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Conheça a história da Turunas do Riachuelo e da Feliz Lembrança, as primeiras escolas de samba de JF

1958 Mauricio Resgatando o Passado
Em 1958, o carnaval de rua com escolas de samba já era uma tradição consolidada (Foto: Maurício Resgatando o Passado – MRP)
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Pedro Nava, escritor juiz-forano, em seu livro “Baú dos ossos”, de 1972, escreveu um relato carnavalesco: “Água não era só de chuva e de enchente. Mas abundante era a dos entrudos. Carnaval. Passavam uns escassos mascarados, dominós de voz fina, diabinhos com que o Benjamim Rezende se divertia arrancando os rabos e quebrando os chifres. O Paulo Figueiredo, encantando minha avó com seu Pierrô reclamado de lantejoulas. Os primeiros lança-perfumes – Vlan e o Rodo. Mas o bom mesmo era o entrudo. Havia instrumentos aperfeiçoados para jogar água como os relógios, assim chamados porque esses recipientes imitavam a forma de um relógio fechado com dois tampos metálicos flexíveis que, quando apertados, deixavam sair um delicado esguicho de água perfumada.” Ele se referia, possivelmente, aos ranchos: um grupo de pessoas que, no período do carnaval, no início dos anos 1900, saía pelas ruas cantando e dançando a marcha rancho. Não era o samba ainda a embalar a folia.

Juiz de Fora, por questões de geografia, sempre teve o Rio de Janeiro como referência e influência. Tanto que o que era inserido lá, rapidamente era incorporado aqui. O samba só começou a fazer sucesso em 1916, com a gravação de “Pelo telefone”, de Donga e Mauro de Almeida, no Rio de Janeiro. “Mas tudo é um processo lento. Porque no ano seguinte ele começou a entrar no carnaval. E a primeira escola de samba carioca, a Deixa Falar, só surgiu mesmo em 1928. Depois foram surgindo outras. Foi um processo lento até o samba ter visibilidade”, explica Márcio Gomes, pesquisador e músico de Juiz de Fora. Ele, que se dedica também a estudar a história do samba de Juiz de Fora, conta que, em 1932, a Família Toschi, que vivia no Largo do Riachuelo, decidiu fazer um bloco de carnaval, o Feito com Má Vontade. Mas eles queriam mesmo é cantar samba, nada de rancho nem marchinha: o que ainda não era muito disseminado por Juiz de Fora.

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Dois anos depois, Oceano Soares, vizinho da família, que trabalhava em um parque de diversões no Rio de Janeiro, estava vendo que, por lá, cresciam as escolas de samba. Ele sugeriu, então, que a família transformasse o Feito com Má Vontade em escola de samba, o que, basicamente, alteraria só o nome. Como o interesse pelo gênero já era grande, a sugestão foi rapidamente aceita. E, em 1934, nasce a Turunas do Riachuelo: primeira escola de samba de Juiz de Fora e de Minas Gerais. “É a quarta escola de samba do Brasil se levar em conta atividade. Porque, depois que surgiu uma escola, várias outras foram surgindo, mas muitos acabaram. Antes dela, vieram, do Rio, e que estão em atividade até hoje, Portela, Mangueira e Unidos da Tijuca”, esclarece Márcio.

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De acordo com o sambista e pesquisador, o “Riachuelo” se deu pelo fato de os integrantes serem do Largo do Riachuelo. Já o “Turunas” não faz referência, como pensam, a valentia. “É porque tinha um grupo, Turunas da Mauriceia, que fez muito sucesso na época. Vários grupos musicais passaram a adotar esse nome. Aqui em Juiz de Fora também. É completamente influenciado pelo Rio de Janeiro.”

O começo da rivalidade

NELSON SILVA comandou a Feliz Lembrança no primeiro desfile oficial de escolas de samba de Juiz de Fora (Foto: Acervo Simón Eugénio Sáenz Arévalo-MRP)

A Turunas do Riachuelo seguiu fazendo seu carnaval. O primeiro samba composto pela escola, que tinha como atuor principal Alfredo Toschi, data de 1938. No ano seguinte, surge uma concorrente. “Como a Turunas já tinha certa visibilidade, o pessoal que era da Avenida Sete, principalmente a Família Carvalho, tinha o bloco deles, e eles queriam fazer a escola de samba. Fizeram. Isso de o bloco virar escola é normal. Eles botaram o nome da escola de samba de Feliz Lembrança.” Tem início, então, uma rivalidade com brigas que Márcio chama de “homéricas”. Mas, principalmente, uma época de ouro no samba de Juiz de Fora.

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Mesmo com as duas escolas criadas, a imprensa continuava dando foco aos ranchos. Um dos primeiros registros, de acordo com Márcio, é de 1946. “Elas tiveram que ocupar o espaço que já era ocupado principalmente pelos ranchos carnavalescos. Com o passar do tempo, as escolas foram agradando mais, porque o samba estava cada vez mais se consolidando como gênero musical.”

Mas os desfiles, naquela época, não eram como hoje. Eram as chamadas batalhas de confete, promovidas por comerciantes que premiavam os melhores sambas. É por isso que o samba em Juiz de Fora teve sua época de ouro. De um lado, Alfredo Toschi, na Turunas; do outro, Djalma de Carvalho, na Feliz Lembranças. “As escolas se apresentavam e o principal quesito era o samba, que era improvisado. A primeira parte já chegava pronta, e a segunda era improvisada na hora. O que durasse mais tempo e fosse o melhor era escolhido pelo júri como o campeão da batalha. Não tinha organização de desfile oficial, e os critérios eram subjetivos. As escolas nunca aceitavam perder. Por isso as brigas.” Data de 1949, por exemplo, o samba “Se eu fosse feliz”, da Feliz Lembrança, considerado uma das principais músicas carnavalescas de Juiz de Fora.

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Marco

Turunas do Riachuelo é a quarta escola de samba mais antiga em atividade no Brasil (Foto: Maria do Resguardo)

Mas foi o ano de 1966 o mais importante, em vários sentidos. Foi quando aconteceu o primeiro desfile de escola de samba oficial de Juiz de Fora. Márcio alerta que houve outros com o patrocínio da Prefeitura desfilando pela Rio Branco. Mas foram vários os motivos que fizeram com que a data ficasse marcada. A Feliz Lembrança desceu a Avenida com o tema “Mascarada veneziana”, sob o comando de Nelson Silva e José Carlos de Lery Guimarães. Agora, sim, toda a escola se vestia com fantasias e alegorias que faziam sentido com a canção, que passou a ser única: um samba-enredo. Para além disso, Nelson Silva contava com o apoio do Batuque Afro-brasileiro, que fazia coro. “Foi uma coisa completamente diferente. O samba também foi muito diferente. E era um samba em três andamentos, uma novidade no Brasil todo.” Foi uma vitória tão importante que a Turunas, logo depois, chegou a acabar. Mas foi reestruturada em seguida.

O carnaval em Juiz de Fora foi sendo assim configurado. A rivalidade entre Turunas e Feliz Lembrança fez surgir outras escolas, como a Castelo de Ouro, a terceira da cidade, que, no entanto, encerrou suas atividades.

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Um pedaço dessa história fica restrito à oralidade. Parte do que Márcio sabe, ouviu tendo contato com Ministrinho, por exemplo, e com a turma tanto da Turunas quanto da Feliz Lembrança. Outras informações que guarda são fruto de muita pesquisa em jornais e arquivos da época, além de materiais que sempre chegam até ele. Atualmente, Márcio já soma 300 sambas inéditos da cidade, guardados por ele, que chegou a gravar alguns CDs com tais músicas para registrar essa história. Para dar continuidade a esse processo de arquivamento, tem chamado parceiros músicos para gravar e colocar no YouTube. “Porque aí essa história não fica só comigo.”

 

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