A maternidade pressupõe uma conexão que pode se manifestar de inúmeras formas. Pode ser simbolizada pela ligação literal do cordão umbilical, pelo nascimento de uma mãe ao longo do processo de adoção ou pelo sentimento que se forma em inúmeras relações que vão se fortalecendo pela vida. Essa conexão pode vir por meio da figura de uma avó, de uma tia ou de qualquer outra mulher que se torne uma referência de amor maternal para outra pessoa.
No meio de todas essas formas de maternidade, há algumas que não são tão visíveis, mas carregam sentimentos e ligações potentes, sobre as quais pouco se fala. Mães que tiveram perdas gestacionais e neonatais, muitas vezes, se vêem em um local de solidão e silêncio. Muito embora possam contar com o apoio de suas famílias e amigos, nem sempre se sentem confortáveis para dividirem sua dor e suas experiências com quem está fora desses círculos. Pensando nisso, neste sábado (11), véspera do Dia das Mães, o Grupo Luz e a Prefeitura de Juiz de Fora (PJF) se unem para acolher mulheres que experienciam estes sentimentos.
Os preconceitos, repreensões e julgamentos recaem sobre as mulheres que perderam seus filhos tanto quanto recaem sobre as outras mães. Foi ao se ver nessa situação que a engenheira florestal e consultora ambiental Thaís Vasconcelos buscou meios de transformá-la. Ela sofreu uma perda gestacional tardia, com 35 semanas de gravidez.
“Fiz a indução do parto, mas o meu bebê já estava sem vida. Naquele momento, ainda no hospital, eu senti a necessidade de falar com pessoas que estavam passando pela mesma situação. Dividir os meus sentimentos e saber como caminhar após a perda.” Ela procurou grupos que pudessem dar algum suporte nesse sentido, mas não os encontrou em Juiz de Fora. Foi depois de conhecer a doula e consultora de amamentação Aline Bandeira e a psicóloga perinatal Bianca Fortes que ela decidiu criar o Grupo Luz de Apoio à Perda Gestacional e Neonatal e criar esse espaço para troca de experiências e suporte.
Ela conta que apesar de ser uma dor individual, os sentimentos que vêm junto com a perda e com o luto são muito parecidos. “Ter contato com outras mães que passaram pela mesma situação é importante. Você entende que não está sozinha, que é comum ter alguns sentimentos e permite que a gente se reconheça e seja acolhida. A sociedade não fala muito sobre o luto, especialmente, sobre o luto materno. Então, eu precisava ter um lugar em que eu pudesse falar abertamente sobre os meus sentimentos e sobre o meu filho, além de poder abraçar pessoas com histórias parecidas.”
Thaís explica que desde o começo das atividades do grupo até agora já é possível perceber alguns efeitos entre as mães participantes. “Depois que começamos a colocar nossos pensamentos para fora, parece que fica mais fácil seguir, porque, na verdade, a dor não acaba, nós aprendemos a conviver com ela. O grupo é uma forma de cura, uma experiência, me deu a sensação de que toda a minha gravidez, a minha história e a do meu filho Thomas não foram em vão. Ele veio para semear bons frutos, e o que ele tem gerado é maravilhoso. Eles (os filhos) sempre trazem alguma coisa muito importante, mesmo que a gente não veja logo de início.”
Espaço seguro para compartilhar
Mesmo tendo uma rede de apoio composta por familiares, o marido e a família dele, Thaís sentiu falta de poder falar abertamente sobre a experiência com mães que tivessem vivências semelhantes. “Precisava ser um espaço que pudesse dar um ponto de apoio para que elas se sentissem seguras para se abrir.” Ela também conta que a forma como a equipe médica, formada por obstetras, enfermeiros e hospital trata essas mães é determinante para elas enfrentarem o luto. No caso dela, o acompanhamento possibilitou uma despedida com amor e respeito. “Tive todas minhas opções informadas e escolhas respeitadas. Em muitas situações, isso não acontece, e mães que acabaram de perder seus bebês ficam em quartos junto com outras mães com seus recém-nascidos, o que deixa uma marca que dificilmente será superada. Então é imprescindível que os profissionais da área de saúde se envolvam com o tema do luto perinatal para saber como lidar nesses casos de perda.”
A advogada Sabrina de Campos Pereira Cipriani encontrou o Grupo Luz meses após a morte de Theo, seu filho que viveu por 39 dias, e de ter sofrido um aborto espontâneo quando engravidou novamente. “Depois que você sai do hospital com uma ficha amarela nas mãos dizendo que o seu filho está morto, seu médico, o obstetra, o pediatra, ninguém se importa mais. Por essa falta de acolhimento, eu senti necessidade de ir até o grupo.” Sabrina faz parte da primeira leva de mães que começou a participar dos encontros. “Existe dor, mas também existe muito amor em nossas histórias. No início é muito difícil, pensamos que nunca vai passar, que nunca mais vamos conseguir sorrir, mas depois, com o tempo, aprendemos a conviver. Por mais que soe clichê, o tempo nos faz ver que as nossas vidas também são importantes.”
Segundo Sabrina, a luta é diária e os encontros vão ajudando nesse trabalho de fortalecimento. “Pode parecer que a vida acabou, mas não é assim. Com o tempo, aprendemos o quanto somos fortes, aprendemos a sobreviver. A cada manhã que abrimos os olhos, saímos da cama e vamos para o trabalho é uma vitória. No grupo, quando as mães chegam, se sentem mais confortáveis, porque sabem que a gente conhece o que elas estão passando. Nos sentimos culpadas, perdidas, nos questionamos e agora sabemos que isso é normal.” Ela diz que muitas chegam tão aflitas, nervosas e inseguras, em função do julgamento que recebem fora do grupo, que às vezes sentem muita dificuldade de falar e enfrentam todo um processo, vencendo as dificuldades.
Como foi uma das primeiras a chegar, Sabrina conhece tanto o lugar de quem é acolhida quanto o lugar de quem oferece o acolhimento. “É muito gratificante, porque da mesma forma que eu recebi apoio e as pessoas estavam dispostas a ouvir a minha história, eu estou disposta a ouvir as histórias das outras pessoas e a acolher. As mães de anjos quase não são lembradas, porque muita gente acha que, por ser um bebezinho, ou quando perdemos ainda na barriga, como ainda nem conhecemos, pensam que a gente não sofre. A sociedade não dá nenhuma importância para isso. O Grupo Luz é o lugar em que todas podemos desabafar a dor porque vamos ser ouvidas. É um lugar para chorar, para desabafar, para ouvir. Foi e é fundamental para mim.”
Plantio de mudas como forma de homenagear
Toda essa dificuldade em falar sobre esse assunto e a invisibilidade vão se agravando em determinados momentos, como no Dia das Mães. Ressignificar essa data, fazendo com que ela seja lembrada de maneira carinhosa, leve e homenageando essas mães e esses filhos, foi uma necessidade sentida por Thaís, e vai virar ação neste sábado. A ideia, desenvolvida em parceria com a Secretaria de Meio Ambiente e Ordenamento Urbano (Semaur), é fazer um plantio no Parque da Lajinha, a partir das 8h30, com mudas de árvores nativas da Mata Atlântica, doadas pela Semaur. As mães nomearão as mudas de Ipês e Sibipurunas com os nomes de seus filhos. Depois do plantio, as famílias serão recebidas no Centro de Educação Ambiental (Cedam) para uma roda de conversa e acolhimento. As mães que quiserem participar devem realizar a inscrição prévia, por meio do email:grupoluzjf@gmail.com ou pelo número de WhatsApp (32) 9 8824-0161.
“Imagino que o dia do plantio vai ser uma homenagem muito bonita, muito emocionante. Esperamos que seja algo leve para cuidar do coração dessas mães, já que é um mês muito difícil. Independente da idade, queremos trazer um pouco de luz para esses dias. Espero que elas saiam com o coração um pouco mais em paz”, diz Thaís, que vai plantar uma muda com o nome de Thomas.
Sabrina também está ansiosa por esse momento, no qual vai homenagear Théo e o outro bebê, para o qual ela ainda não tinha chegado a pensar em um nome, porque não chegou a saber o sexo. “Continuamos sendo mães para sempre. Isso, ninguém tira de nós. Nossos filhos não estão mais aqui, mas eles continuam vivos dentro da gente e esse amor só cresce, é impressionante. Passamos a ter anjos que caminham conosco 24 horas por dia. Eles nos ajudam a ser fortes, a superar, e isso está muito ligado a essa conexão eterna. De fato, um amor que vai além da vida.”