A falta de médicos onco-hematologistas em Juiz de Fora para pacientes na rede SUS tem levado desespero a famílias. No último domingo (6), uma mulher de 51 anos faleceu possivelmente por falta de atendimento especializado. O marido dela chegou a conseguir mandado judicial, mas o caso já havia se estendido por 11 dias, ela precisou ser entubada e as condições de transferência para o município de Muriaé ficaram comprometidas. A ouvidoria municipal de Saúde confirmou a ausência de especialistas nos três hospitais habilitados para oferecer o serviço na cidade: Ascomcer, Hospital 9 de Julho/Instituto Oncológico e Fundação Instituto Clínico (IBG) – antigo Hospital João Felício.
Segundo a ouvidora, Samantha Borchear, pelo menos quatro pacientes estariam atualmente internados em setores de urgência na cidade aguardando pelo atendimento de onco-hematos. “Os hospitais oncológicos deveriam ter esse quadro de profissionais. Fiz contato com todos eles, e me alegaram dificuldade de manutenção desse profissional para fazer assistência.” Conforme ela, a solução mais imediata tem sido a transferência para Muriaé, porque no momento é o município da região que tem o profissional no seu quadro de atendimento SUS. “Acionei todas as autoridades com relação a isso. O secretário de Saúde (Ivan Chebli) inclusive tomou medidas administrativas com relação aos hospitais. Tem sido mesmo uma correria, uma luta, para conseguir fazer a transferência desses pacientes”, relata Samantha.
O ideal, entretanto, segundo a ouvidora, seria a contratação imediata por parte dos hospitais habilitados. “Tem sido difícil. Estamos realmente em uma situação muito lamentável.” A Tribuna conversou sob sigilo com hematologistas que atuam em Juiz de Fora para entender a carência de especialistas interessados em atuar pelo SUS. Entre os motivos citados estão a precariedade da rede e a baixa valorização profissional.
‘Sentimento de descaso do Poder Público’
Muito abalado com a perda da mulher no último domingo, o motorista de caminhão Carlos José Amorim dos Reis, 48, contou como foi surpreendido pela falta de assistência pública adequada. “Minha esposa deu entrada na UPA de São Pedro no dia 26 de outubro, passando muito mal e com febre. Ficou internada para exames, e os de sangue vieram muito alterados, com muita infecção. Segundo o dignóstico, havia mais de 90% de chance de ser leucemia.”
O caminhoneiro, morador do Parque das Águas, Zona Norte, optou por preservar a identidade da mulher, mas detalhou como foi a corrida contra o tempo. “A própria médica me aconselhou a entrar na Justiça para conseguir transferência para Muriaé, porque não tinha esse especialista (onco-hematologista) em Juiz de Fora. Entramos, por meio da Defensoria Pública e de um advogado que a empresa onde trablho disponibilizou, mas esbarramos em um monte de burocracia. Conseguimos o mandado no dia 5, mas não houve tempo para a transferência. Devido à demora, ela começou a passar muito mal e foi decaindo. Para fazer o transporte, precisava de UTI móvel, não podia ser mais enfermaria comum, e não conseguimos. Ela feleceu às 14h40”, lamentou.
Ainda sem chão com a reviravolta na vida, Carlos demonstrou indignação com a morte precoce da esposa. “É um sentimento de descaso do Poder Público com a vida humana. Tentamos fazer de tudo, estivemos na Câmara, na ouvidoria, várias pessoas tentaram nos ajudar, mas nada foi feito para agilizar.” A mulher deixou um filho de 8 anos, do casal, e outros três adultos, entre eles duas mulheres, com idades entre 23 e 28 anos. “Ela estava ciente de tudo o que esta se passando. É um absurdo, porque Juiz de Fora não é cidade de porte pequeno.”
‘Estamos buscando a via do atendimento na rede privada’
A ouvidora municipal de Saúde, Samantha Borchear, acompanhou a situação da paciente que faleceu nesta semana. Ela esclarece que a ouvidoria é um órgão de mediação entre as demandas do cidadão e o Poder Público. “Temos limite de atuação, que nesse caso é o acionamento das autoridades competentes. Acionamos todas as pessoas que têm o poder de solucionar essa questão: os representantes dos hospitais oncológicos e o secretário de Saúde. Todos estão empenhados em tentar resolver. Mas não tem sido uma situação simples, pela dificuldade desses prestadores conseguirem esses profissionais. Estamos insistindo, vamos continuar cobrando e tentando alternativas, porque esses pacientes não podem ficar prejudicados por conta disso. Inclusive para aqueles que estão judicializando, estamos buscando a via do atendimento na rede privada também, pedindo às pessoas competentes essa alternativa.”
De acordo com a ouvidora, além do Município, o Estado também deve agir, porque habilita esses serviços oncológicos. “Os pacientes que vêm para Juiz de Fora não são só da cidade, são da região, então o Estado também é um ente importante nessa discussão, que pode nos ajudar e muito.” Como mediadora, Samantha diz se sentir angustiada. “Sofro com as famílias em ver essa situação. É uma doença cruel, que precisa de intervenção rápida. Acompanho e visualizo a dificuldade real da questão da contratação dos profissionais adequados, específicos dessa área de onco-hemato. Reconheço que há uma dificuldade, mas o paciente não pode ser prejudicado, ele já está debilitado e precisa do atendimento.”
PJF notificou unidades conveniadas
Em nota, a Secretaria de Saúde da Prefeitura de Juiz de Fora (PJF) informou que está ciente da situação e que já notificou as unidades conveniadas a darem esclarecimento sobre a falta de profissionais. “Em paralelo, visando à manutenção dos atendimentos, foi feita uma solicitação de remanejamento de urgência para que os pacientes possam receber atendimento no Centro de Assistência de Alta Complexidade em Oncologia (Cacon) habilitado em Muriaé.”
A PJF acrescentou ter solicitado à Secretaria de Estado de Saúde (SES-MG) que estude a possibilidade de credenciamento do Hospital Universitário da Univerisidade Federal de Juiz de Fora (HU/UFJF) como uma Unidade de Oncologia de Alta Complexidade para ampliação do atendimento na onco-hematologia. A SES/MG informou que está em contato com a Superintendência Regional de Saúde de Juiz de Fora para informações e orientações de providências a serem tomadas. “A princípio, a medida administrativa adotada para minimizar o impacto para os pacientes será o remanejamento para outro hospital da região que presta atendimento da especialidade de hematologia oncológica.”
A SES reforçou que está dando apoio e acompanhando as tratativas para esse remanejamento. “Além disso, também busca informações, junto ao município de Juiz de Fora, para compreender melhor a situação e dar as orientações necessárias.” Segundo a pasta, compete aos municípios a responsabilidade de gerenciar suas unidades hospitalares e disponibilizar o acesso ao tratamento adequado, visto que as secretarias municipais de Saúde regulam a fila de espera para procedimentos, consultas, exames e tratamentos conforme prioridade clínica. “Em nível hospitalar, a contratação de profissionais ocorre por meio da gestão dos próprios prestadores vinculados ao SUS.”