Quase 550 profissionais da área da saúde foram contratados pelo Hospital Universitário (HU) de Juiz de Fora para trabalhar no que seria a ampliação da unidade. Eles fazem parte do grupo de 1.055 pessoas que assumiram uma vaga na instituição após concurso realizado, em 2015, para substituição dos 319 funcionários terceirizados, ajustamento do déficit histórico de servidores, em torno de 200 pessoas, e atuação em serviços que estavam previstos pelo novo empreendimento, como maternidade, radiologia, CTI infantil e um centro de queimados. No entanto, como as obras não foram concluídas, muitos desses profissionais estão ociosos. Com uma folha mensal que ultrapassa R$ 5 milhões em salários, o HU não tem como realizar, neste momento, cirurgias cardíacas e exames de hemodinâmica, por exemplo, por falta de espaço físico e de estrutura. São pelo menos 20 cirurgias cardiovasculares mensais perdidas e 160 exames na área que a cada mês deixam de ser feitos. Outras especialidades fundamentais para o atendimento da população estão subaproveitadas à espera de saídas para esse impasse. Hoje o hospital conta com cirurgiões cardiovasculares, cancerologistas clínicos, neonatologistas, radioterapeutas, cardiologista intervencionista concursados que estão disponíveis para atender pacientes do SUS, mas sem meios de atuar na especialidade para a qual prestaram concurso.
Exatamente por causa disso, o hospital de Juiz de Fora já perdeu 16 profissionais transferidos para um dos 40 hospitais universitários do país que integram a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh), atual gestora do HU, a fim de que essa mão de obra qualificada possa ser utilizada. São profissionais competentes e necessários que estão indo para o Nordeste e o Sul brasileiros, um prejuízo incalculável para a saúde pública de Juiz de Fora. A situação é preocupante e levou até à perda de um aparelho de hemodinâmica estimado em R$ 1 milhão que seria extremamente útil no município. Mas, para não ficar na caixa, o equipamento acabou sendo emprestado para o Hospital Antônio Pedro, em Niterói, no Rio de Janeiro, a fim de que fosse utilizado na realização de exames essenciais, como o cateterismo, a angioplastia e o tratamento endovascular.
Quadro considerado preocupante
“A situação é realmente preocupante. O HU se preparou para atender uma demanda não só do ensino, mas de formação dos alunos, residentes do curso da saúde de Juiz de Fora e também da assistência. A gente percebe que esses profissionais teriam como trabalhar aqui, resolvendo, em muito, os problemas de saúde dos usuários do SUS, incorporando qualidade, tecnologia à saúde de Juiz de Fora e região. mas estão subutilizados. Além de preocupante, é frustrante”, admite o superintendente do HU em Juiz de Fora, Dimas Augusto Carvalho de Araújo.
Ele explica que, das 1.232 vagas ofertadas no concurso, 1.055 foram preenchidas. “Quando se começou a obra de ampliação do HU, foi feito um dimensionamento de pessoal pela própria Ebserh em torno de 1.200 trabalhadores. Das 818 vagas na área assistencial (fisioterapeutas, enfermeiros e fonoaudiólogos), 708 foram preenchidas. Das 285 vagas na área médica, 221 foram assumidas e, na área administrativa, de 127 vagas disponíveis 126 foram ocupadas. Realmente existem áreas que não estão prontas levando neonatologistas, uma subespecialidade da pediatria, a atuarem como pediatras. Isso é um exemplo.”
Gargalos
Dimas refere-se ao fato de que hoje o HU conta com oito neonatologistas concursados, com salários de R$ 8.094,07, que estão aptos para atender bebês em UTI, mas exercendo outras tarefas. A necessidade de vagas em CTI infantil é uma realidade nacional e um dos principais gargalos da saúde. O hospital também tem três cirurgiões cardiovasculares que se apresentaram para trabalhar, mas que não dispõem de infraestrutura para as cirurgias e nem do aparelho de hemodinâmica, que seria uma importante retaguarda para a realização, com mais segurança, de cirurgia cardiovascular. Com dois cardiologistas intervencionistas, com salário mensal de R$ 8.094.07, mas sem equipamento para atuar, há pouco o que fazer.
“Com a nossa estrutura, não tem como fazer a cirurgia cardíaca. Por isso, a gente está transferindo os profissionais. A presidência da Ebserh entendeu que, se há deficiências na rede dela, a primeira tentativa seria colocá-los na própria rede, nos hospitais nos quais ela faz gestão. No entanto, é uma perda para a cidade, porque, no momento em que eles vão para o Rio de Janeiro, para o Nordeste do país e para o Sul, eles, provavelmente, não vão voltar enquanto o hospital não estiver pronto”, lamentou o superintendente do HU em Juiz de Fora.
Contrato com PJF pode reduzir problemas
Em ofício enviado para o Ministério Público Federal, o Hospital Universitário (HU) admite sua capacidade ociosa, mas diz que o problema pode ser amenizado se serviços forem contratualizados junto à Prefeitura (ver fac-símile acima), o que levaria à criação de um terceiro turno de trabalho na unidade. Em atendimento a uma solicitação da Secretaria de Saúde, o superintendente do HU, Dimas Augusto Carvalho de Araújo, informou, no último dia 20, que tem como ampliar em 63,96% as consultas e acompanhamentos na unidade, saltando das atuais 10.956 mensais para 17.964 (ver quadro na página 3). Outra proposta é dobrar a capacidade de internação de 314 para 700 internações mensais. A fisioterapia saltaria de 688 atendimentos mensais para 2.988. O mesmo se daria no tratamento clínico de diversas especialidades. A ampliação seria feita utilizando a estrutura das duas unidades existentes hoje no município, nos bairros Santa Catarina e Dom Bosco.
“A paralisação da obra do hospital foi uma grande perda para a sociedade, mas isso pode ser amenizado com as contratualizações. Hoje o Hospital Universitário talvez seja o que tem toda uma equipe completa. Nós podemos ter o terceiro turno, o horário da noite, ficando aberto até às 23h. Com isso, absorveríamos um terço a mais. Nós temos profissionais, temos máquinas, temos espaço e temos doentes na fila. Temos tudo. Mas eu fico entre a cruz e a espada. Porque como é um hospital público, eu não posso fazer uma produção não contratualizada, porque eu levo o hospital a uma situação de insegurança orçamentário financeira. Preciso de um contrato”, afirma o superintendente.
Segundo Dimas, desde o ano passado, várias conversas entre o hospital, a Ebserh e a Prefeitura de Juiz de Fora foram realizadas nesse sentido. “Independentemente da conclusão da obra de ampliação do HU, temos possibilidade de aumentar a nossa produção, já que temos horários disponíveis no ambulatório e nas salas cirúrgicas. Estamos discutindo com o gestor municipal, desde janeiro do ano passado, propostas de aumento de produção do nosso contrato SUS. A última que encaminhamos à Secretaria de Saúde, em fevereiro de 2018, aponta que poderíamos aumentar em dez mil o número de procedimentos de ambulatório”, afirma.
De acordo com o gerente de atenção à Saúde do HU, Sérgio Paulo Pinto, o papel do HU é de cooperar com a rede pública de saúde. “O que estamos falando aqui é que temos a capacidade de cooperar mais”, aponta. Procurada pela Tribuna, a Secretaria de Saúde informou que a proposta “está em análise”.
Caso a situação não seja resolvida, novas transferências de profissionais acontecerão. A perda poderá chegar a 50 cargos.