O Ministério Público vai investigar se a falta de vagas para realização de hemodiálise em caráter ambulatorial está levando pacientes a serem internados em hospitais de Juiz de Fora para garantir o tratamento, expondo-os a riscos. Conforme denúncia feita pela Ouvidoria de Saúde, juiz-foranos e moradores de outras cidades da região, que buscam o tratamento no município, estão vivenciando dificuldades para obter vagas nos prestadores do serviço ao Município. A origem do problema estaria relacionada a um déficit de repasses por parte do Estado, o que impediria o acolhimento de novos pacientes. Com isso, os usuários estão permanecendo em leitos hospitalares para obter o tratamento, que, quando feito em caráter ambulatorial, não exige a internação. A denúncia diz ainda que a medida deixa os pacientes expostos a riscos, como infecções e outros problemas decorrentes da longa estadia em hospitais.
A terapia renal substitutiva pode ser realizada em Juiz de Fora pelo SUS, por meio de três prestadores conveniados com o Município. No entanto, segundo a ouvidora de Saúde, Samantha Borchear, a oferta não é suficiente para todos os pacientes da região que necessitam do tratamento, e o acolhimento de novos pacientes não seria possível, em face de débitos do Governo do Estado com os prestadores, o que inviabiliza que novos usuários sejam atendidos. De acordo com ela, estaria prevista uma adição ao turno de um dos prestadores, o que possibilitaria expandir o número de vagas, mas a informação não foi confirmada até então.
Em vista da impossibilidade de assistir novos pacientes, uma lista de espera estaria se formando, aumentando o problema. Até o início de maio, cerca de 30 pacientes aguardavam a liberação de uma vaga para o tratamento em caráter ambulatorial, conforme Samantha. “A fila só anda quando algum paciente morre ou, por ventura, consegue um transplante de rim e não precisa mais da hemodiálise. A maioria está internada, porque no hospital tem a máquina de fazer hemodiálise, mas tem paciente que não está nos hospitais, o que é ainda mais grave, porque eles ficam sem fazer o tratamento.”
No documento enviado à Coordenadoria Regional das Promotorias de Justiça de Defesa da Saúde da Macrorregião Sanitária Sudeste, em que o órgão aciona o Ministério Público, a ouvidora afirma ainda que os pacientes têm esperado, em média, três meses para obter o tratamento. Outro problema é a ocupação de leitos hospitalares de urgência. Conforme a denúncia, alguns pacientes estariam internados em leitos da Unidade de Terapia Intensiva (UTI), unicamente para terem acesso à hemodiálise, sendo que os mesmos deveriam estar disponíveis para pacientes em situações de urgência.
Ministério Público
Acionado pela ouvidoria para investigar a questão, o coordenador das promotorias de Defesa da Saúde, Rodrigo Ferreira de Barros, instaurou uma notícia de fato – processo em que uma promotoria informa ao Ministério Público sobre determinada situação, para que as circunstâncias da denúncia sejam avaliadas. De acordo com texto do documento, a representação formalizada pela ouvidoria será avaliada, “no que concerne às dificuldades experimentadas por pacientes/usuários do SUS na obtenção de vaga para realização de terapia renal substitutiva em caráter ambulatorial, fazendo com que tais pacientes não atendidos ocupem leitos hospitalares, inclusive de UTI”. Procurado pela Tribuna, o promotor preferiu não se pronunciar. O processo corre em sigilo.
Saúde diz que internações garantem assistência
Questionada, em maio, sobre a oferta de vagas para realização de terapia renal substitutiva em caráter ambulatorial em Juiz de Fora, a Secretaria de Saúde se posicionou por meio de nota enviada pela assessoria de comunicação. No texto, a pasta informa que, em abril, havia 418 pacientes fazendo a terapia nas três clínicas prestadoras, ambulatorialmente. No mesmo período, no entanto, 20 outros usuários estavam fazendo hemodiálise em hospitais, o que significa que estavam internados. Três pacientes da microrregião de Juiz de Fora estavam fazendo o procedimento em outras cidades, de forma ambulatorial, conforme dados da pasta. Sobre a lista de espera, a assessoria afirma que não é possível calcular o tempo de espera para obter uma vaga, “pois a demanda é muito variável”.
A secretaria reconhece, porém, que alguns pacientes estariam sendo internados temporariamente para garantir a assistência. Segundo texto constante na nota encaminhada à Tribuna, “os pacientes dão entrada nos hospitais da cidade e o ato médico define o tratamento de cada um deles e a necessidade de procedimentos, tratamentos e internações. Quando um paciente é internado e o médico identifica a necessidade da realização da hemodiálise, seja temporária ou definitivamente, a obrigação do Município é garantir a assistência, o que tem sido feito. Sendo assim, não havendo vaga no ambulatório, o paciente fica no hospital, temporariamente, onde passará por sessões diárias, que garantirão o atendimento prescrito pelo profissional responsável”.
A pasta nega que estes pacientes estariam tirando vagas de pacientes da urgência, e afirma que “nenhuma pessoa está deixando de ser atendida porque estes pacientes estão ocupando leitos nos hospitais”. A secretaria garante ainda que a oferta de vagas é suficiente e nega que haja problemas com os prestadores, mas reconhece que há problemas relacionados ao pagamento deles. Conforme a nota, a razão seria a falta de repasses de verbas utilizadas no custeamento de demanda extrapolada, já que o Município tem demanda maior que o teto de recursos disponibilizado pelo Ministério da Saúde. “Os extrapolamentos, que são responsabilidade do Estado, não estão sendo pagos. Ao todo, desde janeiro de 2017, o Estado deve ao município cerca de R$ 550 mil em resolução para pagamento de hemodiálises feitas além do teto.” Ainda segundo a nota, o Estado chegou a publicar resoluções para o pagamento, mas não enviou os recursos.
Recursos pendentes
Procurada pela Tribuna, a Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES/MG) informou que foram pagos os valores referentes ao ressarcimento do extrapolamento da terapia renal substitutiva até dezembro de 2016, mas admitiu que os repasses referentes ao exercício de 2017 estão pendentes. Conforme a nota, não houve extrapolamento nos meses de janeiro e fevereiro deste ano, mas, em março, o Município voltou a executar mais atendimentos, e a minuta de resolução encontra-se em trâmites para publicação.
A pasta atribuiu o atraso ao “crescente déficit financeiro decorrente do aumento de despesas pela insuficiência de receita” do Estado, motivo pelo qual o governador decretou situação de calamidade financeira em Minas Gerais. Ainda conforme nota enviada à Tribuna, o Estado está se esforçando para honrar os compromissos pactuados, manter as ações e dar os melhores encaminhamentos possíveis.