“Eu lamento quando o caminhão do Demlurb passa e vai juntando uma quantidade de caixas e garrafas pets, que está indo para o depósito de lixo da Prefeitura, algo que nós deveríamos evitar. A minha grande provocação às pessoas é perceber que, quando nós jogamos esse material no lixo, nós estamos destruindo a própria natureza.” O depoimento é do padre Carlos Augusto Alves dos Santos, conhecido como “Povo de Deus”, que atua em Juiz de Fora há cerca de 13 anos e desenvolveu a coleta de lixo reciclável na Vila Olavo Costa, Zona Sudeste da cidade, unindo a conscientização quanto às questões ambientais a um trabalho social junto à população. Após a série de reportagens que debateu o destino sustentável do lixo em Juiz de Fora, a Tribuna fala sobre paróquias que incentivam a coleta de material reciclável em suas comunidades como forma de contribuir com o meio ambiente e arrecadar recursos.
A ação do padre “Povo de Deus” foi motivada pela quantidade de lixo que ele via espalhado pelas ruas da cidade e por uma necessidade: crianças da Vila Olavo Costa iriam celebrar a primeira Eucaristia, sacramento da Igreja Católica, mas suas famílias não tinham condições de custear velas, camisas, entre outros itens para a cerimônia. Desta forma, o padre sugeriu que as mães recolhessem material reciclável para levantar a quantia necessária. “Com o material que elas trouxeram para a igreja em dois meses, nós arrecadamos financeiramente quatro vezes (o valor) que iríamos gastar com as crianças na primeira Eucaristia.”
Satisfeito com o resultado, ele deu seguimento à ação, e, atualmente, a comunidade recolhe lixo reciclável em mais de 50 lugares na cidade, de acordo com o padre, como prédios, casas, igrejas e estabelecimentos comerciais. A população, não só do bairro, tem se envolvido cada vez mais. “Eu dizia para o pessoal que o caminhão de lixo do Demlurb iria sair vazio da Vila Olavo Costa, e está saindo mais vazio mesmo, porque lá tem vários recicladores. Depois que nós começamos, pelo menos, despertou mais dois grupos de catadores no bairro, fora os que já tinham”, conta o padre.
Auxílio a jovens
Quando começou a coletar lixo reciclável na Vila Olavo Costa, uma das preocupações do padre “Povo de Deus” era de que a ação começasse a afetar o trabalho dos catadores que já atuavam com o material no bairro. Entretanto, a demanda era alta para todos. “O trabalho era com um grupo de voluntárias da igreja, só que o pessoal não estava dando conta de reciclar. Aí nós começamos, em um segundo momento, a acolher os jovens e dar uma oportunidade aos que estavam na rua ou envolvidos com as drogas. Nós começamos a abrir as portas para eles virem reciclar e tirar o ganho deles.”
De acordo com o sacerdote, a ideia é ampliar a ação. “Nós ainda não atingimos nosso objetivo, porque queríamos tirar muito mais jovens (das ruas). Alguns estiveram nas drogas e até voltaram”, conta. “Hoje, temos pessoas voluntárias, mas o trabalho é mais para ajudar no sustento de famílias, tanto daquelas que a igreja socorre, como esses jovens. Inclusive, tem jovens lá que são mães solteiras e tiram o sustento do trabalho com reciclável.”
Iniciativas sustentáveis nas regiões Nordeste e Leste
As paróquias dos bairros Santa Terezinha, na região Nordeste, e Bonfim, na região Leste, têm iniciativas parecidas. Há três anos, o padre Everaldo Borges fundou a Pastoral da Ecologia na comunidade de Santa Terezinha – que também engloba o Eldorado, o Alto Eldorado e o Centenário -, estimulando práticas sustentáveis. A primeira iniciativa foi o recolhimento de rejeitos descartados irregularmente nas margens do Rio Paraibuna, que foi acompanhado da coleta de materiais recicláveis.
“Uma pessoa teve a ideia de juntar o material e vender para fazer alguma coisa. Nós começamos a juntar e cresceu (o grupo)”, conta o padre Everaldo. Hoje, há cinco voluntários que recebem e separam todo tipo de material reciclável, bem como roupas, móveis descartados e até óleo de cozinha. A partir do recolhimento, surgiu o mercadinho de usados, que ocorre trimestralmente e gera renda para ações da comunidade. “O dinheiro é investido na igreja ou para a concepção de material de conscientização em iniciativas junto à comunidade”, completa o sacerdote.
Na paróquia de Santa Rita de Cássia, que abrange os bairros Bonfim e Marumbi, os recicláveis também são guardados em um espaço reservado e comercializados em ações que já fazem parte do cotidiano de fé. “Aos domingos, as pessoas chegam um pouco mais cedo, pegam uma sacolinha cheia de garrafa pet e jogam lá. Nós temos o espaço destinado. Na segunda-feira, o pessoal vem e separa”, explica o padre Antônio Camilo de Paiva.
O dinheiro arrecadado por meio da destinação dos materiais para entidades especializadas em reciclagem é investido na construção de capelas – que, muitas vezes, são construídas com materiais reciclados – e em projetos de integração social em áreas periféricas da comunidade. Os trabalhos sociais estão diretamente relacionados a uma diminuição no número de assassinatos na região, segundo o padre Camilo. “Quando eu vejo a Igreja da Matinha, que é muito simples, mas é uma capela católica, eu penso: ‘isso poderia ter entupido um bueiro, poluído o rio ou ter matado peixes’. E, além salvar o meio ambiente, nós estamos salvando pessoas. Eu penso que essa integração é uma coisa quase que divina mesmo”, finaliza.