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Coletivos feministas debatem como é Juiz de Fora para as mulheres

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A semana que se passou foi marcada por diversas conversas e ações, no âmbito virtual e nas ruas, que discutiram o papel e os direitos da mulher no mundo: em seus lares, no mercado de trabalho, no bairro, na cidade, no país, na política, em absolutamente todos os lugares que ocupam. Em Juiz de Fora, tivemos a histórica entrega da Medalha Rosa Cabinda, outorga criada por coletivos feministas da cidade que se reuniram para homenagear mulheres que se destacaram e se destacam na construção da história de Juiz de Fora, cada uma em sua atuação e com sua trajetória. Na rua, o dia 8 de março foi lembrado por uma militância política de várias expressões, marcada não apenas por uma marcha, mas também um grande evento com manifestações artísticas e culturais pensadas e realizadas por mulheres. Na atualidade, em que os direitos das mulheres vêm tanto sendo discutidos, por um lado, quanto ameaçados, de outro, a discussão sobre o feminismo – os feminismos na verdade, com todas as suas interseccionalidades – torna-se imprescindível para que possamos caminhar em direção a uma sociedade menos misógina e mais acolhedora, em direitos e oportunidades, para elas. Para nós. Neste sentido, a Tribuna convidou integrantes de alguns dos diversos coletivos feministas da cidade para um debate, sobre o qual você poderá ler, nas linhas abaixo, algumas das questões contemporâneas de ser e tornar-se mulher. Diariamente.

Os Coletivos

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“Eu sou Giovanna Castro, do Candaces – Organização de Mulheres Negras e Conhecimento. Neste ano, completamos dez anos, e nosso trabalho, nossa ação giram em torno de pautas específicas do feminismo negro.”

 

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“Bruna Leonardo, militante transexual. Faço parte do Visitrans, que é o grupo de apoio e acolhimento das travestis, transexuais e interssexuais. É vinculado a Pesquisas e Práticas em Psicologia Social, Políticas Públicas e Saúde, núcleo de pesquisa da UFJF, um projeto de extensão, não é só um espaço de militância – mas também é!”

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“Meu nome é Cristina Castro, faço parte da União Brasileira de Mulheres (UBM) e represento a Zona da Mata. Temos organizações estaduais e regionais, é uma instituição com mais de 25 anos de existência e luta por emancipação das mulheres no trabalho, na política, psicológica, econômica, emocional, em todos os sentidos.”

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“Meu nome é Juliana Auler, estudante de Letras da UFJF e estou representando o Movimento de Mulheres Olga Benário. O movimento surgiu em 2011, por conta do Congresso das Mulheres, e hoje estamos em mais de 20 estados, em todas as regiões, e nossa principal bandeira vai em torno da violência contra a mulher.”

 

“Meu nome é Laiz Perrut, sou do coletivo Maria Maria, que é um núcleo daqui de Juiz de Fora da Marcha Mundial das Mulheres, um movimento que tem sede em todos os continentes do mundo, e nossa principal atuação, quando a gente surgiu, com a Marcha Mundial das Mulheres em 2011, foi por conta da pobreza e opressão que atingiam a vida das mulheres. Na Marcha, a gente queria uma nova ordem econômica no mundo que agregasse as mulheres, e nosso entendimento do feminismo é muito a partir disso.”

 

“Eu sou a Mônica (Cury), também do Coletivo Maria Maria, jornalista do Sindicato dos Metalúrgicos e lá eu tento também levar um pouco do feminismo, para um dos sindicatos com mais homens da cidade.”

 

“Meu nome é Laís Barbosa, atuo no Movimento Mulheres em Luta (MML), que tem foco em mulheres que trabalham, no mercado ou em casa. Mulheres que estão no sistema para parar o capitalismo, quebrando todos os tabus associados a elas.”

 

Meu nome é Lucimara Reis, e sou do 8M que, na verdade, não é um coletivo, é um fórum dos coletivos feministas da cidade, alguns deles representados aqui. O Fórum surgiu em 2017 em função do Movimento Internacional de Greve de Mulheres. É importante colocar que é horizontal, aberto à participação de todos os coletivos e entidades que desejam discutir a emancipação feminina e igualdade entre os gêneros. Conseguimos, com apoio de alguns coletivos, puxar uma greve muito vitoriosa, exclusiva de mulheres, em uma categoria inteira, que foi a de técnicas administrativas da UFJF.”

 

“A categoria ‘mulher’ não cabe em um modelo único”

Foto: Marcelo Ribeiro

Qual o real significado do dia 8 de março? Faço a pergunta às representantes dos coletivos feministas sobre a data em que tanto se parabeniza as mulheres, apesar de desrespeitos, abusos e agressões diárias, afinal estamos no país em que uma mulher é assassinada a cada duas horas, segundo dados divulgados pelo Monitor da Violência, parceria do G1 com o Núcleo de Estudos da Violência da USP e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Laiz Perrut diz que vem estudando o significado e que há diversas origens para a explicação da data. “Uma vertente é de que trabalhadoras dos Estados Unidos iniciaram um grande movimento em 1907, sobretudo em prol do voto feminino, que se alastrou para a Europa no ano seguinte. E outra possível origem vem da Rússia, quando houve uma greve de mulheres que foi o estopim para a Revolução Russa, e reivindicava não apenas o voto, mas tratava também de outras questões trabalhistas, como melhores condições de trabalho, diminuição da jornada, licença-maternidade, entre outras coisas.”

 

Em coro, Cristina Castro pondera que, independentemente das raízes do dia histórico, a essência que move a data é a mesma. “Esta data é de mulheres de luta, luta pelo voto, pela representatividade, por igualdade salarial, melhores condições de trabalho. Internacionalmente, é isso que move o 8 de março. Seja qual for sua origem histórica, ele deve ser compreendido como um dia de luta.” Lucimara Reis acrescenta que é fundamental pensar que o dia também deve ser entendido como um movimento para acabar com a opressão de gênero por meio de uma luta contra o sistema. “Afinal de contas, vivemos em um sistema que promove a exploração do ser humano pelo ser humano. Acho importante resgatar essa luta das mulheres trabalhadoras como algo que coloca a economia como causadora de opressão.”

Giovanna Castro destaca a necessidade, além das questões trabalhistas, de as microrresistências serem lembradas em 8 de março, e sobre a necessidade de se entender que a categoria “mulher” não cabe em um modelo único. “Vários enfrentamentos se passam no espaço doméstico, quando a mulher rompe com ciclos de violência em casa. São possibilidades de pequenas conquistas históricas baseadas na necessidade de compreender que ela precisa reverter o sistema e deixar de apanhar do marido e conseguir terminar o ensino médio. É a mulher que vive violência na invasão da comunidade em que ela vive… são referências fundamentais para o 8 de março. Precisamos enxergar a data no contexto de uma sociedade de herança escravocrata em todos os sentidos, do patrão que age de forma escravocrata na base do grito. É preciso pensar o que significa ser mulher dentro de um sistema como esse. “Não é que estas coisas não tenham valor e não tenham significado para a autoestima de algumas mulheres, mas socialmente é uma forma de silenciar o discurso de luta. Lutamos todos os dias, mas esse é o dia para se lembrar disso, e não de receber um ‘parabéns’ que cala nosso discurso.”

Juntas, mas diferentes

Giovanna Castro destaca que, apesar da resistência que une os coletivos em pautas feministas universais, é preciso pensar nas interseccionalidades, nas demandas especificas de cada grupo. “Essa resistência que nos une permitiu que pautássemos muitas demandas comuns debaixo de uma bandeira chamada ‘Juntas na Resistência’. Mas quando se fala de feminismo, o que se compreende como tal? Da minha trajetória de mulher preta e da trajetória de mulheres pretas, é algo muito diferente. Enquanto a mulher branca estava queimando sutiã na rua, tinha uma preta na casa dela tomando conta do lar ou do filho. Enquanto a branca queria o direito de ir trabalhar, a preta queria o direito de ficar em casa, porque trabalha desde a escravidão. A rua sempre foi o lugar da mulher negra, na prostituição, no trabalho doméstico, chefiando lares quando após a escravidão homens negros não conseguiam trabalho. Até hoje, boa parte dos lares femininos são chefiados por mulheres negras. Estamos no topo das estatísticas de feminicídio, somos as que mais sofrem violência obstétrica, as que menos recebem anestesia em cesariana. Então a gente fala de lugares muito distintos.”

Bruna Leonardo destaca que a luta das população trans, travesti e interssexual encontra barreiras até mesmo dentro de algumas vertentes feministas. “São tantas lutas diárias que a gente tem que travar para existir que até chegar ao feminismo não dá. Além disso, existem correntes feministas que não nos consideram mulheres, por causa da socialização da biologia ou do que for. Para estes grupos, nossos corpos dizem que não somos mulheres, então não podemos ser feministas. E é assim que a maioria da sociedade nos vê: como homens que deram errado, não mulheres”, diz ela. Para Bruna, as demandas da comunidade trans ainda são as mais básicas, como direito ao nome, ao emprego, ao reconhecimento da identidade. “Para nosso país, quem é trans não devia estar nem circulando nas ruas, nosso lugar é a rua, a periferia, espaços de vulnerabilidade à violência. E mais: quando existe um espaço de tratamento à saúde das pessoas trans, por exemplo, ainda são ligados a setores de DSTs e Aids, por exemplo, o que descaracteriza e patologiza nossas identidades. Mas apesar de tudo, sinto-me otimista. Porque mesmo com tanto discurso de ódio, antes não havia nem lugar de fala. Hoje, se me chamam de ‘louca, barraqueira’, pelo menos tenho visibilidade, sabem que estou aqui, é um passo de muitos que estamos dando”, reflete.

Para Cristina, o grande desafio dos coletivos feministas é justamente ampliar o discurso para além deles e chegar a uma pluralidade de mulheres. “Não podemos falar somente conosco, temos que conseguir falar com a menina pobre da periferia que está engravidando – e com a de classe média também! É um desafio sair da militância com a militância e chegar a quem precisa ainda mais dela. Como eu tiro de casa uma mulher que mora num barraco, na frente mora a sogra, apanha do marido… Como eu digo “Pare de apanhar?”. Existem questões muito específicas.
Lucimara destaca que, apesar das diferenças e dificuldades de fazer os discursos serem ouvidos, existem hoje possibilidades maiores de alcance dos movimentos e de escuta das várias demandas. “Aí entra um outro desafio do feminismo contemporâneo, conseguir perceber de onde as pessoas estão falando. É cada uma entender seus privilégios, suas opressões e trabalhar nisso. Claro que não é simples, mas temos que ter abertura e capacidade de ter um ouvido mais atento, neste momento em que o movimento feminista tem conseguido ganhar as ruas, mais mulheres têm participado, as marchas têm sido maiores e cada cartaz traz uma questão. É nessa pluralidade que a gente vê como a opressão se faz no dia a dia e, às vezes, um cartaz visto por alguém que nem se envolve com o movimento provoca uma reflexão que pode ser transformadora.”

‘Até que todas estejamos livres’

Ao analisar qualquer seção de comentários de qualquer portal, é perceptível notar que as discussões de direitos humanos, em que o feminismo se inclui, sofrem ataques violentos on-line, questão que também foi abordada pelas debatedoras. “Para mim, a questão política influencia muito neste ataque tão aberto. Discursos machistas, homofóbicos e transfóbicos como o de políticos como o de (Jair) Bolsonaro e (Marco) Feliciano legitimam e dão força para que qualquer pessoa se sinta no direito de reproduzi-los”, pontua Laiz Perrut. “E tem outra questão: independentemente do que qualquer pessoa pense sobre o que foi o governo da presidenta Dilma, houve no Brasil um golpe institucional televisionado em que deputados e deputadas (porque mulheres também reproduzem machismos) foram ao plenário para afirmar que, em nome da família, de Deus, das crianças, iriam derrubar uma presidenta eleita democraticamente”, acrescenta Lucimara.

Especificamente em Juiz de Fora, Cristina Castro fala sobre a dificuldade em se aprovar projetos de políticas públicas que atendam às mulheres. “Tentamos aprovar um plano de políticas públicas que era construído dentro do possível, com muita diversidade: atendia a mulheres negras, idosas, meninas, trabalhadoras… E várias delas eram ‘acopladas’ a ações que já existiam: Bolsa Família, Minha casa, Minha Vida, várias. Mas tivemos que retirar o projeto porque, aos moldes do que a Câmara Municipal queria aprovar, havia se tornado um monstro. Era melhor não ter um plano do que ter um que não atendesse às mulheres de fato”, lamenta.

Também participando do debate, a editora Marise Baesso questiona se a ausência de políticas pode estar associada à falta de representatividade feminina e realmente feminista no poder, ao que Giovanna Castro responde prontamente. “Claro! Nossa Câmara hoje, por exemplo, é um retrato do que é Juiz de Fora, uma cidade extremamente conservadora.” Laiz Perrut fala, ainda, no que tange à política eleitoral, que, mesmo dentro dos partidos, há uma enorme resistência às candidaturas de mulheres. “Se uma mulher fala que quer ser candidata, todo mundo já olha para ela questionando. E aí não tem apoio – isso em todos os partidos que eu conheço – as mulheres não têm apoio financeiro, político, começa aí essa nossa falta de representação, de a política ter mais homem que mulher, não somos nem 10% na política brasileira.

Neste tom, Lucimara acrescenta que a questão não é simplesmente votar em mulheres, mas em mulheres que se proponham a batalhar pela emancipação feminina, coletivamente. “Não basta falar em empoderamento na esfera individual, tem que ser pensando no coletivo. Daí nosso lema tão significativo: “Até que todas sejamos livres.”

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