De acordo com dados do Observatório de Segurança Pública, da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública de Minas Gerais (Sejusp-MG), Juiz de Fora registrou 38 homicídios no período entre janeiro e maio de 2023, o mais violento em Juiz de Fora desde 2017. Também nos cinco primeiros meses deste ano, foram registradas 35 tentativas de homicídio. Os números apontam um crescimento gradativo desde a eclosão da pandemia de Covid-19, em 2020, com aumento percebido a partir de 2021. Entretanto, quando o atual índice é comparado com taxas anteriores à crise sanitária, esses dados são superados. De acordo com o banco de dados sobre crimes violentos da Sejusp, em 2017 houve 77 tentativas de assassinato e 51 homicídios consumados. No ano seguinte, foram 42 tentativas e 33 consumados.
O cenário atual indica uma retomada da criminalidade em Juiz de Fora, que foi intensificada a partir de 2010. A avaliação é de Paulo Cesar Pontes Fraga, doutor em sociologia e coordenador do Núcleo de Estudos sobre Política de Drogas, Violências e Direitos Humanos (Nevidh), da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). “Na primeira década dos anos 2000, as taxas eram muito mais baixas”, afirma.
De acordo o Sejusp, nos cinco primeiros meses de 2012, ocorreram 18 assassinatos em Juiz de Fora. Atualmente, esse número mais que dobrou. Nos anos seguintes, houve uma curva de crescimento dos homicídios na cidade, com uma proporção elevada em 2016 e 2017. Nos períodos posteriores, mesmo antes da pandemia de coronavírus, um decréscimo nos índices da violência pode ser percebido, alcançando seu pico novamente agora, em 2023, com algumas particularidades.
Criminalidade tem se modificado na cidade
Para o especialista em segurança pública Paulo Fraga, algumas características desses homicídios em alta revelam que o “modus operandi” da criminalidade em Juiz de Fora passa por alterações. Conforme explica, antes as execuções pareciam ligadas a conflitos de grupos locais. Neste ano, no entanto, parecem diretamente ligadas a grupos envolvidos no tráfico de drogas.
O Grupo de Resposta Rápida (GRR) da Polícia Civil de Minas Gerais, para o qual a maioria dos casos de homicídios são encaminhados, confirmou, por meio da assessoria de imprensa da instituição, que existe uma predominância do tráfico relacionado à natureza dos crimes de homicídio atualmente. “O escopo da Polícia Civil, enquanto polícia judiciária, é apurar os crimes ocorridos. A análise sobre o aumento de homicídio na cidade pode ser inferida pela premissa informada”, disse o órgão em nota enviada à reportagem.
Outro aspecto observado por Paulo Fraga é que, apesar das constâncias de algumas características de execução, a forma desses crimes mudou. Há a incidência crescente de homicídios em vias públicas e em horários diversos, para além da madrugada. “Não é que não existiam, mas não era tão comum. Agora você tem execução dentro de bar, até perto da escola e à luz do dia. Há uma mudança do tipo de execução, nas causas da execução e também nas formas como estão sendo executadas, que revelam outro tipo de conflito”, avalia o coordenador do Nevidh.
Em conformidade com os critérios apontados por Fraga, a Polícia Militar realizou um levantamento a pedido da reportagem. Foi verificado que entre 1º de janeiro e 29 de junho deste ano já se somam 41 execuções na cidade. Desse montante, 31 ocorreram em vias públicas, e 12 casos foram registrados no período diurno, entre 6h e 18h.
Maior parte dos homicídios ocorre por uso de arma de fogo
A Polícia Civil também fez um levantamento acerca dos tipos de armas usadas nesses crimes violentos. Como resultado, o emprego de arma de fogo despontou como o mais frequente nos homicídios no município, nem sempre através do porte ilegal. “O que me preocupa é justamente uma certa facilidade que você teve nos últimos anos de conseguir arma de fogo no Brasil, tanto pela via legal quanto ilegal”, analisa Fraga, que menciona também a diminuição das exigências para o porte no país.
Nesse cenário, ele observa perspectivas possíveis para a trajetória dessas armas até a ilegalidade. “Mesmo que uma pessoa não tenha nenhum passado que demonstre conflito com a lei, ela pode começar a desenvolver. Alguém que não seja preparado, ao manusear erroneamente a arma que foi obtida por via legal, pode ser roubado e, com isso, se transformar em um porte ilegal”, explica o pesquisador.
Estratégias de combate à violência
De acordo com a psicóloga e professora do curso de Psicologia da Estácio, Maíra Leon, a violência tem caráter biopsicossocial, ou seja, envolve fatores biológicos, psicológicos e sociais. À medida que todos esses aspectos aparecem integrados, as ações para atenuar a violência se amparam na associação entre várias ferramentas, como o investimento em educação, saúde, cultura, lazer e espaços de convivência. Os modos de enfrentamento à criminalidade como um todo são, portanto, complexos. Exigem transformações sociais, como a diminuição das desigualdades, por exemplo.
Paulo Fraga, contudo, explica que as estratégias de combate também podem partir de atitudes simples e cotidianas. “Para o medo da violência não gerar mais violência, a alternativa é a construção de uma cultura da paz”, aponta o especialista em segurança pública. Ele acrescenta que essa iniciativa deve ser implementada nas escolas desde os anos iniciais e também na fase adulta, por meio da reeducação. Além disso, medidas preventivas de segurança aparecem como uma alternativa eficaz. “Como a Lei Maria da Penha, que afasta o agressor da vítima. Mais importante do que punir após uma morte é impedir que ocorra esse crime”, explica Fraga.