Os crimes cometidos contra a população LGBTQIAPN+ são diversos, indo desde aqueles contra a honra, como injúria, até os mais brutais assassinatos. Pesquisas divulgadas no ano passado apontam para uma realidade perversa: travestis e mulheres trans são as principais vítimas de homicídio entre os integrantes da sigla, seguidas por homens gays. A esperança de que a discriminação e o preconceito – que muitas vezes chegam a trágicos desfechos – deem lugar ao respeito e à diversidade sexual terá as cores do arco-íris entre os dias 18 e 20 de agosto, quando acontece a Rainbow Fest Brasil 2023 na Praça Antônio Carlos, em Juiz de Fora.
A data é voltada a comemorações, mas sem esquecer a luta e a dor de tantas pessoas LGBTQIAPN+ ao longo da história. Só em 2022, de acordo com o “Observatório de mortes violentas contra LGBTI+”, foram registrados no país 273 assassinatos, sendo 159 (58,24%) de travestis e mulheres transexuais. Outros 96 óbitos (35,16%) foram de homens gays, seguidos por oito mortes de lésbicas e oito de homens trans. Houve ainda um homicídio de pessoa não binária e outro de pessoa pertencente a outro segmento da sigla não informado. Do total de mortes violentas, 74 foram praticadas mediante arma de fogo e 48 por esfaqueamento. A maioria dos casos aconteceu no período noturno.
“É importante ressaltar que a incidência maior de mortes da população trans e de homens gays se dá pela construção social dos corpos, que, no caso desses, quebra a lógica imposta e os tornam abjetos, sendo passíveis de crimes brutais e com pouco interesse de resolução”, dispara Cleber Giliard Rodrigues Miranda, especialista em relações de gênero e sexualidades. Ele acrescenta que, de acordo com várias ONG’s em defesa do direito das pessoas LGBTQI+, os dados estão subnotificados, uma vez que muitos registros não constam a LGBTQIfobia como motivação. “Embora esses crimes estejam previstos pela Lei 7.716/89, que trata crimes de racismo, existe a urgência de uma legislação específica para tratar as questões que envolvem as peculiaridades de crimes de LGBTfobia”, observa Cleber, mestrando em Ciências Sociais.
Pesquisa do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) de 2022 aponta que 80% dos crimes abarcados no estudo e praticados contra travestis foram de homicídio e outros 20% de estupro de vulnerável. Do universo de delitos que tiveram homens gays como alvo, 42% foram de assassinatos. Já as ações criminosas mais identificadas contra lésbicas foram de lesão corporal (36%) e injúria (32%). Nesse levantamento, mulheres trans aparecem como mais vitimizadas pelos crimes de ameaça (42,9%), lesões corporais (28,6%) e furtos (28,6%).
“A violência contra a comunidade LGBTQIAPN+ é quase cultural em nossa sociedade, muitas vezes ela se manifesta em forma de piadas, zombaria, o que faz com que se torne mais difícil a percepção dessa violação. O fato de termos uma sociedade em que corpos LGBTQIAPN+ estão fora da lógica da construção social de corpos e gêneros heterossexuais (homem e mulher) faz com que haja uma dificuldade muito grande dessas pessoas denunciarem indocilidades contra seus corpos. Além de uma falta de preparo de agentes de segurança pública que legitimam essas violências e muitas vezes revitimizam essas vítimas, causando um medo de denúncia por parte delas”, analisa o especialista sobre possíveis causas da subnotificação.
Mês do orgulho e da visibilidade lésbica
Em agosto são comemorados o Dia do Orgulho Lésbico (19) e o Dia Nacional da Visibilidade Lésbica (29). Pesquisa do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) de 2022 indica que lésbicas sofrem mais com a falta de caracterização de LGBTfobia pela autoridade judicial (64%), seguidas das mulheres trans (43%) e de homens gays (37,8%).
A pesquisa do CNJ também destaca que a violência contra a população LGBTQIA+ está estritamente relacionada à discriminação e destaca que o termo LGBTfobia é definido como “todo e qualquer tipo de conduta decorrente de uma aversão à identidade de gênero e/ou orientação sexual de alguém que possa gerar dano moral ou patrimonial, lesão ou qualquer tipo de sofrimento físico, psicológico e/ou sexual ou morte”.
Para o CNJ, o processo de reconhecimento e garantia de direitos à população LGBTQIA+ foi respaldado por resoluções e decisões do Poder Judiciário, que se posicionou em temas como: a permissão da alteração do registro civil de pessoas trans ou não binárias – inclusive sem a necessidade de cirurgia de redesignação -, a extensão de direitos de herança e direitos previdenciários a cônjuges de relações homoafetivas – mesmo sem comprovação da união homoafetiva – e o direito de pessoas LGBTQIA+ se tornarem doadoras de sangue, entre outros. “O processo de luta pelos próprios direitos e a crescente visibilidade na sociedade garantiram à população LGBTQIA+ avanços quanto à garantia de direitos igualitários e aqueles que atendem a suas especificidades.”
Na visão do Conselho Nacional de Justiça, esses passos permitiram que casos de violência e discriminação contra integrantes da sigla pudessem chegar às delegacias e, posteriormente, aos tribunais. Ao mesmo tempo, o órgão pondera haver o problema de subnotificação de casos por meio de registro de ocorrências nas delegacias de polícia e de carência de fontes de dados oficiais no Brasil capazes de caracterizar o cenário e proporcionar a elaboração de políticas públicas de prevenção de risco ao grupo.
“Quando falamos em violência de gênero podemos dizer que todas as pessoas são vítimas e isso se dá pela construção social dos papéis de gênero. De forma simplista, a construção do papel social do homem é de que seja um indivíduo com características como forte, que remetem à agressividade, à falta de sentimentalismo ou à não expressão de sentimentos, que soam como fraqueza. Em contrapartida, as mulheres são construídas socialmente como seres frágeis, que estão sempre dispostas a cuidar da casa, da família e dos enfermos. Essa construção social coloca esses corpos em locais predeterminados e limita as escolhas que fogem dessa imposição”, analisa o especialista em Relações de Gênero e Sexualidades, Cleber Miranda. “Quando pensamos qual a construção social de pessoas LGBTQIAPN+, onde os locais sociais de sua existência estão, quais os papéis predeterminados que esses corpos estão, nos deparamos com uma triste realidade: a da violência e extermínio desses corpos”, enfatiza.