
Juiz de Fora registrou 771 recolhimentos de animais silvestres em 2024, segundo o Centro de Triagem de Animais Silvestres (CETAS). Até setembro deste ano, outros 340 resgates já haviam sido realizados na cidade, somando um total de 1.111 ocorrências em menos de dois anos. A lista é liderada por gambá-de-orelha-preta (Didelphis aurita) e periquitão-maracanã (Psittacara leucophthalmus), mas inclui também serpentes, aves e mamíferos ameaçados, como o papagaio-de-sobrancelha-vermelha, espécie dependente de florestas preservadas para sobreviver.
O levantamento obtido pela Tribuna mostra que Juiz de Fora concentra a maior parte dos registros da Zona da Mata, mas o CETAS também recebe animais de Ubá, Leopoldina, Muriaé e Barbacena. Entre as espécies encontradas estão cascavéis, jararacas, tucanos, saguis e urubus.
A análise dos dados mostra uma mudança clara na sazonalidade dos recolhimentos. Os picos de ocorrências se concentram na primavera e no verão, períodos de maior atividade reprodutiva da fauna silvestre. Essas alterações significativas na sazonalidade dos recolhimentos acontecem em períodos que, segundo o biólogo Breno Moreira Motta, coincidem com o auge do ciclo reprodutivo de diversas espécies. “Nesse períodos, os animais circulam mais em busca de parceiros e locais para abrigar filhotes. Com a ausência de corredores ecológicos, acabam entrando em quintais e construções, onde ficam encurralados. É quando ocorrem muitos ataques de cães e acidentes”, explica.
Uma análise estatística dos dados confirma a observação: houve uma diferença significativa na distribuição por estações do ano entre 2024 e 2025, com concentração de casos nos meses quentes. Para Motta, isso também se trata de um reflexo direto das mudanças climáticas e da perda de habitat. “O aquecimento global altera ciclos alimentares e períodos reprodutivos. O aumento das temperaturas e a redução das chuvas afetam abrigo, reprodução e disponibilidade de alimento”, detalha.
Expansão Urbana
A expansão urbana e o desmatamento aparecem como fatores associados ao aumento de resgates. “A expansão das cidades força esses animais a buscar abrigo e alimento em quintais, telhados e praças”, afirma Motta. “O desmatamento e as queimadas reduzem drasticamente os habitats naturais, e o resgate acaba sendo uma consequência direta da degradação ambiental,” completa.
Entre os recolhimentos mais frequentes estão serpentes e mamíferos silvestres, cuja presença em áreas urbanas, segundo o biólogo, “é um reflexo direto da perda de habitat”. “Sem áreas seguras, esses animais buscam recursos nas cidades, aumentando os conflitos com humanos e animais domésticos. O avanço urbano de Juiz de Fora exerce uma forte pressão sobre a biodiversidade da Zona da Mata”, destaca.
Ainda conforme o biólogo, a fragmentação ambiental dificulta a circulação de animais e a dispersão de plantas. “Espécies sensíveis desaparecem, enquanto outras, mais adaptáveis, proliferam de forma desequilibrada. Sem planejamento ambiental, o crescimento urbano ameaça a riqueza biológica e a resiliência ecológica da região.”
O papel do CETAS na conservação
Em meio ao avanço urbano e às pressões sobre a fauna da Zona da Mata, o CETAS, vinculado ao Instituto Estadual de Florestas (IEF), se consolidou como a principal estrutura pública dedicada a resgate, tratamento e reintrodução da fauna nativa.
A rotina no núcleo é constante, diariamente chegam aves, répteis e mamíferos, oriundos de resgates diversos, alguns atropelados, eletrocutados, atacados por cães, retirados de locais inadequados ou resgatados do tráfico. A estrutura do CETAS funciona como um hospital. No local, a equipe técnica faz desde atendimentos clínicos emergenciais até processos longos de reabilitação comportamental, preparando o animal até o momento da soltura, quando o mesmo puder sobreviver novamente no ambiente natural.
“O CETAS é o local onde os animais silvestres recolhidos, vítimas de apreensão ou entrega voluntária, são avaliados, tratados e reabilitados”, explica o diretor Glauber Barino. “Muitos deles, se não fossem resgatados, morreriam atropelados ou feridos. Aqui, eles passam por cuidados veterinários e são devolvidos ao habitat natural, contribuindo para o aumento das espécies nativas.”
Segundo Glauber, o trabalho do CETAS não termina com o resgate. “O processo começa com uma avaliação clínica e comportamental, feita por veterinários e biólogos. Se necessário, o animal é medicado e passa por um período de reabilitação. Dependendo da espécie, pode ficar dias ou meses conosco, até estar pronto para o retorno à natureza.”
A última etapa do processo é a soltura controlada. Na Zona da Mata, o CETAS mantém dez áreas de soltura cadastradas no Projeto Asas, iniciativa que envolve proprietários rurais e órgãos ambientais. “Essas áreas são fundamentais”, diz Glauber. “Elas funcionam como viveiros naturais, espaços de transição entre o cativeiro e a floresta. Lá o animal readquire reflexos, aprende novamente a se alimentar e se proteger.”
Essas operações demandam articulação com Corpo de Bombeiros, Guarda Municipal, Polícia Ambiental e Prefeituras, o que transforma o CETAS em um ponto de convergência entre Poder Público, ciência e sociedade civil, responsáveis por recolher os animais e encaminhá-los ao centro.
Espécies ameaçadas e o alerta da Mata Atlântica
Entre as espécies registradas pelo CETAS estão aves ameaçadas ou consideradas quase ameaçadas de extinção. Este ano, três espécimes de Amazona rhodocorytha foram recolhidas. “A Amazona rhodocorytha, conhecida como papagaio-de-sobrancelha-vermelha, é classificada como Vulnerável (VU) pela União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN)”, explica Breno Motta. “Sua população é estimada entre 2.500 e 10 mil indivíduos maduros e está em declínio contínuo devido à perda de habitat e à captura ilegal.”
“Embora ainda não esteja em risco imediato, seu status já indica preocupação. É uma espécie endêmica da Mata Atlântica e necessita de florestas preservadas para sobreviver”, destaca o biólogo.
Outras duas espécies classificadas como vulneráveis pelo ICMBio e pelo Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima também estão presentes nos recolhimentos do CETAS. São elas: Chrysocyon brachyurus, o Lobo-Guará, com três recolhimentos, sendo dois em 2024 e um em 2025 e a Alouatta guariba, o macaco bugio, que, além de classificado como vulnerável, também é tido como Criticamente em Perigo, ao todo, foram duas espécimes recolhidas, sendo um em 2024 e outro este ano.
Dados que viram políticas
Os dados do CETAS são fundamentais para compreender a relação entre fauna silvestre e áreas urbanizadas, afirma Motta. “Eles revelam quais espécies são mais afetadas, os períodos de maior ocorrência e as regiões com maior incidência de conflitos. Essas informações permitem planejar políticas públicas voltadas à conservação da biodiversidade e ao ordenamento territorial.”
Segundo o biólogo, esses dados também orientam medidas preventivas, como sinalizações em vias e campanhas de manejo responsável. “No campo da educação ambiental, auxiliam na criação de materiais didáticos e ações de sensibilização”, completa.
JF é o epicentro de conflitos urbanos
Os registros de recolhimento de animais silvestres realizados pelo CETAS entre 2024 e 2025 indicam um cenário de forte pressão da expansão urbana sobre a fauna local. No total, 1.479 espécimes foram resgatados no período de 1º de janeiro de 2024 à 30 de setembro de 2025. Desses, 1.111 foram realizados em Juiz de Fora.
A cidade se destaca como o local de maior incidência, concentrando a maioria dos resgates. As espécies mais encontradas nessas ocorrências são o gambá (Didelphis aurita), com 288 resgates, e o periquitão (Psittacara leucophthalmus), com 260 resgates.
O alto número dessas duas espécies em particular está diretamente relacionado à sua presença frequente em áreas urbanas. Segundo o biólogo Breno Moreira Motta, a expansão das cidades, somada a desmatamento e queimadas, força esses animais a buscarem abrigo e alimento em quintais e praças, aumentando os conflitos.
A conduta da população
Glauber orienta que, ao se deparar com um animal silvestre, a população mantenha distância e evite qualquer tentativa de captura. “Mesmo feridos, esses animais podem reagir e atacar. O ideal é deixá-los isolados, em local calmo, e acionar os órgãos responsáveis,” diz.
O atendimento pode ser feito por Guarda Municipal, Polícia Militar de Meio Ambiente ou Corpo de Bombeiros, que realizam os recolhimentos e encaminham os animais ao CETAS.
Motta reforça a importância da postura preventiva da sociedade: “A redução de incidentes com animais silvestres depende de um conjunto de ações articuladas entre Poder público e população. Campanhas permanentes de educação ambiental podem sensibilizar as pessoas sobre a convivência harmoniosa com a fauna.”
Serviço: O que fazer ao encontrar um animal silvestre
- Não tente capturar, alimentar ou tocar o animal.
- Mantenha distância e isole o local.
- Acione o Corpo de Bombeiros (193), a Guarda Municipal (153) ou a Polícia Militar de Meio Ambiente (190).
- O CETAS realiza acolhimento, tratamento e devolução dos animais ao habitat natural.

