Foi tornada sem efeito a nomeação do servidor do INSS, Lucas Soares Fontes, lotado em Juiz de Fora, conforme publicação no Diário Oficial da União desta segunda-feira (10). O rapaz, de 24 anos, que atuava como técnico do seguro social no posto da INSS do Terminal Rodoviário Miguel Mansur, é suspeito de ter fraudado o sistema de cotas de concurso público realizado em 2016. Conforme as acusações que pesam contra ele, o jovem teria tingido a pele e usado lentes de contato para poder concorrer as vagas destinadas a candidatos declarados negros. Depois de aprovado, Lucas assumiu o posto, em 2017, mas foi afastado do cargo, no qual ganhava R$ 6 mil, no último dia 24.
A fraude que teria sido cometida por Lucas foi tema de reportagem exibida pelo programa Fantástico, da TV Globo, neste domingo (24). Conforme a matéria, o jovem, que tem pele branca e olhos claros, teria tingido a pele e usado lentes escuras também quando foi prestar depoimento sobre o caso à Polícia Federal. Em entrevista ao programa, o rapaz negou as acusações e declarou ser conhecido como “moreno”. Ele ainda afirmou que a foto utilizada para participar do concurso havia sido feita depois do verão, o que teria motivado o tom mais escuro de sua pele.
Ainda segundo a reportagem, de acordo com o edital do concurso, os candidatos deveriam enviar foto para comprovar o fenótipo (características observáveis de um indivíduo) de uma pessoa negra ou parda. A banca organizadora da seleção, o Cebraspe, reconheceu que ele tinha o aspecto físico de negro. Após sua aprovação na seleção, Lucas assumiu o posto em abril de 2017. Um ano e meio depois, uma denúncia anônima o acusou de fraude, resultando na investigação. A portaria que trata do afastamento do servidor foi assinada pelo presidente do INSS, Renato Rodrigues Vieira.
As investigações apontaram que Lucas tinha cursado a Faculdade de Direito da UFJF como cotista negro, época em que bastava ao candidato se declarar como negro. Em nota oficial, a UFJF informou que Lucas ingressou na instituição no 1º semestre do ano de 2013, pelo processo seletivo de ingresso misto, pelo grupo A – destinado a candidatos com renda igual ou inferior a um salário mínimo e meio per capita familiar mensal, que tivessem cursado o ensino médio integralmente em escola pública e que se declarassem pretos, pardos ou indígenas. Lucas concluiu seu curso em 2017. Segundo a nota, à época, a instituição valia-se apenas das autodeclarações. “Quando o candidato aderia ao programa da UFJF (Pism), ele assinava um termo em que se autodeclarava pardo no ato da matrícula. Esse documento se tornava legal, e a instituição o tomava como verdade.”
Desde quando essa reitoria assumiu a gestão da UFJF, foram iniciadas discussões para o estabelecimento de parâmetros para a avaliação dessa autodeclaração. Criou-se uma ouvidoria especializada e, a partir de 2018, recebeu 156 denúncias de fraudes nos processos seletivos de ingresso nos cursos de graduação, para as quais instaurou comissões de sindicância para apuração dos fatos. Destes, 67 processos foram julgados improcedentes e 12 foram encaminhados para processos administrativos, e os demais permanecem em análise. A partir dos processos seletivos para o ingresso nos cursos de graduação no ano de 2019, assim como outras universidades, a UFJF instituiu a comissão de heteroidentificação que atua no momento da matrícula dos candidatos para evitar situação como essa.
Caso isolado
Presidente da Comissão de Promoção de Igualdade Racial da OAB Juiz de Fora, Alexander Jorge Pires, entende o caso envolvendo o INSS de forma isolada. “No viés coletivo, isso não atrapalha a questão de políticas afirmativas, principalmente no tocante às cotas. O Brasil é reconhecido mundialmente como um país no qual existem problemas na igualdade de oportunidades, e o sistema de cotas vem para poder diminuir essas diferenças, fazendo um resgate histórico. Temos princípios estabelecidos pelo Estatuto da Igualdade Racial que norteiam essa questão, sendo o primeiro deles o princípio da igualdade de oportunidades, da onde vem o sistema de cotas, e o principio de dignidade de pessoa humana, que faz com que o indivíduo se autorreconheça e se declare como negro, tendo essa afirmação respeitada”, avalia.
Ele ainda destaca que, nos concursos para cargos públicos, os editais apresentam as regras do certame, que devem ser cumpridas para que a pessoa tenha o acesso por meio das cotas. “Todavia, existem esses atos unilaterais, e, enquanto OAB, temos o entendimento de que esses princípios sagrados defendidos na Constituição como igualdade de oportunidade e dignidade de pessoa humana devem ser respeitados e, inclusive, mais explorados a fim de diminuir as diferenças existentes no Brasil.”