Para a vereadora e delegada da Polícia Civil, Sheila Oliveira, autora de projeto de lei na Câmara que visa a implantação de uma política de combate à pedofilia na cidade, o recrudescimento desse crime pode estar ligado ao surgimento de mais canais de denúncia e também ao avanço da internet, que potencializou o contato entre vítimas e pedófilos nas redes sociais. Para ela, os sites de relacionamento facilitam essa prática criminal. “As redes sociais, de certa forma, incentivam os crimes, posto que é grande o número de crianças e adolescentes que acessam a rede, onde é fácil marcar um encontro e oportuno, para o abusador, ludibriar suas vítimas”, adverte.
Em maio, um homem de 35 anos foi condenado a oito de prisão pela Justiça de Juiz de Fora por assediar uma criança pela internet, por meio de um perfil fake do personagem Batman. Ele foi capturado pela Polícia Civil em 2016, depois de ter sido denunciado pelo próprio pai da menina, de 9 anos, que vinha sofrendo abusos pelo Facebook. Segundo os policiais, a prisão aconteceu graças ao empenho do pai da vítima, que tinha o costume de monitorar as redes sociais da filha e desconfiou das conversas que a menina mantinha com o condenado.
O conselheiro tutelar Laurindo Rodrigues afirma que, apesar de todo o perigo da internet, o crime de estupro contra vulnerável traz uma peculiaridade nefasta, uma vez que o autor do delito também pode estar bem perto de sua vítima. “O abusador pode ser um pai, um padrasto, um avô, um irmão, um tio. Na maioria das vezes, é uma pessoa que tem uma convivência direta com a criança. Daí a importância de se trabalhar com a prevenção e esclarecer a população sobre a importância das denúncias”, destaca. Para ele, essa situação representa um complicador na apuração dos fatos, pois a mãe da vítima fica com medo de fazer a denúncia, por se tratar de pessoas da própria família.
No último dia 27, um homem suspeito de abusar sexualmente do filho, de 2 anos, foi preso pela Polícia Civil. O caso veio à tona, quando a mãe do menino, procurou atendimento médico para a criança e se fez necessário o acionamento da Polícia Militar. Segundo a mulher, depois de passar o fim de semana com o pai, a criança adotou um comportamento estranho, permanecendo quieta e se recusando a tomar banho, demonstrando estar com muito medo. A criança reclamou de dores e apresentava sangue na cueca. O garoto foi levado para exames e foi constatado pela perícia médica que o menino havia sido abusado.
“Diante desse aumento de estupro contra vulneráveis em Juiz de Fora é preciso que a população tenha um olhar mais atento a respeito desse crime e não se cale”, afirmou o Laurindo. Atualmente, as denúncias podem ser encaminhadas ao Conselho Tutelar, ao Creas ou feitas ao Disque 100 e ao Disque 181.
As vítimas precisam de voz
Para Itamar Gonçalves, gerente de Advocacy da Childhood Brasil, organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip), que trabalha para influenciar a agenda de proteção da infância e adolescência no país, a dificuldade de se transformar o ECA em algo totalmente concreto está na sua dependência das instituições responsáveis pela rede de atenção e atendimento. “Quando olhamos para essa rede percebemos que ela é fragmentada, embora haja excelentes serviços em alguns municípios, mas isso não é realidade em todo o país. E assim é preciso ter cuidado para que a criança não seja revitimizada. Na minha visão, a estratégia de atenção à criança e ao adolescente é equivocada, pois não toca nas causas que estão por trás da violência”, adverte.
Ele destaca a inexistência de uma política de prevenção, que seria cuidar da criança enquanto o fato ainda não aconteceu. “No setor da Justiça, por exemplo, não há criação de varas especializadas. A Lei 13.431 – que prevê a escuta protegida, com um espaço para que a criança seja ouvida uma única vez, evitando que seja exposta – precisa ser colocada em prática. É preciso pensar em políticas para que esses ações sejam realidade”, assinala Itamar, acrescentando que já existem pesquisas que mostram que esse tipo de depoimento especial dá resultado. “Se a criança não fala não, dá para saber o que aconteceu. Então é preciso dar voz a elas para que seus abusadores sejam punidos”.
Projeto de lei propõe política de combate à pedofilia
O projeto de lei em tramitação na Câmara estabelece como objetivo a articulação de órgãos públicos e não-governamentais para o desenvolvimento de ações de prevenção e combate à pedofilia; o fortalecimento de órgãos como o Conselho Tutelar e o Conselho Municipal de Defesa da Criança e Adolescente; a realização de palestras informativas em escolas e a promoção de qualificação e a manutenção de profissionais voltados ao combate da violência contra a infância. “São ações que podem ser tomadas em nível municipal para coibir essa prática delituosa.”, destaca a autora da proposta Sheila Oliveira. O projeto cria possibilidades de acesso a informações contra pedofilia, responsabiliza provedores de internet, obrigando-os a informar qualquer infração verificada e prevê até instalação de placas informativas em hotéis e motéis, com informações sobre o ECA.
Sheila faz críticas à atual rede de assistência a crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual. “Faltam trabalhos de prevenção; o Conselho Tutelar precisa melhorar sua estrutura e capacitação e o atendimento na Casa da Mulher, onde a maioria das vítimas de violência sexual são crianças e adolescentes, não possui acolhimento adequado. Não há sequer uma profissional da área da psicologia que seja especializada em atendimento à criança.” No que diz respeito às delegacias, a vereadora e delegada diz que é necessário ter um atendimento mais qualificado, que evite a revitimização das pessoas. “É necessária a implantação de uma sala de escuta protegida, que já é lei, para que haja oitivas com profissional capacitado e com equipamento de áudio e vídeo, para que a criança não tenha que passar novamente por outro depoimento na delegacia e na Justiça, evitando sua exposição”, defende.
A Secretaria de Desenvolvimento Social, por meio de assessoria, informou que, através dos equipamentos da proteção básica, tais como Centro de Referência em Assistência Social (Cras) e Serviços de Convivência e Fortalecimento de Vínculos, trabalha sobre o tema “violência sexual contra crianças e adolescentes”, durante todo o ano, em ações preventivas de vários tipos, como palestras e reuniões direcionadas, buscando sempre maior qualidade nos serviços prestados. Quanto à estrutura do Conselho Tutelar, a pasta afirma que algumas questões estruturais precisam e serão melhoradas, com objetivo de dar mais condição de trabalho ao órgão. Já sobre a Casa da Mulher, a Secretaria de Governo, informou que a contratação de um psicólogo especializado está em estudoAto de conscientização no Parque Halfeld
O Brasil foi um dos primeiros países a organizar uma legislação que seguisse os princípios da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, criando, em 13 de julho de 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Desde o início, o ECA vem se consolidando como o principal instrumento de construção de políticas públicas para a promoção e garantia de direitos de crianças e adolescentes. A aprovação da Lei Menino Bernardo, que dispõe sobre o direito de crianças e adolescentes serem educadas livres de castigos físicos e humilhantes, assim como a sanção da lei que qualifica como crime hediondo a exploração sexual ou favorecimento à prostituição de crianças, adolescentes e vulneráveis, estão entre as conquistas do estatuto.
Para comemorar os 27 anos do ECA, o Conselho Tutelar, em parceria com a Prefeitura e a Comissão de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente da Câmara, promove, nesta quinta-feira, entre 11h e 13h, um ato de conscientização no Parque Halfeld, em frente à escadaria da Câmara. “A ideia é concentrar toda a rede de combate ao abuso sexual contra crianças e adolescentes com a finalidade de chamar a atenção da população no que diz respeito à prevenção do crime”, afirmou o conselheiro tutelar, Laurindo Rodrigues.