Juiz de Fora completa, nesta quinta-feira (12), 50 dias de estiagem, de acordo com dados do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet). A situação se aproxima do observado no ano passado, quando ficou sem chover, de forma ininterrupta na cidade, por 51 dias, até então o período mais seco do município desde 1975. Embora seja comum nesta época do ano, a escassez de chuvas revela consequências negativas para o Rio Paraibuna, um grande curso d´água que nasce no alto da Serra da Mantiqueira, corta Juiz de Fora até desaguar no Rio Paraíba do Sul, já no estado do Rio de Janeiro. No perímetro urbano, um olhar mais atento para a calha do rio evidencia a poluição e a ação do homem, com restos de materiais, móveis e sacos de lixos sobre a água. Além disso, mostra a resistência da fauna, com animais, como as capivaras, dentro da água em meio ao lixo.
“O Brasil está passando pela maior seca dos últimos 91 anos. Em junho, a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) declarou situação crítica de escassez quantitativa de recursos hídricos. Embora o estado mais crítico esteja na bacia hidrográfica do rio Paraná, a situação em nossa bacia hidrográfica – Preto e Paraibuna -, também é preocupante”, afirma o presidente do Comitê dos Afluentes Mineiros dos rios Preto e Paraibuna, o professor e ambientalista Wilson Acácio.
A afirmação do especialista acontece no mesmo momento em que o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), da Organização das Nações Unidas (ONU) divulgou um dado alarmante sobre o futuro do planeta. De acordo com o estudo, os danos causados pela ação do homem podem ser irreversíveis, contribuindo para o aumento da frequência de eventos extremos. Entre eles, os picos de calor e frio, as inundações e as estiagens prolongadas.
Chapéu D’Uvas
A represa de Chapéu D’Uvas, localizada no município de Ewbank da Câmara, é responsável por armazenar as águas no período de chuvas, funcionando como barragem reguladora, para evitar que o Rio Paraibuna transborde e cause inundações. Já no período de estiagem, que historicamente segue de maio a setembro na cidade, as comportas são abertas, liberando água para auxiliar no processo de perenização do rio, evitando assim que o esgoto seja a única concentração no leito. Nos últimos dias, com a ausência de chuvas, o rio está recebendo apenas a água da represa e dos córregos da cidade, tornando ainda mais visível a poluição das suas águas.
Professor Acácio ressalta que os índices pluviométricos neste período de estiagem – de maio a setembro – estão mais baixos em relação aos anos anteriores. “A barragem de Chapéu D’Uvas, que fornece água para o abastecimento público de Juiz de Fora, no dia 3 de agosto do ano passado, estava com um nível de 73,9% de acumulação de água, na mesma data de 2021, este índice estava em 57,6%, havendo, portanto, uma diminuição da ordem de 16,3%.”
A Cesama, que realiza o controle da barragem desde 1994, informou que a vazão da represa está dentro do previsto para esta época do ano, tanto em relação ao nível do Rio Paraibuna quanto a respeito da descarga que é feita na represa de Chapéu D’uvas para atenuar a diluição da poluição do rio na área urbana juiz-forana.
Do esgoto ao lixo
O descarte irregular de detritos no Rio Paraibuna é um problema recorrente em Juiz de Fora. Das margens ao leito é possível ver sacolas plásticas, pedaços de madeira, pneus, caixas, dentre outros detritos que são depositados em bocas de lobo e nas ruas ou lançados no próprio rio. Com a escassez de chuva no período do inverno, este cenário se agrava, expondo, cada vez mais, a chamada poluição difusa.
Para o ambientalista, a ausência de caixa coletora de lixos nas duas margens do rio agrava o problema. “Basta uma volta pelas margens do Paraibuna para constatar que a ação do homem afeta diretamente as condições do rio, com diversos tipos de lixos.”
Desde março deste ano, o Demlurb realiza a operação Boniteza nas margens do Rio Paraibuna com serviços de roçada, capina e recolhimento de resíduos. Até o momento, a ação foi realizada em cerca de 14,9 quilômetros das margens do rio, ligando o Bairro Vila Ideal ao Distrito Industrial. Além disso, as vias do entorno do Rio Paraibuna também recebem ações de limpeza, o que, consequentemente, minimiza o acúmulo de resíduos no curso d’água, de acordo com o departamento.
Além do descarte irregular de lixos, outros fatores contribuem para a poluição do rio, como explica o professor do departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Celso Bandeira. “Nas áreas urbanas, além dos fatores mais comuns de poluição do rio Paraibuna, como por exemplo, os efluentes domésticos e industriais, alguns outros fatores podem agravar ainda mais a poluição, como o processo de urbanização e ocupação do solo sem o adequado planejamento, a falta de planejamento da ocupação das bacias urbanas, os serviços de saneamento deficientes e, principalmente, os sistemas de coleta e tratamento dos esgotos.”
Celso é representante da UFJF no Comitê de Integração da Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba do Sul (CEIVAP), que realiza trabalhos para implementar ações de controle da poluição e dos recursos hídricos. Segundo ele, a qualidade da água do rio Paraibuna depende diretamente das atividades realizadas, políticas estabelecidas, prestações de serviços de saneamento e do uso e ocupação do uso do solo que se faz no interior da bacia hidrográfica do rio Paraibuna.
Animais convivem com a poluição
Nas últimas semanas, a Tribuna flagrou animais nas margens do Rio Paraibuna, convivendo com as águas cobertas por lixos e resíduos químicos. Embora a presença dessa fauna possa dar esperanças para uma recuperação do rio e da vida em seu entorno, é importante observar a perda que já ocorreu. “As pessoas, às vezes, acham que o rio está em bom estado por ter a presença de animais, mas na verdade muitos já morreram, o que tem hoje é uma pequena parcela dos que sobreviveram”, comenta o professor do departamento de Zoologia da UFJF, Henrique Costa.
“Muitos animais que habitavam o Rio Paraibuna no século XIX e começo do século XX já foram extintos. Os animais que estão presentes atualmente são os que resistiram e se adaptaram à mudança para sobreviver neste ambiente poluído”, completa Henrique. As capivaras, os cágados, conhecido popularmente como cágado-de-barbicha, e algumas espécies de aves que encontramos no Paraibuna, são resistentes à poluição, por isso, é comum vermos esses animais nas margens do rio.
No entanto, a poluição atinge diretamente a vida desses animais. Ingerir lixos e plásticos que flutuam sobre as águas do rio, ou qualquer outro resíduo que não seja natural, afeta a digestão dos animais e, em alguns casos, pode levar à morte. Além disso, “no caso da poluição de produtos químicos isso pode afetar o organismo dos animais, que podem ficar debilitados ou até mesmo adoecer”.
De acordo com Henrique, é necessário um planejamento de revitalização para recuperar o ambiente e proporcionar melhor qualidade de vida para os animais. O professor acredita que o primeiro passo seria evitar que o esgoto e outros resíduos sejam jogados no rio, além do frequente serviço de limpeza para retirar os resíduos do Paraibuna. “Se essas medidas fossem realizadas, pelo menos os peixes poderiam voltar a habitar o rio, já que provavelmente eles não conseguem chegar ao rio Paraibuna devido a poluição e, se um dia ele for limpo, esses animais conseguirão nadar novamente em suas águas.”
Cesama quer tratar 37% do esgoto até o final do ano
“Um Rio Paraibuna limpo e livre do esgoto”. Esse é o objetivo que move o projeto de despoluição do Rio Paraibuna, promovido pela Prefeitura de Juiz de Fora (PJF) em parceria com a Cesama. Com um investimento de R$ 130 milhões, as obras começaram em 2013, ficaram paralisadas por um período, mas foram retomadas em abril deste ano. Os investimentos estão sendo aplicados na implementação de tubulações de esgoto ao longo do Rio Paraibuna e dos principais córregos da cidade, para encaminhar o efluente, que hoje é lançado nas águas do rio, para as estações de Tratamento de Esgoto (ETEs). Atualmente, conforme a companhia, Juiz de Fora coleta e trata 8% do esgoto produzido, e o objetivo é atingir a marca de 37,6% até dezembro deste ano.
De acordo com a Cesama, o contrato de financiamento da primeira fase se encerra em setembro, estando concluída a Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) União-Indústria, que já está em operação, e parte dos coletores e interceptores de esgoto. Em seguida, a empresa dará continuidade ao contrato de repasses relativo a segunda fase, com a implantação de um coletor tronco, no córrego Tapera, já em fase de licitação, e um centro de tratamento no Bairro Santa Luzia, cujo financiamento encontra-se em análise da Caixa Econômica Federal. Ainda neste ano, está prevista a interligação entre a contribuição do córrego Independência ao coletor já implantado, o que, segundo a companhia, “dará um incremento significativo na vazão de esgoto que chega à ETE União-Indústria para tratamento”.
Garantir uma boa qualidade das águas do nosso rio é de extrema importância não só para a qualidade de vida das gerações futuras, como também para o desenvolvimento das diversas atividades sociais e econômicas do município, como, por exemplo, o abastecimento doméstico, comercial e industrial. “Caso estas obras sejam realmente concluídas, estaremos dando um passo significativo para a melhoria das condições da qualidade das águas do rio Paraibuna. Os coletores receberão grande parte dos efluentes gerados na área urbana de Juiz de Fora, que serão lançados nas ETEs, para o devido tratamento conforme as normas estipuladas pelos órgãos ambientais”, acrescenta Wilson.
Responsabilidade é coletiva, dizem especialistas
Mas afinal, qual o papel da população nesse processo de limpeza e manutenção do rio? Um rio poluído causa incômodo, o odor afasta as pessoas do entorno e o visual também não atrai, mas, para que suas águas sejam recuperadas, é necessário, além das ações do governo e das empresas, uma mudança comportamental urgente.
Os estudos realizados pelo Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam) mostram que o Índice de Qualidade de Água (IQA) é preocupante na área urbana de Juiz de Fora. Para se ter ideia, conforme a Cesama, atualmente são despejados, no Rio Paraibuna, em média, 725 litros de esgoto por segundo, além de todos os lixos e detritos despejados pelo homem.
De acordo com Wilson, o Igam informa que a população contribui muito para aumentar a chamada poluição difusa, que é a sujeira levada para o rio pelas águas da chuva, como lixos, fezes de animais, esgotos a céu aberto, entre outros. “As pessoas acham, por exemplo, que o lixo jogado na rua e as fezes de cachorro nas calçadas não afetam os cursos d’água, mas estão enganadas. Tudo vai para o rio.”
Para que a população entenda a sua responsabilidade no descarte correto de resíduos sólidos, é necessário ter uma integração entre a educação ambiental e as iniciativas governamentais. Na maioria dos casos, as pessoas têm conhecimento da importância de olhar para esta causa, mas a desinformação a respeito de como incluir as atitudes sustentáveis na rotina pode atrapalhar o envolvimento da sociedade.
O professor Celso reforça a importância de campanhas e investimentos em educação ambiental para incentivar a participação da população na preservação e sustentabilidade ambiental. “Todos os mananciais que abastecem a cidade de Juiz de Fora são impactados pelas atividades que se desenvolvem na sua bacia. Portanto, há uma necessidade de planejar e controlar a ocupação do solo nessas regiões. A população juiz-forana depende de água em quantidade e qualidade satisfatória para o desenvolvimento das suas diversas atividades sociais e econômicas.”
Há esperança por um novo ciclo em que as águas do Paraibuna tenham uma qualidade satisfatória, para que as próximas gerações possam se refrescar e usufruir de forma consciente o nosso rio. “Gostaria que a população juiz-forana tivesse o prazer e a felicidade de curtir, como no passado, o nosso Paraibuna que muito contribui para o processo de desenvolvimento urbano-industrial de Juiz de Fora”, é o que deseja Wilson.