“Para os amantes de livros, bem-vindos à #BookTok.” Essa mensagem aparece ao buscar o termo #BookTok na plataforma de rede social TikTok, que acumula mais de 28 milhões de publicações, entre elas, indicações de leituras, resenhas e outros conteúdos voltados para quem já gosta ou pretende entrar no universo literário. O fenômeno do #BookTok cresceu nos últimos anos e tem mostrado um potencial para atrair novos leitores por meio do engajamento proporcionado pelos vídeos publicados pelos próprios usuários da plataforma. Para além do TikTok, as redes sociais, no geral, se apresentam como novos espaços de discussão sobre livros e, até mesmo, de produção literária.
Com mais de 30 mil seguidores e quase 700 mil curtidas no TikTok, a juiz-forana Lorena Simili de Oliveira (@lorenasimili), 27 anos, começou a gravar vídeos para a rede social no fim de 2022, após perceber a comunidade que estava se criando em torno do #BookTok. A paixão pela leitura, porém, vem desde criança, por incentivo dos pais. Dos gibis da Turma da Mônica, ela passou a ler livros para jovens adultos e, hoje, tem preferência por fantasia e suspense, e são esses gêneros que busca, principalmente, abordar em seus vídeos. Nas redes sociais, ela compartilha suas impressões e rotina como leitora.
Por ser nutricionista e manter um perfil profissional, Lorena percebeu que poderia, também, usar seu lado comunicativo para falar sobre livros. Com a criação de um perfil no Tik Tok com esse objetivo, viu seu número de seguidores crescer e passou a levar conteúdo também para o Instagram. Nessas plataformas, encontrou um espaço para conversar sobre literatura com novas pessoas.
“Eu vejo muita gente que começou a ler por indicações de pessoas no BookTok. Pessoas que nunca leram na vida e se interessam porque tem outra ali falando de uma forma lúdica, dependendo do criador de conteúdo, ou uma forma apaixonada, que é a forma que geralmente eu passo. Quando eu gosto muito de um livro, eu quero convencer aquela pessoa a ler também.”
Para a booktoker, que constantemente recebe relatos de pessoas que foram incentivadas a ler por seus vídeos, o espaço das redes sociais vem como uma oportunidade para influenciar os mais jovens e mostrar que “tem literatura para todo mundo”. “A literatura integra pessoas, a literatura faz com que a gente tenha uma visão de mundo maior, e a gente tem que estimular, sim”, diz.
Diversidade de publicações
Vídeos mostrando capas de livros, resenhas, encenação de passagens de histórias literárias, fanfics (narrativas escritas por fãs) e fanarts (obras baseadas em personagens e histórias feitas por fãs) são apenas alguns dos milhares de tipos de conteúdos que podem ser encontrados através do #BookTok. Para a escritora Marianna Leão, essa diversidade de publicações faz com que o fenômeno tenha crescido tanto nas redes sociais. Autora dos livros “Clube da Meia-Noite” e “Hater Nº1”, além dos contos “Feitiço de carnaval” e “O último casal da Fada Madrinha”, entre outras obras, Marianna já realizou um treinamento com a equipe do TikTok no Brasil, em que recebeu a informação de que o nicho do #BookTok é o que mais gera engajamento e mais acumula visualizações dentro da plataforma.
“É um fenômeno que surgiu durante a pandemia, porque as pessoas estavam presas em casa, não tinham o que fazer e aí foi começando essa corrente de recomendações que foi crescendo. No meio disso, começaram a entrar as trends, as criações dos conteúdos engraçadinhos, cenas, POVs (“point of view”, no portugês, “ponto de vista”), então isso deixou o BookTok bem rico e bem diverso de conteúdo, porque você vê que é um conteúdo nichado, mas não são todos os vídeos que são iguais”, conta.
Como leitora, Marianna usa as redes sociais, especialmente, para buscar indicações tanto nacionais quanto internacionais. Como escritora, ela vê desafios para conseguir produzir conteúdo regularmente enquanto lida com a rotina de trabalho, mas procura focar quando tem novos lançamentos. Dentro desse universo, a autora vê prós e contras. Entre os pontos positivos, está uma nova forma de conhecer diferentes obras por meio do engajamento on-line, fator que, antes das redes sociais, estava limitado às recomendações de amigos, listas de leituras das escolas ou dos mais vendidos.
“Hoje em dia, a gente tem outros canais para falar de gêneros muito variados. Dentro do próprio BookTok, a gente tem microcomunidades para cada tipo e para cada gênero literário, e até mesmo subgênero”, diz. “Eu acho que oferece a essas pessoas que não gostam de ler, ou que ainda não se descobriram como leitoras, a oportunidade de explorar gêneros e formatos diferentes de escrita, para não ficar só no convencional e, de repente, se sentir estimulado a criar esse hábito de consumir livros.”
Por outro lado, a escritora identificou determinadas dificuldades, como o fato de obras internacionais terem mais apelo do que as nacionais. Além disso, há controvérsias quanto ao algoritmo das redes sociais, considerando que o conteúdo de produtores negros, por exemplo, teria um número menor de visualizações do que os produzidos por pessoas brancas. “Apesar dos benefícios da plataforma, eles não são tão grandes a ponto de sobrepujar essas dificuldades”, aponta Marianna.
Potencial na divulgação
Em 2012, o escritor Rodrigo Barbosa lançou seu primeiro romance, “O homem que não sabia contar histórias”. Em pouco mais de dez anos, ele percebeu grandes transformações na forma de divulgação de livros. Se antes ocorria em um formato boca a boca e por meio da crítica especializada, em jornais e revistas, hoje, ele percebe como as redes sociais passaram a ter um papel fundamental nessa função. O potencial de alcance, a facilidade em dialogar com o leitor e uma maior autonomia na divulgação de seus trabalhos são alguns dos fatores que levaram o autor a começar a investir em plataformas como o Instagram.
“Você acaba atingindo públicos não só em termos de quantidade, mas em termos também de tipos de públicos que você não dialogaria, talvez, no sistema tradicional. Eu tenho recebido e feito contato, também, com outros escritores que eu admiro, gente que eu acho que teria muito mais dificuldade se não houvessem esses caminho”, diz. “A rede social propicia receber mais ‘feedbacks’, mais comentários e conversar mais com o leitor. Eu acho isso muito rico, nem que seja aquela curtida tradicional, um comentário, uma observação, uma curiosidade.”
Ao mesmo tempo em que as redes sociais oferecem oportunidades para escolher a melhor forma de divulgar o seu trabalho, elas também exigem uma mobilização individual por parte dos escritores, de acordo com Rodrigo. “A oportunidade está aí, mas você tem o desafio de ter que se esforçar para isso, de sair desse casulo. Antigamente, era muito comum o autor entregar o livro e deixar tudo por conta da editora. O próprio autor se tornar ativo e se tornar um agente de divulgação é um desafio. Isso exige tempo e até investimento.”
Apesar desses apontamentos, o escritor torce para que as redes sociais resultem em maior incentivo para os leitores, considerando todo o alcance que fenômenos como o #BookTok têm demonstrado. “Nós vivemos numa sociedade de urgência, de ansiedade, e eu acho que isso afeta. Eu vejo hoje uma geração com pouca paciência para dedicar-se durante alguns minutos, com o hábito de ficar com ‘dedo nervoso’ nas redes sociais”, comenta. “Mas, por outro lado, tem esse reverso da medalha, que é a gente ver que esse mesmo espaço é um espaço que pode estar servindo para convidar pessoas em torno do interesse no livro e também fazer uma espécie de contraponto e aumentar, quem sabe, o interesse pela leitura.”
Conteúdo além de vídeos curtos
TikTok, Instagram, X (antigo Twitter) e Wattpad são algumas plataformas que proporcionam novos espaços para debate sobre literatura, cada uma em um formato específico que leva a novos modos de ler. Como lembrado por Rogério de Souza Ferreira, professor titular da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), na década de 1990, antes do “boom” da internet, a leitura ocorria na forma impressa, mas esse processo mudou completamente ao longo das últimas décadas. Desta forma, assim como o docente adaptou o ensino para seus alunos, é preciso apresentar novas abordagens de incentivo à leitura. Os booktokers, por exemplo, que usam o TikTok para fazer recomendações de livros em vídeos curtos, acabam hoje exercendo esse papel. “Quando o booktooker faz 30 segundos nesses vídeos curtos falando de literatura, ele vai ao ponto com aquele linguajar que as pessoas jovens estão mais acostumadas e atinge esse público”, aponta.
Para além dos vídeos curtos, como lembrado pelo professor, no X, há um termo conhecido como “Twitteratura”, de histórias curtas com 140 caracteres no máximo – em referência ao limite de caracteres original da plataforma, que já não é válido -, que, hoje, conta com autores especializados. Já o Wattpad é um espaço de autopublicação que oferece também a conexão entre leitores e escritores. O Instagram tem o apelo visual, com textos acompanhados de imagens. Um exemplo citado por Ferreira é da poetisa indiana Rupi Kaur, que começou publicando suas obras no Instagram e, com o sucesso resultante de sua linguagem concisa e acessível, passou a publicar também o trabalho no impresso, mostrando a convergência que pode ocorrer entre o digital e o tradicional. “Eu diria que a grande vantagem das redes sociais são opções no mundo literário que os interessados têm hoje em dia. Isso que é o bacana, são as várias opções de leitura e várias opções de produzir o texto literário e de publicá-lo.”
Impresso versus digital?
Conforme Rogério Ferreira, é certo que as redes sociais podem impactar diretamente o meio editorial, especialmente por terem encurtado o caminho entre o escritor e o leitor. Antes, esse encontro era intermediado por uma editora. Entretanto, isso não exclui o fato de que muitos escritores, mesmo que tenham começado no ambiente on-line, deixem de publicar no impresso. “Antigamente, achavam que o papel ia acabar. Pelo contrário, o papel está aí firme e forte. Você vê que é ainda a referência. Então, uma pergunta: para qual autor tanto faz ser uma obra produzida no físico ou não? Eu tenho certeza que esses grandes autores querem, até por direitos autorais, publicar no impresso.”
Por outro lado, como destacado pelo professor, ainda faltam discussões sobre a qualidade do conteúdo que é consumido na internet. O papel de mediação das editoras inclui, também, a curadoria feita por especialistas, algo que não existe nas redes sociais. “O filtro do corpo editorial é uma coisa muito bem feita, da pessoa examinar e ver com atenção a qualidade do texto. Já nas redes sociais, não tem esse filtro. Ele é direto, então a gente está sujeito a encontrar qualquer coisa. A gente encontra obras maravilhosas e outras coisas que são perda de tempo”, destaca.