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Pais e especialista refletem sobre a paternidade e seu papel nos dias atuais

pais capa
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A imagem de paternidade construída cultural e historicamente na sociedade legitima uma relação parental em que a maior parte das responsabilidades recai sobre as mães, o que inclui tarefas domésticas ligadas à criança e demandas emocionais. Ao pai, é atribuído o estereótipo de provedor, protetor, com menor envolvimento afetivo. Segundo a professora do Departamento de Psicologia da UFJF Juliana Perucchi, esta divisão estigmatizada de papéis e tarefas é um claro reflexo do sexismo estrutural.

“Enquanto, por exemplo, não erradicarmos a divisão sexual do trabalho doméstico, não adianta esperar que qualquer homem de 30 anos criado neste sistema aja de forma diferente deste padrão espontaneamente, ele não é socializado assim como pai, como companheiro. Várias falácias, como ‘homem não chora’ ajudam a moldar esta visão deturpada e pouco emocional do paternar. O Dia dos Pais deveria ir além de uma mera data de mercado e promover o diálogo na sociedade, sobre as responsabilidades múltiplas em se criar uma criança”, diz ela.

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Visão desconstruída

Juliana Perucchi argumenta, contudo, que esta visão conservadora da paternidade vem sendo desconstruída “há muito tempo e a olhos vistos”. “A sociedade vem vivendo tanta dor e sofrimento que estamos prestando mais atenção a experiências em que o afeto é importante. Paternar é uma destas, é complexa, não tem modo, requer responsabilidades e vivência de histórias”, aponta.

Para falar destes pais mais engajados, envolvidos emocionalmente e, em linhas gerais, mais próximos do dia a dia dos filhos, o conceito de “paternidade ativa” vem ganhando espaço. Segundo Juliana, apesar de soar estranha, a designação faz sentido com a atualidade. “A gente tende a pensar que é redundante, porque a paternidade deveria ser ativa por si só. Mas, na realidade, não é. Então é preciso criar uma série de estratégias compensatórias e nomeá-las sim, chamar atenção para os conservadorismos que ainda persistem”, observa ela.

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Embora não se possa traçar um perfil do papel de um pai na formação de seus filhos, a especialista destaca algumas questões fundamentais para o exercício da paternidade. “É preciso, antes de qualquer coisa, entender a complexidade do debate sobre o sujeito que vai paternar. Quem vai educar este ser humano em fase de apreensão de linguagem? Quem vai estabelecer uma relação de segurança, afeto, autoridade e respeito? Quem vai cuidar desta pessoa para que ela tenha seus direitos respeitados quando ela, criança, não pode fazê-lo? Pode ser uma mulher, pode ser um conjunto de pessoas, e pode ser o pai, sim, numa percepção que não se restringe à biologia. Pensar a paternidade é pensar que alguém depende de você para se tornar uma pessoa.”

Para a psicóloga, quando os homens assumem, de fato, esta posição de responsabilidade perante a vida dos filhos, quebram-se estereótipos de gênero parentais. “É assim que se transforma a sociedade, a cidadania e se concebe uma paternidade não só mais responsável, mas mais saudável. É um processo que começa de um homem para outro, mas ganha força, é fantástico, poderoso.”

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Para debater o tema no Dia dos Pais, a Tribuna convidou alguns para abrir a relação que têm com os filhos – que não é e jamais será perfeita, mas é baseada em um esforço constante em estar envolvido.

 

‘Vencemos cada desafio porque estamos juntos’

Diego Ferro, 32, produtor científico
Leonel Alves da Silva, 36, cabeleireiro
Pais do João Diego, 3 anos

“A chegada do João mudou completamente nossa rotina desde o início. Por orientação do pediatra, quando ele ainda era recém-nascido, restringimos muito as visitas e o contato com outras pessoas. Para criarmos um vínculo que o bebê cria na gestação, de já reconhecer a voz da mãe, de saber que ela é seu porto seguro. A gente criou esse vínculo com ele desde bebê, priorizando tudo, é transformador ver como um filho é capaz de curar qualquer egoísmo de um pai. É difícil cuidar de uma pessoa completamente dependente? É. Mas vencemos cada desafio porque estamos juntos, eu e Leonel, dividindo absolutamente todas as tarefas, nos revezando. E recebendo uma quantidade de afeto imensurável, que muitos pais jamais sentirão porque não se permitem envolver.”

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“Não é porque é meu, mas o João é muito carinhoso, uma criança boa, que agradece por tudo, morro de orgulho. Acho que nossa família é uma exceção, porque vejo a maioria deixando as tarefas recaindo sobre a mãe. Aqui não tem dessa, nós dois fazemos tudo, e por isso mesmo temos a chance de viver um amor muito mais pleno, porque todo esforço é compartilhado, mas todas as conquistas e sentimentos bons também.”

 

‘Criar um filho é opção, amor’

U-thant Mendonça, 54, médico pai de Lucas, 22;
Camila, 20, Cláudia, 13; e Helena, 11

“Fui casado por 23 anos e me separei há três. Os mais velhos vieram morar comigo de imediato e, há um ano e meio, todos vivemos juntos. É uma experiência muito mais plena, como pai, do que quando estava casado. Porque eu, e mais ninguém, sou o adulto responsável por eles. E, como vivo várias fases com eles ao mesmo tempo, a casa é um carrossel de emoções, não para um minuto. Mas eu jamais saberia viver de outro jeito, ter visita marcada, ver uma vez por semana, por mês. Gerar um filho é um processo biológico, mas criar é opção, amor. E não é justo, sob nenhum aspecto, as responsabilidades e vivências recaírem sempre sobre a mãe. Acabei me tornando uma pessoa melhor com isso tudo, converso com todos sobre tudo e me despi de vários preconceitos e tabus: compro batom, rímel, absorvente, pílula, camisinha. Além disso, adoramos viajar e já fiz várias coisas que não teria feito sozinho, rafting, rapel e outras aventuras que encaro por eles. Não trocaria por nada.”

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‘Passei a me cuidar mais, pois alguém dependia de mim’

Fred Mendes, 39, cozinheiro e músico
Padrasto do João, de 17 anos, e pai do Joaquim, de 11 meses

“A experiência de ser pai começou com o João e me deixou mais cuidadoso, pensar que meu futuro não era só para mim. Passei a me cuidar mais, pois alguém dependia de mim. E o João mudou meus planos e da mãe dele. Nós, por exemplo, nunca quisemos ter carro. Mas por conta das dificuldades de locomoção dele devido à paralisia cerebral, nos organizamos para comprar um. As prioridades mudam. Ele me ensinou muito e, quando o Joaquim – que também requer cuidados especiais por ter Síndrome de Down – chegou, eu estava preparado, já sabia o que era cuidar de alguém que depende totalmente de você. Mas é um tapa na cara todo dia, ver o desenvolvimento dele, mesmo tão bebê. Quando estamos nós três, coloco uma música ou um filme, que o João adora, e fico brincando com o Joaquim no tapetinho dele. Um pai que se priva disso, de trocar fralda, dar banho, dar comida, acordar de madrugada e passar os perrengues – como tantos que conheço – além de irresponsável, se priva de uma experiência transformadora.”

 

‘A naturalidade dela em ser ela me encanta’

Ivan Cunha, 31, publicitário
Pai da Nina, de 12 anos

“A paternidade foi muito forte. Quando a Nina nasceu, tinha acabado de fazer 19, então não tive nem tempo de me entender como indivíduo adulto sem ter essa responsabilidade de ser pai dela. Mas todo o processo, em todas as fases, foi e tem sido completamente transformador. Há incontáveis aspectos gratificantes. Gosto de vê-la sendo ela mesma, vendo características que são só dela, da personalidade dela, não vêm de mim, da mãe ou dos avós. A naturalidade dela em ser ela me encanta. Por conta da diferença de idade pequena se comparada a outros pais e filhas, temos uma relação muito de igual para igual, até porque, durante algum tempo, ela me viu sendo pai dos meus pais, quando ainda morava com eles. Procuro estar sempre aberto às demandas dela, conversando, me propondo a ouvir mesmo. Assumir responsabilidade sobre a vida dela desde bebê me permitiu ter este vínculo com ela hoje. Ela diz que eu não brigo, que eu só converso. Espero ser alguém com quem ela saiba que pode sempre contar. E digo que ela é a menina mais maneira do mundo.”

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