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Escola onde tudo funciona ‘mais ou menos’

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Tribuna esteve na escola, localizada em Benfica, mas não pôde fazer registro fotográfico em seu interior. No pouco tempo no local, foi possível notar parte dos problemas, como paredes danificadas, buracos e o calor intenso (Foto: Leonardo Costa)
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Enquanto esperávamos a autorização para fotografar o interior da escola, eu e o repórter de imagens Leonardo Costa pudemos sentir o calor que fazia entre as paredes de latão e compensado de madeira em que funciona a Escola Estadual Ana Salles, a escola contêiner de Benfica. Saímos sem a permissão para fazer o registro fotográfico, mas enquanto estivemos na escola, notamos, ainda na sala de espera da direção, as paredes totalmente danificadas, com grandes buracos, e, encostada em uma delas, uma mesa com computador, impressora e outros aparelhos eletrônicos, bomba-relógio para um curto-circuito no período chuvoso. Era horário de almoço, e as crianças, provavelmente entre 7 e 12 anos, almoçavam em mesas dispostas na área externa (imagino que, no calor do contêiner, deve ser impossível fazer uma refeição agradável), e a merendeira que servia os pequenos também tinha as panelas dispostas em carteiras, do lado de fora, sem qualquer aparelho que mantivesse os alimentos aquecidos.

“Acho que a obra vai melhorar muito nossa situação, no verão é muito quente mesmo, e não tem proteção nenhuma, as paredes são de papel, e está tudo caindo. Hoje mesmo uma janela com vidro quebrado quase caiu em cima de um menino da minha sala”, disse um aluno da instituição, de 11 anos. “Nada tem lugar direito: as aulas, o almoço, a escola funcionam sempre meio mais ou menos”, completou uma estudante, também de 11 anos. Em sua ida ao local, a Tribuna abordou alguns professores, que preferiram não se pronunciar sobre as condições estruturais e de trabalho no imóvel da escola. Do lado de fora, há uma placa que anuncia a realização das obras pelo Estado, com a previsão de conclusão em 180 dias (seis meses) e valor de aproximadamente R$ 545 mil. De acordo com a Secretaria de Estado de Educação, as obras foram iniciadas em fevereiro de 2016, e a estimativa de término para a primeira fase é no início de 2018.

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Fundada em 1963, a Escola Estadual Ana Salles sempre operou com a estrutura que tem atualmente, e, segundo vistoria do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), a temperatura média em seu interior é de absurdos 55 graus no verão. Ainda conforme o MPMG, no local, há salas de aula com buracos no teto e no chão, paredes enferrujadas, janelas quebradas, rede elétrica exposta, banheiros sem portas, vazamento de água, inexistência de Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros (AVCB) e de extintores de incêndio, sinalização e iluminação de emergência. Os técnicos constataram, ainda, que o campo de futebol não se encontrava apto para as crianças brincarem, apresentando grama irregular e traves enferrujadas e quebradas, com risco de queda.

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Estado promete providências desde 2015

(Foto: Leonardo Costa)

Em 2015, a Associação de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania (ADDHC) fez uma representação para denunciar os problemas estruturais da escola na Promotoria de Defesa do Consumidor, que abriu o procedimento investigatório e realizou audiências com a direção, a Superintendência Regional de Ensino (SRE) e a Secretaria de Estado de Educação (SEE). “Como associação, é nosso papel verificar violações dos direitos humanos e encaminhar para órgãos de fiscalização competentes. Fizemos a representação, houve vistorias e, depois, um comprometimento em fazer algo a respeito com urgência, mas, dois anos depois, as obras andam lentamente, sem prazo aparente para acabar, e a escola continua funcionando”, diz o presidente da ADDHC, Geraldo Henrique Alves. À época, o Estado reconheceu as más condições da escola e prometeu tomar providências a respeito.

Em 2017, após nova denúncia da ADDHC, o Ministério Público, por meio da Promotoria de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente de Juiz de Fora ajuizou ação civil pública (ACP) com pedido de tutela de urgência contra o Estado de Minas Gerais para obrigar o Estado a reformar a instituição, situada no Bairro Benfica, na Zona Norte, e a reparar dano moral coletivo praticado, através do pagamento de R$ 10 milhões, a serem revertidos ao Fundo Estadual dos Direitos da Criança e Adolescente. “O réu (Estado de Minas Gerais) noticiou ter instaurado e concluído processo licitatório e disponibilizado o necessário recurso para a contratação de empresa encarregada de construir, somente, um bloco de sala de aula, biblioteca, refeitório e cozinha, sendo certo que, de forma efetiva, as obras apenas começaram a ser executadas em julho deste ano”, detalha a ação.

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A ação pede que o Estado conclua, em até seis meses, as obras já licitadas e em execução na escola e que, em até dois anos, adote as providências necessárias para licitar, executar e concluir o bloco administrativo da instituição, sob pena de pagamento de multa. O julgamento do mérito, requer, ainda, que sejam tomadas providências para oferecer um ensino em local seguro e confortável, devendo conter auto de vistoria dos Bombeiros, sistema de segurança contra incêndio e pânico, e estar de acordo com todas as demais exigências da legislação em vigor, também sob pena de pagamento de multa.

Segundo SEE, trabalhos estão 35% concluídos

De acordo com nota da Secretaria de Estado de Educação (SEE), a construção do novo prédio para a Escola Estadual Ana Salles está em andamento, com cerca de 35% de execução da primeira etapa, que prevê construção de bloco escolar, salas de aula, cozinha e refeitório. A previsão de custo total da obra é de cerca de R$ 1,2 milhão. Para essa primeira etapa, foram liberados R$ 593 mil, e os trabalhos foram iniciados em fevereiro de 2016, quando foram então detectados, por meio de sondagem do terreno, problemas nas condições do solo. Segundo a SEE, em função disso, foi necessário refazer os projetos iniciais para garantir condições de segurança, o que acarretou atraso no andamento da mesma. No primeiro semestre deste ano, as atividades foram reiniciadas no local da obra, e a equipe de rede física da Superintendência Regional de Ensino de Juiz de Fora (SRE) está acompanhando de forma a garantir a celeridade da obra. A previsão de conclusão dessa fase é no início de 2018.

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Segundo o titular da Diretoria Financeira da SRE, Marcelino Rocha, a realização do serviço é uma das prioridades da atual gestão. “Temos consciência de que o problema se arrasta há mais de 50 anos e que a situação é ruim para o desenvolvimento escolar. Mas não temos informação sobre o que foi ou não feito em gestões anteriores. Desde 2015, quando a gestão atual assumiu, estamos trabalhando para a realização da reforma, e hoje a obra é feita em um bloco, e as atividades letivas funcionam em outro, sem atrapalhar o funcionamento da escola.”

Ainda por meio de nota, a SEE informou que já liberou um outro termo de compromisso, no valor de R$ 300 mil, para o qual já está sendo elaborada uma nova planilha de serviços, de forma a garantir o avanço dos trabalhos, com expectativa de conclusão total do prédio até o final de 2018. A secretaria também destacou que a SRE esteve em contato, em várias ocasiões, com o Ministério Público, prestando informações e esclarecendo todo o processo de planejamento e construção da obra.

A Tribuna procurou a SEE para saber sobre os possíveis desdobramentos de uma audiência com o Ministério Público que seria realizada no dia 27 de novembro para tratar do assunto, mas não obteve resposta. Sobre entrar nas dependências da instituição para mostrar as condições do local, o jornal também tentou novos contatos, tanto com a SEE quanto com a SRE, nas últimas quinta e sexta-feira (por e-mail e telefone), mas também não foi atendido.

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Atualização (14/12/17):

No último contato, via e-mail, com a Secretaria do Estado de Educação (SEE), a reportagem solicitou autorização para fotografar o interior do colégio. Entretanto, o pedido foi enviado com a data limite para o registro fotográfico equivocada: “sexta-feira, dia 15”, quando deveria ser “sexta-feira, dia 8”. Com isso, a SEE trabalhou com um intervalo maior para atender à demanda feita pelo jornal, e ressaltou, em resposta dada à redação por telefone no dia 14/12, que a autorização para as fotos estaria garantida caso a publicação realmente fosse veiculada no dia 16, como constava no correio eletrônico.

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