a riscos naturais ou decorrentes da ação do homem, as áreas de risco são locais sujeitos a enchentes, inundações e deslizamentos. Em Juiz de Fora, existem, atualmente, 90 áreas assim distribuídas por todas as regiões do município, conforme os últimos levantamentos realizados pela Defesa Civil em parceria com o Corpo de Bombeiros e com a UFJF. Dentro dessas áreas foram identificados 299 pontos de risco em quatro níveis (R1, R2, R3 e R4). Cada um deles corresponde ao grau de probabilidade de um evento desastroso ocorrer e causar danos: R1 (probabilidade baixa), R2 (probabilidade média), R3 (probabilidade alta), R4 (probabilidade muito alta). Segundo o mapeamento, mais da metade do total mapeado (54%) referem-se a pontos de risco alto (R3) e muito alto (R4).
É na região Leste da cidade, com cerca de 35 bairros, que se concentram mais de 40% dos pontos de risco apontados pelo mapeamento, sendo a maioria de grau R3 (alto). Linhares, Três Moinhos e São Tarcísio são bairros de destaque em relação à existência de tais situações.
Pesquisa divulgada em junho deste ano, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), aponta que o município tem 25% da sua população vivendo fora das condições ideais. São 128.946 pessoas morando em áreas de risco. Em Minas Gerais, segundo maior estado do país com população vivendo em áreas de risco, Juiz de Fora aparece atrás apenas de Ribeirão das Neves, na Grande Belo Horizonte, onde 179.314 pessoas ou 60,5% da população total estão ameaçadas, e da capital, com 389.218 habitantes em áreas de risco (16,4% da população total). No ranking nacional, em número bruto de habitantes expostos, Juiz de Fora ocupa a nona colocação, enquanto Ribeirão das Neves está na sétima posição e Belo Horizonte na quarta, atrás de Salvador (BA), São Paulo e Rio de Janeiro. De acordo com a pesquisa, Minas tem 1.377.577 habitantes vulneráveis, em 139 municípios monitorados. O número é inferior somente ao do Estado de São Paulo, com 1.521.386 pessoas em áreas de riscos.
A estatística foi obtida por meio de cruzamento de dados do mapeamento de áreas de risco, realizado pelo Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) e do Censo Demográfico 2010 do próprio IBGE. Dessa maneira, criou-se o conceito de Base Territorial Estatística de Áreas de Risco (Bater). Trata-se de um conjunto de recortes espaciais definidos especificamente para permitir a associação dos dados demográficos do Censo 2010 às áreas de risco existentes no banco de dados do Cemaden. Para determinar o que é ou não área de risco, o IBGE considerou locais onde fenômenos naturais, como chuvas, são capazes de provocar condições adversas. Entre elas, estão, por exemplo, enchentes e desabamento de imóveis.
No Brasil, a pesquisa mapeou 27.660 áreas de risco em 872 municípios monitorados. Neste contingente, detectou-se 8.270.127 habitantes em perigo. A maior atenção fica por conta da Região Sudeste, onde 4.266.301 pessoas estão desamparadas nas 308 cidades estudadas.
Relevo acidentado
A combinação de fatores, como a existência de assentamentos precários junto a encostas e córregos e o relevo acidentado, resulta em grande número de áreas de risco em Juiz de Fora. Em relação ao relevo, a cidade apresenta altitudes variando de valores próximos a 500 e mil metros, das quais estima-se que cerca de 2% do território juiz-forano é plano, 15% das terras são típicas de serras e os 83% restantes são terrenos acidentados. Para o subsecretário da Defesa Civil, Jefersson Rodrigues, a topografia da cidade seria uma das principais razões para a posição do município alcançada no ranking. “Temos uma região de topografia acidentada e um vale com um rio, que são duas condições que temos de lidar. Em Ribeirão das Neves, que tem mais de 50% da população em área de risco, a causa principal são as enchentes. Aqui, temos o relevo acidentado e o rio e ainda há os assentamentos precários nesses locais”, ressalta.
De acordo com o chefe da seção de Planejamento do 4º Batalhão de Bombeiros, capitão Acácio Tristão Gouvêa, a forte precipitação, característica da região, também deve ser levada em conta no que se refere ao posicionamento de Juiz de Fora no ranking nacional. “Apesar de nosso histórico nos últimos anos ser positivo, sem grandes desastres relacionados à chuva. Estamos sempre em alerta, quando tem início o período das chuvas. Sempre dependemos do volume e do período de precipitação. Se chove muito em pouco tempo, nossa preocupação aumenta”, destaca o militar, acrescentado que é prerrogativa do Corpo de Bombeiros estar sempre próximo da comunidade, emitindo alertas, a fim de deixar a população precavida. “Dependendo do volume de chuva, a orientação é sempre deixar as áreas de risco.”
Jefersson Rodrigues pontua que, no tempo de chuva, a Defesa Civil registra de três a quatro boletins de ocorrência por dia. “Os meses de maior demanda são dezembro e janeiro, sempre relacionados à precipitação. Na época de seca, são os cortes verticais em terrenos que geram mais demanda”, afirma, destacando que a ação do homem tem grande contribuição para os riscos à população.
Deslizamentos de encostas
De acordo com o subsecretário da Defesa Civil, Juiz de Fora tem um plano de contingenciamento, o qual envolve diversos órgãos da Prefeitura e de outros setores da sociedade. Conforme ele, numa ocasião de emergência, primeiro se determina o grau do desastre com a finalidade de avaliar ou não uma intervenção geral. “Dependendo dessa avaliação, usa-se toda a estrutura da Prefeitura, com o acionamento da Secretaria de Obras, do Demlurb e da Secretaria de Saúde, entre outros. Pode-se decretar situação de calamidade, pois assim é possível adquirir instrumentos sem burocracia, sem licitação, tendo o apoio do estado. A Defesa Civil estadual compõe um dos órgãos que fazem parte do plano de contingenciamento. Preparamos abrigos temporários para retirada das pessoas, verificamos se há parentes que podem acolher. Contamos com as paróquias que estão próximas aos locais onde as pessoas moram, para esses abrigos temporários. Além disso, há os programas sociais, como o aluguel social, para encaminhamento de famílias, e, mais à frente, há o encaminhamento para programas habitacionais, como o Minha Casa Minha Vida.”
O subsecretário considera que os deslizamentos de encostas são o que mais trazem riscos para a população do município. “Residências construídas de forma precária em áreas de invasão onde não há fiscalização e falta de orientação acabam provocando acidentes. Isso era mais corriqueiro há cerca de dez anos, o trabalho da Defesa Civil de monitoramento de área de risco, iniciado em 2007, contribui para a diminuição dos acidentes, porque passou-se a catalogar as áreas, levando em consideração a topografia, situações onde há descarte de lixo, pesando a encosta, locais com vegetação não condizente, com muita água, condições de drenagem ruim e outros fatores que contribuem para os acidentes, mas o principal é a instalação de pessoas em áreas mais vulneráveis. Esse levantamento culminou em diversos projetos de prevenção”, afirma Rodrigues, acrescentando que o mapeamento dá condições para o apontamento de soluções de problemas, sempre em parceria com a UFJF e o Corpo de Bombeiros.
A Defesa Civil enfatiza que esse mapeamento está em constante atualização, a qual garante representatividade das condições atuais de vulnerabilidade da população no município, levando em consideração obras realizadas e em andamento e demais medidas de redução de risco.
Troca de informações como medida de prevenção
Para o chefe da seção de Planejamento do 4º Batalhão de Bombeiros, capitão Acácio Tristão Gouvêa, é de suma importância realizar o mapeamento das áreas de risco. “Identificar os locais que estão mais carentes, que possuem maior vulnerabilidade e maior perigo é necessário a fim de solicitar à Defesa Civil recursos e ações junto aos órgãos responsáveis, para realização de obras de estabilização, contenção de talude, de canalização e serviços estruturais com a finalidade de diminuir a vulnerabilidade. A partir desse mapeamento, numa localidade em que a população está mais fragilizada, podemos realizar simulados, alertando a comunidade, estabelecendo planos de contingência de como agir, por exemplo, numa área de risco de deslizamento, no período da chuva”, ressalta o militar.
Segundo ele, sob a ótica da prevenção, o Corpo de Bombeiros procura atuar próximo à comunidade, integrado com outros órgãos, como a Defesa Civil e a UFJF. O capitão pontua que o 4º Batalhão é responsável por 90 municípios da região, sendo que só a unidade de Juiz de Fora atua em outras 30 cidades, o que aumenta a importância das parcerias. “Incentivamos as cidades a criarem a Compdec (Conselho Municipal de Proteção e Defesa Civil), que auxilia neste trabalho de levantamento de área de risco, prestando informações. Junto com a UFJF e a Defesa Civil, temos procurado fazer o levantamento de áreas de risco. Esse trabalho já foi feito nas cidades de Bicas e de Rio Preto. Assim, nosso objetivo, além de identificar esses pontos, é fazer boletins de ocorrências e acompanhar previsões meteorológicas. Por meio de uma rede, trocamos informações sobre previsão de chuva e alterações climáticas de relevância.”
Conforme o militar, os bombeiros são capacitados para lidar com situações em áreas de risco, uma vez que recebem, em sua formação, cursos ministrados pela Defesa Civil estadual, além de cursos on-line destinados à tropa. “Recentemente, fizemos um curso a distância, que capacitou mais de 400 pessoas, abrangendo militares de outras localidades, para classificação de níveis de risco no mapeamento das áreas”, observa. O capitão alerta que, apesar de sua corporação possuir alto conhecimento para lidar com as respostas numa situação de crise, é impossível prescindir das medidas de prevenção. “Antes de construir numa área, siga todas as exigências que o município estabelece. Que o local não seja uma área de risco, não seja área de preservação permanente, que não seja local de invasão ou aterros. Deve-se procurar sempre a orientação, pois toda obra deve ter um engenheiro responsável”, ressalta, acrescentando: “Já a pessoa que se encontra numa área de risco deve sempre ficar em alerta aos sinais, como trincas, rachaduras e ruídos. Nos momentos de chuva forte, ao identificar qualquer um desses sinais, o local deve ser abandonado. O morador deve procurar um vizinho ou parente que more em local seguro.”
Convênio de R$ 56 milhões para obras de redução de riscos
Nos últimos anos, como aponta a Defesa Civil, os estudos para levantamento das áreas de riscos proporcionaram informações e critérios para realização de intervenções que eliminaram os riscos iminentes identificados, através de obras de contenção e drenagem para redução de riscos, realizadas com recursos obtidos por conta de convênio entre o Município e o Ministério das Cidades, que prioriza pontos de risco alto e muito alto. Conforme o órgão, são R$ 56 milhões, que já contemplaram 17 áreas; outras cinco estão com obras em andamento, totalizando cerca de R$ 27 milhões da verba total, com aprovação dos projetos pelo Governo Federal. Segundo a Defesa Civil, já foram beneficiados os bairros Borboleta, Vila Fortaleza, Parque Guarani, Santa Cruz, Santa Tereza, JK, Três Moinhos, Grajaú, Ladeira, Nossa Senhora de Lourdes, São Geraldo, Granjas Bethânia e Jardim da Lua. O órgão também destaca que estão em andamento obras nos bairros Carlos Chagas, Jardim Natal, Linhares e Nossa Senhora de Lourdes. Informa ainda que, além desses serviços com recursos externos, a Secretaria de Obras realiza intervenção de contenção de pequeno e médio porte com investimento próprio. De acordo com a Defesa Civil, nos últimos seis anos, foram mais de 200 obras realizadas na cidade.
Multiplicadores
Edital para obras no Grajaú, Linhares e Santa Luzia
No final de agosto, a Prefeitura lançou o edital de licitação para selecionar a empresa responsável para a execução de obras de contenção nos bairros Grajaú e Linhares, ambos na Zona Leste, e Santa Luzia, na Zona Sul. Conforme o edital, divulgado no dia 27 do último mês, o custo estimado da obra é de R$ 3.824.707,42. A empresa que será contratada terá prazo de dez dias úteis para dar início aos serviços a contar da data de recebimento da ordem de serviço. O prazo para execução da obra será de 14 meses. A concorrência está prevista para o dia 2 de outubro.
No Grajaú, as obras estão previstas para a Rua Rosa Sffeir, orçadas em R$ 1.847.535,27, com a execução de serviços de muro à flexão com estaca raiz, solo grampeado verde e drenagem. Ainda no mesmo bairro, entre a ruas Miguel Jacob e Rosa Sffeir, obras de solo grampeado verde e drenagem, orçadas em R$ 312.949,76. No Santa Luzia, os serviços estão previstos para a Rua Antônio Hespanhol Celeste, com intervenções de cortina atirantada, aterro em solo cimento e drenagem. Já entre as ruas Margarida da Costa e Avenida Santa Luzia, serão executados serviços de muro à flexão com estaca raiz, rip rap e drenagem. As ações estão orçadas em R$ 1.289.293,02. No Linhares, as ruas contempladas são Boto e Diva Garcia, com execução de obras de solo grampeado com concreto projetado e drenagem. O recurso a ser utilizado é da ordem de R$ 374.929,43.
Os recursos são provenientes do Ministério das Cidades e fazem parte do total de R$ 56 milhões do convênio assinado com o Município, que prioriza áreas de risco alto e muito alto.
Direito de voltar a sonhar
A notícia de lançamento do edital para as obras, no Grajaú, devolveu à moradora Maria Auxiliadora Ferreira, de 62 anos, o direito de sonhar. Há sete anos e meio, a casa em que morava, na Rua Rosa Sffeir, foi interditada pela Defesa Civil, depois que um barranco, que divide a via da Rua Miguel Jacob, cedeu e colocou sua propriedade em risco. A propriedade tem dois pavimentos e, além da ação do tempo, tem sido alvo de vandalismo e furtos. Uma das janelas foi levada no mês passado. Armários embutidos, pias e torneiras também já foram furtados. O piso está coberto de barro. “Agora, minha casa está toda depredada. Só existe mais uma janela de alumínio, porque as outras foram todas levadas. As portas arrombadas. É fácil entrar aqui na hora que quiserem. Minha casa está sendo destruída”, lamenta Auxiliadora.
Antes do imóvel ser interditado, ela morava com os dois filhos solteiros no local. “Hoje, eles casaram e moram em outros lugares. Quando precisamos deixar o nosso lar, fui morar na casa de uma amiga, depois tive que alugar uma casa e arrumar dinheiro emprestado para o aluguel. Nestes anos todos, meus móveis foram sendo perdidos. A cada mudança iam apodrecendo e quebrando. Tive que trocar todos”, lembra.
A moradora, desde janeiro de 2011, quando sua casa foi interditada, aguarda solução e guarda o desejo de voltar a desfrutar do imóvel que comprou, realizando um sonho antigo. “Nos fundos da minha casa, passava o esgoto da rua de cima e nunca foi cuidado pelo Poder Público, começando a dar problemas. Eu comprei a casa em 2008 e, em janeiro de 2010, caiu o primeiro barranco, descendo árvores inclusive. A queda foi em cima de um muro de arrimo e não atingiu a casa. Precisei entrar na Justiça contra a Prefeitura, e a Justiça mandou uma ordem para a realização de uma obra com urgência, que foi realizada. Mas o serviço não deu em nada, porque, em janeiro do ano seguinte, desceu tudo. Fui obrigada a deixar meu imóvel junto com meus filhos”, conta a aposentada.
Desde então, além das mudanças de casas, Maria Auxiliadora convive com a depressão, que a obrigou a fazer tratamento psicológico e psiquiátrico. “Minha vida foi, totalmente, afetada. É triste você ter o sonho de ter uma casa, conseguir comprá-la e, um ano e meio depois, ser obrigada a deixá-la. A vida me deu uma rasteira e ainda tenho que pagar o IPTU do imóvel interditado, pois meu nome foi para a dívida ativa, devendo R$ 2.600 dessa casa condenada.”
Planos não faltam para quando Auxiliadora voltar a dispor de seu lar. “A notícia desse edital é muito positiva e me devolve o direito de sonhar. Mesmo que, futuramente, eu arrume a casa e venda, mas pode ser que volte a morar lá. Tenho o projeto de dividir o imóvel em dois, já que são dois andares, para dividir com meu filho, a esposa dele e meus dois netos. Serão uma companhia para mim. Será a realização de um outro sonho, pois deixamos de morar juntos depois que tivemos que sair da casa.”