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Resistência de bactérias a antibióticos representa ameaça global, diz OMS

superbacterias by Gutemberg Brito IOC Fiocruz
A resistência aos antimicrobianos tem representado uma ameaça crescente à saúde pública mundial (Foto: Gutemberg Brito/IOC/ Fiocruz)
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Há anos, órgãos de saúde e pesquisadores alertam sobre a resistência de bactérias a antimicrobianos – antibióticos e medicamentos quimioterápicos. Em 2015, diversos países adotaram um plano de ação para o problema, considerado ameaça global para pessoas, animais, plantas, alimentos e meio ambiente pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Isso porque o uso indevido e em excesso de antimicrobianos acelera o processo de resistência por parte de microrganismos a esses medicamentos. O desafio é alvo da campanha da “Semana Mundial de Conscientização sobre a Resistência aos Antimicrobianos”, celebrada de 18 a 24 de novembro. Especialistas ouvidos pela Tribuna explicam como ocorre a resistência antimicrobiana e suas consequências para a saúde pública.

Os antimicrobianos são medicamentos usados no tratamento de doenças infecciosas, podendo ser obtidos por meio de microrganismos, como os antibióticos, ou formulados por compostos químicos sintéticos e semissintéticos, nomeados de quimioterápicos, de acordo com a médica infectologista do HU-UFJF/Ebserh, Cristiane Marcos Soares Dias Ferreira. Esses medicamentos possuem atividade antibacteriana, antifúngica, antiparasitária, antiviral e antiblástica, além de serem usados também no tratamento de neoplasias.

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“Quando se fala em resistência antimicrobiana, na verdade, estamos falando a respeito da ameaça à eficácia dessa classe na prevenção e no tratamento de um número muito grande de infecções por vírus, bactérias, fungos e parasitas. Essa resistência ocorre quando todos esses microrganismos sofrem alterações, quando previamente foram expostos a esses mesmos antimicrobianos”, explica Cristiane. “Como consequência, os medicamentos vão se tornar ineficazes e as infecções vão persistir no corpo humano, aumentando também o risco de propagação para outras pessoas, tendo em vista que o tratamento, então, não é eficaz nessas doenças infectocontagiosas.”

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Conforme a especialista, a resistência aos antimicrobianos tem representado uma ameaça crescente à saúde pública mundial, considerando que não afeta apenas o tratamento, mas pode levar à morte. “Existe um impacto dessas infecções a nível de comunidade, porque, por exemplo, temos cada vez mais infecções urinárias por Escherichia coli, infecções respiratórias por Streptococcus pneumoniae e hemófilos, que não respondem a antibióticos anteriormente usados na nossa rotina, exigindo então tratamentos mais complexos e de alto custo”, aponta.

Além disso, outros procedimentos médicos também podem ser afetados pela resistência a esses medicamentos, como transplantes de órgãos, quimioterapia, controle de diabetes e cirurgias de grande porte, como listado pela infectologista. “Novos mecanismos de resistência estão surgindo e se espalhando pelo mundo, ameaçando a capacidade de tratar doenças infecciosas comuns, e isso resulta em doença prolongada.”

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Ana Paula Assef é chefe do Laboratório de Bacteriologia Aplicada à Saúde Única e Resistência Antimicrobiana do Instituto Oswaldo Cruz (Foto: Gutemberg Brito/IOC/Fiocruz)

Detecção de superbactérias triplicou na pandemia, aponta Fiocruz

A resistência de bactérias aos antimicrobianos faz parte de um processo natural, porém, vem atingindo níveis alarmantes, de acordo com Ana Paula Assef, chefe do Laboratório de Bacteriologia Aplicada à Saúde Única e Resistência Antimicrobiana do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz). A maioria dos medicamentos do tipo que são usados pela população no tratamento contra bactérias é produzida com microrganismos, que vivem em equilíbrio na natureza com outros que já possuem mecanismo de resistência para sobreviver. O uso incorreto de antibióticos acaba matando as bactérias sensíveis e abrindo espaço para proliferação das resistentes, levando a infecções.

“Quanto mais antibiótico usamos, mais podemos matar as bactérias que estão no nosso microbiota – que vivem no nosso organismo e são boas para nós – e matar as sensíveis, enquanto aquelas resistentes podem ficar e, um dia, causar a infecção”, explica a especialista.

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Conforme Ana Paula, quando a população usa antimicrobianos sem prescrição médica adequada ou pelo tempo incorreto, acelera o processo de resistência das bactérias. Como consequência, há a disseminação dos microrganismos conhecidos popularmente como “superbactérias”, por conta da resistência a diversos medicamentos, situação que pode ser agravada em casos de urgência em saúde pública, como ocorreu durante a pandemia da Covid-19.

Um levantamento feito pelo Laboratório de Pesquisa em Infecção Hospitalar do IOC/Fiocruz mostrou que o número de bactérias resistentes a antibióticos triplicou durante a pandemia. Em 2019, pouco mais de mil casos isolados de bactérias resistentes a antibióticos foram enviados por laboratórios de saúde pública de diversos estados do país para análise aprofundada pela Fiocruz. Em 2020, o número de amostras positivas passou para quase 2 mil. Já em 2021, apenas no período de janeiro a outubro, o índice ultrapassou 3,7 mil amostras confirmadas, um aumento de mais de três vezes em relação a 2019.

De acordo com Ana Paula, o crescimento de superbactérias está relacionado ao aumento de pacientes internados e por longos períodos. Atualmente, os números demonstram estar voltando para um patamar próximo ao período de pré-pandemia, entretanto, mesmo antes da Covid-19, a resistência aos antimicrobianos já era um cenário grave, considerando que os medicamentos vêm sendo usados não só para o tratamento de infecções humanas, mas até mesmo na agropecuária, o que aumenta a pressão seletiva, matando as bactérias sensíveis e mantendo as resistentes.

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“O antibiótico só serve para infecções bacterianas e só quem vai saber se é uma infecção bacteriana, viral ou por qualquer outro microrganismo, é o médico. Então a população tem que ter essa conscientização, que antibiótico não é um medicamento que pode ser utilizado porque o amigo usou; e não deve parar o tratamento antes da hora, isso também é fundamental.”

Desenvolvimento de antibióticos

Outra questão por trás da resistência aos antimicrobianos é o tempo que se leva para desenvolver novos medicamentos. Conforme a chefe do Laboratório de Bacteriologia Aplicada à Saúde Única e Resistência Antimicrobiana do IOC/Fiocruz, em alguns casos de infecções, pode ocorrer o reposicionamento de fármacos, quando se utiliza um medicamento já pronto e seguro para testar sua eficácia contra outros organismos.

Porém, quando isso não é possível, a criação de novos antibióticos pode levar anos. Conforme a especialista, é preciso realizar testes para verificar se a substância usada não causará outros problemas ao indivíduo. “Realmente demora anos para você ter um medicamento validado e, ainda, (para verificar) a melhor forma de aplicação”, diz. “Há milhões de questões que não são tão simples”, aponta, destacando também o alto custo para produção desses medicamentos.

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