Quem anda pelas ruas com olhos atentos com certeza já flagrou a presença de saguis correndo pelas fiações ou pelos muros de Juiz de Fora. Os pequenos primatas são animais que se adaptaram muito bem aos centros urbanos. Apesar disso, quando flagrados em meio ao movimento da cidade, podem causar espanto e admiração. Na última semana, por exemplo, a Tribuna flagrou cerca de dez saguis passeando tranquilamente pela Rua Padre Café, no Bairro São Mateus, Zona Sul, por volta das 13h, quando havia presença de carros e muitas pessoas na rua. Os animais não se intimidaram, enquanto a população parava para observá-los.
A fácil adaptação dos saguis, entretanto, vem de um longo histórico de tráfico e contrabando. Quase 100% dos animais pertencentes a essa espécie que se vê transitando na cidade não são nativos da região, conforme o especialista Fabiano Rodrigues, professor da Faculdade de Biologia da Universidade Federal de Viçosa (UFV). Nas matas de Minas Gerais, do Rio de Janeiro e de São Paulo, o sagui-da-serra-escuro é o animal nativo representante do gênero Callithrix, inclusive em Juiz de Fora. Na área urbana, entretanto, o sagui-dos-tufos pretos, de nome científico Callithrix penicillata, é predominante.
“Os saguis que vemos pelo Centro de Juiz de Fora e em outras cidades da região foram trazidos do Nordeste a partir do tráfico de animais silvestres. Eles são membros das duas espécies que mais foram traficadas nos últimos 60 anos no Brasil, o sagui-de-tufos-pretos (Callithrix penicillata), endêmico do Cerrado brasileiro, e o sagui-dos-tufos-brancos (Callithrix jacchus), que ocorre na Mata Atlântica do Nordeste e na Caatinga brasileira.”
Rodrigo explica que nessas regiões do Nordeste, a presença dos saguis é muito comum, e é hábito entre a população transformá-los em “pets”. Com isso, junto ao processo de migração, muitos trouxeram os primatas para o Sudeste e venderam nas cidades ou deram os animais como presente. Mas, na maior parte das vezes, após o animal crescer e apresentar comportamentos violentos, os donos os soltavam nas matas ou os abandonavam. “E eles se adaptaram muito bem aos centros urbanos. As pessoas dão alimento, então eles foram se reproduzindo, o que com o tempo apresentou um sério risco à espécie nativa.”
Ameaça
O sagui-da-serra-escuro, endêmico da Zona da Mata, tem um comportamento diferenciado da espécie encontrada no Nordeste. Naturalmente, eles são mais raros, ou seja, mais difíceis de se encontrar até mesmo em regiões de mata fechada. “São animais que têm preferência por viver em mata mais densa, e com o desmatamento da Mata Atlântica, eles ficaram mais vulneráveis, o que piora devido ao cruzamento com a espécie invasora (sagui-de-tufos-pretos) e descaracteriza a genética da espécie nativa. Para se ter uma ideia, hoje o sagui-da-serra-escuro está entre as 25 espécies mais ameaçadas do planeta.”
Animais apenas para se observar
Apesar da ameaça da espécie nativa, os saguis de Juiz de Fora não causam problemas aos seres humanos. O biólogo Fabiano explica que, ainda assim, é preciso ter cuidado e evitar o contato próximo, principalmente porque, apesar de ser um animal urbano, ele ainda é predominantemente silvestre e pode se tornar agressivo caso ameaçado.
“Os saguis podem ser reservatórios do vírus da raiva, o que é uma ameaça caso ele morda uma pessoa, visto que a raiva é um vírus letal para a espécie humana. Mas esses bichos são mais prejudicados pelos seres humanos do que o contrário. A partir do vírus da herpes, que é muito comum entre as pessoas, é possível matar uma população inteira de saguis. Portanto, esse contato não é indicado e pode ser prejudicial, tanto para a população de saguis, quanto para a gente. O máximo que podemos fazer com esses bichos é admirá-los de longe.”
Isso porque uma das formas de transmitir o vírus da herpes para o animal é através da alimentação: “no momento que você tem o vírus, morde uma banana e oferece a fruta para o sagui, o animal pode se infectar”, explica o especialista. Por isso, alimentar saguis ou qualquer outro tipo de animal silvestre não é uma tarefa aconselhada. “As pessoas acham lindo, acham que estão ajudando eles, mas não. Primeiro que, fazendo isso, pode-se contribuir para aumentar a população de saguis, que é algo que a gente não quer que ocorra. E segundo que vai trazer muitos malefícios à saúde do bicho.”
Outra causa de morte muito frequente entre a população de saguis que vive nas cidades é a eletrocussão e o atropelamento, visto que esses animais se locomovem por fiações ou atravessam estradas. “Nesses casos, é importante perceber a região na qual o animal está morrendo atropelado e construir uma passagem de fauna, para que ele possa atravessar de uma mata para a outra de forma segura”, ressalta Fabiano.
Preservação das espécies nativas
Em Juiz de Fora, a ONG Prea atua desde 2003 com o objetivo de levar educação ambiental aos mais diferentes públicos. Um dos projetos da ONG é o Programa de Conservação dos Saguis-da-serra, focado na proteção dos dois saguis ameaçados de extinção e que são encontrados nas áreas montanhosas da Mata Atlântica do Sudeste do Brasil: o sagui-de-serra (Callithrix flaviceps) e o sagui-da-serra-escuro (Callithrix aurita).
Os voluntários e especialistas trabalham em diferentes cidades da região para ajudar no reconhecimento público dessas espécies ameaçadas. Eles já realizaram projetos em escolas de ensino fundamental e médio em Juiz de Fora e também em cidades na região serrana do Rio de Janeiro, como Petrópolis, Teresópolis e Nova Friburgo.
Rodrigo Sales, membro da ONG, afirma que é preciso conservar esses animais como uma forma de manter viva a espécie nativa da Mata Atlântica. “Nós levamos para a comunidade a discussão acerca da importância de conservação dessa espécie nativa, que atrai olhares do mundo todo devido ao seu risco de extinção. Com informação e ações de conservação das matas, habitat natural desses saguis, nós avançamos nesse trabalho. Precisamos concentrar esforços para salvar a espécie nativa, que está desaparecendo rapidamente”.