As mortes violentas recuaram em 2018, chegando ao menor número contabilizado em Juiz de Fora nos últimos sete anos. Enquanto 140 pessoas perderam a vida em decorrência de ações criminosas em 2017, outras 90 foram a óbito no ano passado por meio de atos praticados por terceiros. A significativa redução de 35,7% é a mais importante desde 2012, quando a cidade, até então considerada pacata, começou a ver explodir os crimes contra a vida. A estatística é baseada no levantamento realizado pela Tribuna, que acompanha os assassinatos consumados na hora e também as mortes ocorridas como consequências das tentativas de homicídio nas unidades de saúde, inclusive feminicídios, além de latrocínios (roubos seguidos de morte) e lesões corporais fatais.
Apesar da drástica diminuição dos óbitos violentos, conflitos entre grupos rivais ligados ao tráfico de drogas ainda preocupam em muitas áreas e, segundo a Polícia Civil, 90% das mortes continuam tendo alguma relação com entorpecentes. Pela primeira vez nesse período, a Zona Sul despontou na liderança dos casos, totalizando 23. As regiões Norte, Leste e Sudeste, que sempre se revezaram no topo da análise quantitativa, seguem logo atrás, com 20, 16 e 12 homicídios, respectivamente. Em seguida, aparecem Cidade Alta (8), Zona Nordeste (4), Região Central (4) e Zona Rural, com três ocorrências (ver quadro).
Os homens seguem como os principais alvos, totalizando 80, enquanto dez mulheres foram assassinadas em 2018. Quase a metade das vítimas eram jovens de até 25 anos, incluindo seis adolescentes. Três idosos também foram mortos. A arma de fogo permanece como o principal meio utilizado na execução dos crimes e está presente em 77% das ocorrências.
Causas
A Polícia Militar atribui a queda do índice a maiores apreensões de armas de fogo, combate ao tráfico e ações preventivas e repressivas qualificadas. Por sua vez, a Polícia Civil afirma estar fazendo inquéritos mais consistentes, além de operações para retirar de circulação os infratores e autores desses crimes. O Judiciário também tem agilizado os julgamentos, resultando em uma menor sensação de impunidade.
A diminuição de 50 mortes violentas, na comparação entre 2017 e 2018, equivale a um ônibus lotado de sobreviventes e é constatada um ano depois de a Tribuna publicar a série de reportagens “Vidas perdidas- um raio-x dos homicídios em JF”. Além de mapear os óbitos ocorridos por meio de ações criminosas em 2017 e nos cinco anos anteriores – período em que foram contabilizados mais de 800 assassinatos, mais da metade deles de jovens de até 25 anos – o projeto pretendeu mostrar como as polícias Civil e Militar e os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário se articulavam para reverter o assustador quadro.
A série também escancarou uma Juiz de Fora epidêmica, com índice de 24,8 homicídios por cem mil habitantes em 2017. O cálculo, feito com base na estimativa populacional do IBGE (563.769), era bem superior ao preconizado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), que considera epidêmico indicativos superiores a dez assassinatos para cada cem mil pessoas. Com o novo cenário desenhado em 2018 e a população estimada em 564.310, a taxa caiu para 15,9 mortes violentas para cada grupo de cem mil, mas ainda configura epidemia.
Polícia Civil identifica 119 autores e chega a 90% de apuração
A Delegacia Especializada de Homicídios confirma o recuo considerável dos crimes contra a vida. Em 2018 foram instaurados 85 inquéritos para apuração de homicídios consumados, contra 124 no ano anterior, ou 31,5% a menos. As tentativas de assassinato também reduziram 34,9%, passando de 143 para 93. Ao todo, 119 autores foram identificados no ano passado e cerca de 90% dos casos ocorridos estão apurados. A estatística da Polícia Civil é diferente porque leva em consideração o número de crimes registrados, enquanto a Tribuna contabiliza o número de vítimas em casos de duplos homicídios, por exemplo. Além disso, o latrocínio, considerado crime contra o patrimônio, fica à cargo da Especializada de Repressão a Roubos, enquanto o feminicídio é investigado pela Delegacia da Mulher.
A partir deste ano, o delegado Rodrigo Rolli volta a assumir também a apuração dos homicídios ocorridos nas regiões Sul, Norte e Cidade Alta, que estavam à cargo do novo delegado regional, Armando Avolio Neto. “A Zona Sul clama por uma ação de repressão, tendo em vista que foi o local em que mais ocorreram os crimes. Vamos começar 2019 atuando em cima dessas áreas que estou reassumindo, sem deixar de lado os outros lugares”, garante Rolli, referindo-se às zonas Nordeste, Leste, Sudeste e região central.
Na visão do delegado, alguns grupos ligados ao tráfico, inclusive as denominadas gangues ou bondes, voltaram a agir na Zona Sul. “Vou conversar com a Polícia Militar e fazer reuniões com a sociedade organizada para trocarmos informações e darmos a resposta que a região merece.” No levantamento da Tribuna, o Sagrado Coração aparece como o bairro mais violento daquela área, com cinco assassinatos, ao lado da Vila Olavo Costa (região Sudeste). Na sequência, com quatro registros, estão Bela Aurora (Sul), Centro, Linhares e Santa Rita, esses dois últimos situados na Zona Leste.
Avolio, que investigou os crimes contra a vida na Zona Sul em 2018, assevera que os delitos foram apurados. “Pedimos a prisão de todos os envolvidos e acreditamos que os homicídios tendem a diminuir na região. Quem não está preso está foragido.” Embora a especializada passe a contar com apenas um titular, o delegado regional afirma que a equipe continua robusta. “Como os homicídios diminuíram, está razoável dessa forma, mas qualquer apoio necessário será dado, apesar da defasagem de pessoal. Nossa inspetoria vai auxiliar todas as especializadas, e temos o setor de inteligência.”
Êxito
Para conseguir êxito nas investigações, a Delegacia de Homicídios lançou mão de testemunhas veladas, informações anônimas que chegaram pelo Disque-Denúncia Unificado (181) e mapeamento dos crimes. “Essa diminuição dos casos vem de toda uma transformação, como a produção de inquéritos com maior conteúdo probatório, que leva o Ministério Público a oferecer denúncias e os autores a serem condenados. Temos que aplaudir a atuação do juiz Paulo Tristão. Estamos tendo condenações altas, e isso repercute”, aponta Rolli.
Ele também avalia que a grande quantidade de prisões contribui para a queda. “Quem não está preso, mas tem mandado de prisão em aberto, não está ficando em Juiz de Fora. A criminalidade está sendo sufocada.” Avolio faz coro: “Identificamos autores contumazes e pedimos prisões. A retirada de circulação dessas pessoas faz com que não cometam mais crimes.”
Rolli pondera que a mudança não pode parar. “Só de chegarmos a esse patamar (de homicídios) já é uma vitória, mas, ao mesmo tempo, não significa nada. Nosso objetivo é evitar que esses crimes voltem a aumentar. Vamos continuar trabalhando para isso e dar respostas às famílias das vítimas.”
2018 é marcado por casos de repercussão nacional
Se por um lado o município apresentou melhora expressiva nos indicadores de homicídios no ano passado, por outro Juiz de Fora foi marcada em 2018 por casos de repercussão nacional. Além do esfaqueamento do então candidato à presidência da República Jair Bolsonaro (PSL), durante ato de campanha em pleno Calçadão da Rua Halfeld, a cidade foi palco de diligências relacionadas ao caso da vereadora do Rio de Janeiro Marielle Franco (PSOL) e do motorista Anderson Gomes, assassinados em março daquele ano na capital fluminense. Ações coordenadas da Polícia Federal, inclusive no âmbito da Operação Lava Jato, também tiveram desdobramentos na localidade mineira.
Mas um dos crimes que mais chamou a atenção também resultou em dois assassinatos, contabilizados na estatística da Tribuna: a troca de tiros envolvendo policiais civis mineiros e paulistas, em outubro, no estacionamento do Monte Sinai, na Avenida Itamar Franco. O policial juiz-forano Rodrigo Francisco, 39 anos, morreu após ser alvejado por cerca de 20 tiros. Já o empresário de São Paulo Jerônimo da Silva Leal Júnior, 42, foi atingido no abdômen e faleceu seis dias depois. O fato ganhou ainda mais holofote por envolver uma negociação com malas contendo cerca de R$ 14 milhões, a maioria em notas falsas.
Para o delegado regional, Armando Avolio Neto, tratam-se de “casos isolados, que não refletem a segurança da cidade”. “Tenho a proposta de melhorar o atendimento ao público e fazer várias operações voltadas para o combate aos homicídios, roubos, tráfico e furtos a residências.”
Feminicídios
Os crimes violentos contra mulheres também chocaram a população em 2018. No dia 31 de maio, o corpo da psicóloga Marina Gonçalves Cunha, 35, foi encontrado nu e com o rosto desfigurado em uma mata na região do Parque da Lajinha, na Cidade Alta. Ela foi morta por esganadura no dia 21 de maio no apartamento do casal, no São Mateus, Zona Sul, mas só foi identificada em 7 de junho, mesmo dia em que o marido, 38, foi preso, por suspeita de assassinar a própria esposa, mãe de seus três filhos.
Em 7 de setembro, Alícia Maria Freitas Cordeiro, 18, morreu após ser baleada pelo ex-namorado em uma casa no Grajaú, Zona Sudeste, onde acontecia um churrasco de família, reunindo cerca de dez pessoas, inclusive crianças. O suspeito não foi localizado. Já em 16 de outubro, Karina Samuel Valle, 23, foi assassinada a facadas pelo próprio companheiro, 28, em Benfica, Zona Norte. Ela foi encontrada ainda com a faca cravada no peito, caída no banheiro da residência onde o casal morava. Menos de três horas depois, o suspeito morreu atropelado por trem às margens da Avenida JK.
Balas perdidas
Os avanços obtidos com a redução da criminalidade, no entanto, não foram suficientes para evitar a morte de pessoas atingidas por tiros não direcionados a elas. Um dos casos mais tristes aconteceu no dia 13 de maio, quando Davi Luca Clemente dos Santos, de apenas 1 ano, faleceu após ser vítima de bala perdida no Santa Cândida, Zona Leste, em pleno Dia das Mães. A criança estava no colo da mãe, 21, também alvejada. O alvo do ataque era um jovem, 24, que acabou baleado.
Em 22 de abril, Elisabeth Jesus da Costa, 49, morreu ao ser surpreendida por tiroteio que matou Ailton de Assis Oliveira, 26, e feriu um adolescente no Linhares, Zona Leste. Pelo menos 15 tiros de pistola foram disparados pelo garupa de uma motocicleta, que abriu fogo contra um carro. As ocorrências reforçam a necessidade de se combater os homicídios, já que a maioria dos crimes ocorre em vias públicas, colocando em risco a vida de terceiros.
Um caso tragicamente inusitado aconteceu em 11 de junho. Configurado como lesão corporal seguida de morte, o óbito de João Carlos Ribeiro Delgado, 54, não causou menos dor à família. Ele faleceu no HPS após ser agredido com um soco, sofrer uma queda e bater a cabeça no chão. A agressão aconteceu no estacionamento de um supermercado na Avenida Brasil, região central, quando a vítima tentava desfazer uma transação comercial envolvendo o arrendamento de um trailer. O suspeito, 40, que deixou o local sem prestar socorro, foi indiciado pela Polícia Civil, mas não chegou a ser preso. “É duro perder um irmão desse jeito. Ele deixou esposa e uma filha única”, revela Hilmar Ribeiro Delgado, 60. Segundo ele, o caso segue em tramitação na 3ª Vara Criminal. “Tem sete meses que aconteceu e até hoje não durmo direito. Mas quem fez isso continua andando para baixo e para cima. Ficamos revoltados. Acho que se ele fosse preso aliviava um pouco a gente”, desabafa.
Tribunal do Júri realiza 94 julgamentos em 2018
Há dois anos e meio na presidência do Tribunal do Júri, responsável pelos julgamentos dos crimes contra a vida, o juiz Paulo Tristão, evidencia que o funcionamento mais ágil da Justiça, com consequente resposta mais rápida à sociedade, reflete de forma geral, minando a sensação de impunidade. “Os julgamentos chegam aos familiares das vítimas, aos bairros onde aconteceram os crimes, às famílias dos réus e às penitenciárias.”
Na percepção dele, a mudança de ritmo implementada tem trazido bons resultados. Só no ano passado, o Tribunal realizou 94 júris de homicídios e tentativas de assassinatos. Sessenta e dois casos julgados, ou quase 66% do total, foram referentes a crimes ocorridos nos últimos três anos, entre 2016 e 2018. A estatística derruba a ideia de morosidade da Justiça. “Faço júri quase todos os dias para dar uma resposta rápida. Acho que estamos no caminho certo, e essa redução dos homicídios é mais um incentivo para continuarmos”, analisa Tristão.
Embora as ações criminosas tenham diminuído, o magistrado considera que muitos assassinatos continuam acontecendo nos mesmos locais, como Vila Olavo Costa e Vila Esperança, por exemplo. “A questão social é das mais importantes. Deve haver mediação para acabar com essa rivalidade de bairros.”
De forma mais ampla, o juiz aponta modificação na Lei Antidrogas como uma saída para evitar que consumidores convivam com pessoas violentas. “Também é inadmissível que homicídio simples tenha pena mínima de seis anos e qualificado de 12 anos. É muito pouco para quem mata e para os familiares que perderam uma vida. Muitas vezes a pessoa nem fica presa, e isso leva à reincidência. A Lei de Execuções Penais, com tantos benefícios e progressões, também é um estímulo. Se houvesse punição mais rigorosa, ajudaria bastante.”
Tristão avalia que a continuidade dos trabalhos de repressão realizados pela PM, as boas investigações conduzidas pela Polícia Civil e a dinâmica estabelecida pelo Ministério Público precisam permanecer em cena. “Vou continuar marcando tantos júris quantos necessários.” Ele ressalta que “o povo é chamado a fazer justiça”: “Os jurados têm sido excepcionais. Estão muito atentos, criteriosos e detalhistas. Isso tem feito a diferença, absolvendo ou condenando.”
“Redução tem que ser vista com cautela”
Na linha de frente do combate à criminalidade violenta, a Polícia Militar também reforça que os homicídios voltaram aos patamares de sete anos atrás. Para alcançar resultados positivos, a PM tem trabalhado com análise criminal e voltado sua conduta para a busca de resultados, procurando atuar em locais e horários considerados mais problemáticos.
O Grupo Especial de Policiamento em Área de Risco (Gepar) realiza policiamento em zonas quentes de criminalidade, buscando prevenção e repressão qualificadas. Isso inclui o monitoramento dos autores de crimes contra a vida, por meio de um banco de dados, com fotos e endereços. A apreensão de armas de fogo, usadas em 77% dos assassinatos no ano passado, também é primordial para o recuo da violência urbana, aliada ao combate ao tráfico de drogas.
“A redução da violência em Juiz de fora é realmente bastante expressiva. Merece ser comemorada em termos, pois não é comum diminuir os índices em mais de 30%. Mas, ao mesmo tempo, tem que ser vista com cautela, porque os níveis ainda estão altos, e a sensação de insegurança na cidade ainda deve ser grande”, pondera o especialista Luís Flávio Sapori, doutor em Sociologia, professor de mestrado e doutorado em Ciências Sociais na PUC Minas e ex-secretário adjunto de Segurança Pública de Minas Gerais (2003-2007).
Também autor do livro Segurança Pública no Brasil – Desafios e perspectivas, Sapori credita a queda das mortes violentas principalmente à nova metodologia de Gestão do Desempenho Operacional, institucionalizada pelo alto comando da PM no estado. “Essa redução é um fenômeno amplo que atingiu quase todas as grandes cidades de Minas em 2018, com populações acima de cem mil habitantes. E reflete muito a melhoria do desempenho operacional, com maior eficiência da PM nas ações preventivas e repressivas.” Segundo ele, com a metodologia de gestão são implantadas metas e cobrados resultados. “Minas terá destaque em âmbito nacional, como um dos estados que teve maior redução.”
Questionado se a questão social contribuiu de alguma forma para o novo cenário, o especialista é enfático: “De forma alguma. Em contrapartida, a sociedade mineira continuou com altos níveis de desemprego. Os indicadores de pobreza e miséria inclusive aumentaram nos últimos anos.” Para Sapori, o desafio do Governo estadual daqui para frente é manter a metodologia implementada na PM e incluir a Polícia Civil nesse processo, para que a queda dos crimes violentos seja ainda mais expressiva.