A realização de cirurgias bariátricas, popularmente conhecidas como cirurgias de redução de estômago, foi suspensa pelo Hospital Maternidade Therezinha de Jesus (HMTJ). A instituição era a única credenciada para realizar o procedimento pelo Sistema Único de Saúde (SUS) em Juiz de Fora. A medida foi tomada porque, segundo o hospital, a verba repassada pelo Governo federal para cobrir o custo por cada paciente, cerca de R$ 6.500, não era suficiente para arcar com os gastos totais da cirurgia, incluindo pré e pós operatório e o procedimento em si.
Por contrato, o hospital deveria operar oito pacientes por mês, recebendo, desta forma, R$ 52 mil do Governo federal. No entanto, de acordo com a entidade, o custo total para atender este número de pacientes seria de cerca de R$ 80 mil. O HMTJ explicou à Tribuna que a instituição já estava endividada por conta do atraso nos repasses por parte do Estado de Minas Gerais, cujo valor acumulado seria em torno de R$ 22 milhões, e do Município, chegando a R$ 9 milhões, e optou por suspender as marcações a partir de setembro para que a dívida do hospital não se tornasse mais alta. A instituição ainda esclareceu que os repasses citados não eram destinados às cirurgias bariátricas, mas influenciavam nas contas da instituição.
Ainda conforme o hospital, cerca de 200 pacientes estavam na fila, em processo pré-cirúrgico, quando da tomada da decisão. No entanto, os últimos nove procedimentos, que estavam marcados para o mês de agosto, foram realizados. O HMTJ esclareceu ainda que não suspendeu atendimento aos pacientes que estão em pós-operatório. O diretor administrativo do hospital, Jorge Montessi, informou que o atendimento multiprofissional, que envolve psicólogos, nutricionistas, endocrinologistas, entres outros, continuará pelos próximos 60 dias. Entretanto, novas cirurgias estão suspensas. Pacientes recém-operados, que teriam direito a receber o atendimento multiprofissional por dois anos, receberam um comunicado do hospital de que seriam mais atendidos após passados 60 dias do procedimento.
Respostas
Por meio de nota, a Prefeitura de Juiz de Fora informou que a dívida da PJF com o HMTJ é de R$ 2,3 milhões. “Outros R$ 4 milhões estão sub judice e, portanto, a PJF não reconhece como dívida. R$ 5,3 milhões são dívida do Estado, ou seja, recursos que o Estado deveria passar ao município para ser repassado à instituição, mas como outros tantos milhões, estão em atraso por parte do Estado de Minas”.
O Estado, por sua vez, esclareceu que não participa diretamente do pagamento deste tipo de procedimento, apenas fornece sua contribuição, por meio do Pro-Hosp Incentivo, que tem como objetivo melhorar o desempenho, o acesso e a resolutividade da assistência hospitalar à saúde. “O contrato com o prestador HMTJ para cirurgia bariátrica é realizado pelo município de Juiz de Fora, que detém a gestão de seus prestadores de serviços. Porém, informamos também que, oficialmente, o HMTJ não notificou ao Estado a interrupção do serviço”.
Ainda em nota, sobre os pagamentos pendentes, o Estado afirmou que enfrenta um “crescente déficit financeiro decorrente do aumento de despesas pela insuficiência de receita, refletindo em todos os seus órgãos, bem como na Secretaria de Estado de Saúde (SES-MG). Dessa forma, o Governo de Minas Gerais decretou situação de calamidade financeira no âmbito do Estado, de acordo com o Decreto nº 47.101, de 5 de dezembro de 2016. Diante disso, a SES-MG está se esforçando para honrar os compromissos pactuados, manter suas ações e dar os melhores encaminhamentos possíveis, ante o contexto supracitado”.
Já o Ministério da Saúde esclareceu, também por nota, que a cirurgia bariátrica é paga com os recursos do Fundo de Ações Estratégicas e Compensação (Faec), repassados mediante produção realizada. Para o custeio desses procedimentos, em 2017, foram repassados mais de R$ 579,44 mil para o Fundo Municipal de Saúde de Juiz de Fora (MG). Em 2018, esses repasses foram de R$ 257,49 mil. Ainda segundo o Ministério, de janeiro a junho, o HMTJ realizou 38 procedimentos. O órgão enfatizou que não repassa recurso diretamente aos hospitais, e sim para estados e municípios, para que os mesmos redirecionem a verba.
Demandas não serão absorvidas
A decisão de não aceitar novos pacientes para a realização de cirurgias bariátricas foi tomada em um momento em que o Hospital Universitário da UFJF (HU/UFJF) absorveu demandas que, anteriormente, eram do HMTJ. O HU passou a atender mais pacientes oriundos SUS em serviços de cirurgias, internação, consultas e exames. A medida faz parte do novo aditivo de contrato firmado com a Prefeitura de Juiz de Fora (PJF). No entanto, por meio de nota, o HU informou que não realizará cirurgias bariátricas.
O contrato, com validade até 2021, foi aditivado por 12 meses após a PJF acatar recomendação do Ministério Público Federal (MPF) para que fosse dada prioridade para capacidade instalada do HU, em virtude da Lei 8080/1990. A legislação prevê que o Poder Público priorize a rede pública nas contratualizações para rede. Em tese, o hospital passa a ofertar diversos serviços que eram oferecidos anteriormente no HMTJ.
Com a transferência destes serviços, no entanto, o HMTJ deixou de receber o que chama de “verba da ortopedia”, usada, segundo Jorge Montessi, para “melhorar toda a estrutura do hospital. A ortopedia, que atende doentes com fraturas, de alta morbidade, precisa de recurso. Agora tivemos que adequar a instituição ao que ela pode fazer com dignidade”. Com essa verba, segundo o diretor administrativo, o HMTJ conseguia manter as cirurgias bariátricas e demais procedimentos envolvidos, o que deixou de ocorrer.
Falta de notificação
Assim como a Secretaria de Estado de Saúde, a Secretaria de Saúde da PJF informou à Tribuna que não recebeu notificação, por parte do HMTJ, da suspensão dos atendimentos. “Até este momento, a secretaria não foi notificada pelo HMTJ sobre a suspensão do serviço, o que deveria ter sido feito assim que tomaram a decisão. Após ficar sabendo do problema por matéria da imprensa no último mês, a secretaria solicitou informações ao HMTJ, para tomar as providências cabíveis, mas ainda não obteve retorno”.
O Conselho Municipal de Saúde também questiona a falta de notificação. Segundo o secretário executivo do órgão, Jorge Ramos, o Conselho solicitou um pedido de informação ao HMTJ, já que não obteve nenhum contato por parte do hospital. “O SUS não pode ficar refém dos prestadores de serviço”, disse à Tribuna.
Em resposta aos questionamentos, Jorge Montessi, diretor administrativo do HMTJ, justificou. “Não notificamos porque não paramos de atender. Nós não vamos aceitar mais pacientes novos, mas os pacientes que já estão em pós-operatório imediato, vamos continuar atendendo, independente do custo. Quando formos interromper o serviço, vamos notificar o Conselho e a Prefeitura”.
Prejuízo para a população
A dona de casa Tatiana Rodrigues Martins, 36 anos, recebeu a notícia de que as marcações estavam suspensas quando compareceu, no dia 27 de agosto, à consulta com o cirurgião, que, na ocasião, agendaria o procedimento. Ela conta que o médico não a atendeu. Tatiana deu início aos procedimentos para realizar a cirurgia havia cerca de nove meses, e o impedimento foi um choque. “Eu fui com toda a papelada xerocada, com tudo pronto para marcar a minha cirurgia, e me deram a notícia de que estava suspenso. Chorei demais da conta. Tem dias em que fico muito deprimida, porque não tem previsão de voltar. Está bem difícil”.
Tatiana diz que buscou o programa por já apresentar alguns problemas de saúde. “Por conta da pressão alta, o mal-estar de estar com o sobrepeso, a pré-diabetes e a tendência da família”. A cirurgia significaria uma nova vida para a dona de casa, que esperava diversos benefícios com a realização do procedimento. “Poder brincar com a minha filha, acompanhar ela, poder comprar uma roupa normal, porque a gente não acha roupa para comprar, e a qualidade de vida, que é o principal”.
“Para quem tem obesidade não é fácil emagrecer 12, 14, 16 quilos. Da noite para o dia você não vai emagrecer, é muito difícil. E eu consegui, e agora, como faço para manter? Porque se o programa voltar e eu tiver engordado, eles não vão me operar. Eu ligo para o hospital sempre, e a informação que tenho é que não tem previsão de voltar”, diz Tatiana
Para estar apta à cirurgia, Tatiana emagreceu 16 quilos, mas teme que seu esforço tenha sido em vão. “Para quem tem obesidade não é fácil emagrecer 12, 14, 16 quilos. Da noite para o dia você não vai emagrecer, é muito difícil. E eu consegui, e agora, como faço para manter? Porque se o serviço voltar e eu tiver engordado, eles não vão me operar. Eu ligo para o hospital sempre, e a informação que tenho é que não tem previsão de voltar. Fiz uma reclamação na ouvidoria”.
A doméstica Ieda Maria de Andrade, 46 anos, que foi operada em julho, deu entrada no serviço também há cerca de nove meses. Ela tinha uma consulta com a nutricionista marcada, mas que não sabia se poderia ser atendida, pois já tinha completado dois meses após a operação. “Eles repassaram para a gente em uma reunião que iam dar atendimento até dois meses depois da cirurgia. Teve paciente que tinha consulta marcada com o endocrinologista e não recebeu o atendimento.” Diante da possibilidade de não ser atendida, Ieda tem dúvidas de como se alimentar corretamente. “O que eu vou fazer? Como vou saber com o que posso me alimentar? A nutricionista explica tudo o que eu posso comer, como fazer… Vai ser um prejuízo muito grande”.
A paciente, que atualmente está desempregada, explica que, apesar de ter plano de saúde, o mesmo daria cobertura apenas para a endocrinologista. “O plano não cobre nutricionista, não cobre psicólogo, vou ter que pagar. E como eu vou pagar se eu não estou trabalhando?”. Apesar das dificuldades atuais, ela conta que, desde o início do processo, perdeu 28 quilos, e que a cirurgia melhorou sua qualidade de vida. “Para mim, que tenho artrite reumatóide, quase não saía da cama, porque era uma dificuldade muito grande, porque eu pesava 142 quilos, e esses 28 que eu eliminei já me fazem levar outra vida. É muito bom, o programa não pode parar”.
Benefícios
O cirurgião do aparelho digestivo Victor Cangussu, que atuava no serviço de cirurgias bariátricas no HMTJ, pontua os benefícios que a cirurgia pode trazer para quem, de fato, precisa dela. “Os pacientes do programa de cirurgia bariátrica têm obesidade em graus avançados, grau dois ou obesidade mórbida, e, na maioria dos casos, eles também são portadores de doenças associadas, como hipertensão arterial e diabetes mellitus. A cirurgia tem o potencial de controlar e até erradicar essas doenças, o que reduz o uso diário de medicamento, impede a ocorrência de complicações danosas à saúde.”
Além da melhoria da saúde física, o procedimento e a perda de peso consequentes dele contribuem para melhorar a saúde mental dos pacientes. “A perda de peso após a cirurgia devolve autoestima e qualidade de vida que esse paciente deixou de ter, que são comumente prejudicadas pela obesidade.” O especialista lamenta a suspensão do serviço. “Infelizmente é um prejuízo enorme à população. A obesidade é uma das doenças mais prevalentes no nosso meio hoje, e no momento, a população de Juiz de Fora e região encontra-se desassistida”, conclui Victor.
A Ouvidoria Municipal de Saúde informou que, até setembro, recebeu 13 reclamações por parte de pacientes. “Estamos cientes da suspensão do ambulatório de cirurgia bariátrica por parte do HMTJ, e já estamos tomando providências junto às secretarias municipal e estadual e junto ao Hospital Maternidade Terezinha de Jesus, para a retomada do serviço. Não houve ainda comunicado oficial sobre tal suspensão, por isso, a Secretária de Saúde já fez notificação ao hospital pedindo informações”, conclui a Ouvidoria, em nota.