A adesão a planos de saúde, considerada por muitos a saída para evitar os problemas do Sistema Único de Saúde (SUS), nem sempre tem sido garantia de atendimento rápido. Mesmo que a assistência oferecida seja de qualidade, os usuários dos convênios da saúde suplementar têm encontrado dificuldade diante da falta de leitos de internação em hospitais privados, o que cria filas de espera e causa descontentamento. Em alguns casos, o paciente acaba aguardando dias para ser transferido para o quarto, mesmo que não esteja mais em uma situação de urgência, por outro lado, há beneficiário que precisa esperar leito para dar entrada em casos onde será submetido a procedimentos eletivos. A situação se agrava nesta época por conta das doenças respiratórias. Além disso, Juiz de Fora tem uma média de população idosa acima da nacional e é município referência para outras cidades da região e do Estado do Rio de Janeiro.
De acordo com dados do Data Sus, sistema que reúne informações sobre a saúde no país, Juiz de Fora é a segunda cidade mineira com o maior número de leitos, perdendo apenas para a capital Belo Horizonte. No total, o município tinha 2.471 leitos de internação em abril. Destes, 1.018 eram não-SUS, o que significa que estão reservados para atendimentos particulares. No entanto, a alta demanda por internações, causada por diversos fatores, está dificultando os atendimentos. A situação se agrava nesta época do ano, quando crescem as internações, principalmente devido às doenças respiratórias. Classificada como uma demanda sazonal, a procura é maior nos meses de maio, junho e julho, de acordo com a assessoria de comunicação do Hospital Monte Sinai. Para o setor de internação do Hospital São Vicente de Paulo (antigo HTO), o número de internações cresce porque há muitos idosos na cidade, havendo registros frequentes de casos de pneumonia e infecção respiratória.
O diretor de relacionamento e mercado da Unimed Juiz de Fora, Glauco Araújo, diz reconhecer o problema: “De fato, a lotação dos leitos acontece, mas não é permanente. É comum esse aumento expressivo da demanda no frio, principalmente por parte dos idosos, mas a expansão dos hospitais não acompanha o crescimento do número de clientes abrigados na saúde suplementar. Em Juiz de Fora, ao contrário do cenário nacional, o número de clientes da Unimed aumentou 5% nesse ano, enquanto a saúde suplementar perdeu dois milhões de clientes em um ano meio no país. Em função disso, são necessárias mudanças no planejamento estratégico das empresas.”
Prejuízo na assistência
Uma funcionária pública que não quis se identificar teve problemas para internar a irmã em um hospital particular. A paciente, que é tratada por um médico em casa, foi encaminhada para o hospital para retirar uma escara nas costas. Ao chegar à instituição, no entanto, foi informada que não havia vagas no centro cirúrgico e no setor de internação. “Era necessário fazer um desbridamento para retirar o tecido, mas me orientaram a tratar em casa. Seguimos a orientação, mas, em cerca de uma semana, o problema piorou. Ela teve febre, e o médico disse que era essencial que ela fosse internada.”
Assim, a família encaminhou a paciente para outro hospital privado, onde também não havia vagas no centro cirúrgico. “Ela foi internada, e o procedimento foi feito no próprio quarto. Ela recebeu antibiótico na veia e foi tratada”, relata a funcionária pública. Para ela, no entanto, o tratamento poderia ter sido mais simples. “A sorte é que temos um médico que atende minha irmã em casa. O tratamento poderia ter sido resolvido sem tanto sofrimento se ela tivesse sido levada para o centro cirúrgico de primeira.”
Atendimento a outros municípios
A grande procura por atendimento por parte de pessoas que moram em municípios próximos de Juiz de Fora também é uma realidade diária. Sem alternativa de assistência no seu município, uma empresária de Três Rios (RJ), que preferiu não ser identificada, afirma que precisou procurar um hospital de Juiz de Fora para internação do sogro. De acordo com ela, o familiar não pôde ser atendido na cidade fluminense, que fica a 70 quilômetros de Juiz de Fora, porque não havia um profissional especializado para o seu problema. Mesmo tendo dois planos de saúde, teve que ser atendido em Juiz de Fora.
“No Estado do Rio de Janeiro, a situação da saúde está caótica, e, em Três Rios, não tinha condições de ele ser atendido, pois precisava de um cirurgião torácico. Inicialmente, ele foi atendido em Petrópolis (RJ), mas pegou uma bactéria que só foi diagnosticada em Juiz de Fora. Chegamos a aguardar de um sábado até a quarta-feira para liberar um quarto para ele, pois o hospital estava lotado e não havia quartos disponíveis. O que me disseram é que está havendo dificuldades para transferir os pacientes, porque tem gente praticamente morando no hospital”, relata a empresária.
Para o servidor público especialista em gestão pública e saúde coletiva, Ivan Chebli, entre os principais motivos para a falta de leitos nos hospitais estão o envelhecimento da população e a grande demanda da região. “O envelhecimento da população traz uma nova carga de doenças crônicas e serviços de natureza curativa. Ademais, Juiz de Fora é um polo que congrega 93 municípios, sendo referência assistencial para as regiões centro-sul fluminense e centro-sul mineira. Além disso, a cidade tem estudantes de todo o país, que, vendo a qualidade da assistência, estimulam seus familiares a serem atendidos aqui. Não sem razão, a falta de leitos nos hospitais é substancial, inclusive na rede privada, já que 30% da população têm planos de saúde.”
Especialista diz que solução vai além da abertura de hospitais
Como estratégia para suprir a demanda crescente, a rede privada tem buscado expansão em Juiz de Fora. Atualmente, o Hospital Monte Sinai tem 272 leitos, além de 50 em fases de obras, que devem ser disponibilizados para operação até o final do ano. Concomitantemente, a Unimed anunciou a inauguração de um hospital próprio para janeiro, cuja capacidade inicial é de 190 leitos.
Para o especialista em gestão pública e saúde coletiva, Ivan Chebli, a solução vai além da inauguração de novos hospitais. “Precisamos de uma assistência à saúde mais eficiente, que promova a saúde. Assim, é possível reduzir os casos de internação, sequelas, danos e óbitos, e seria possível reduzir os custos na atenção à saúde. Os planos de saúde deveriam abrir os olhos para essa realidade, porque, com o envelhecimento da população, novas e mais caras demandas assistenciais surgirão. Por isso, se faz necessária a mudança do modelo atual, permeando a orientação do usuário, com modelos de base preventiva.”
Além da mudança do modelo adotado pelos convênios, o especialista aponta a necessidade de evitar o agravamento do sucateamento dos hospitais filantrópicos e do SUS. “Atualmente vemos a redução da capacidade de oferta e resposta dos hospitais do entorno do município, em decorrência do sucateamento das redes pública e filantrópica, com o consequente fechamento de hospitais. Muitas instituições de cidades da região faziam obstetrícia e atendimento pediátrico, mas, atualmente, para onde vem esse público? As cirurgias eletivas também deixaram de ser feitas, e as pessoas passaram a ser encaminhadas para Juiz de Fora.”
Para Chebli, a desconcentração desses serviços é essencial para que o serviço de assistência seja de qualidade. “Temos que nos preocupar com a desconcentração dos serviços, o que é uma necessidade do SUS e da rede privada.”