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Testemunhas veladas ajudam a elucidar homicídios

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Duas fitas pretas marcam a capa do inquérito ou processo criminal para indicar a presença de testemunha velada. Nas páginas do secreto depoimento, tarjas negras também omitem nome, endereço e outros dados pessoais. Apesar de não mostrar o rosto temendo represálias, a pessoa disposta a dizer tudo o que sabe ao delegado ou juiz expõe uma coisa: coragem. E é esta determinação que tem ajudado a elevar os índices de apuração da Polícia Civil, que alcançou 82,5% no ano passado, superando a média nacional. Ainda assim, dados do site do Judiciário mostram que, até novembro de 2017, havia 863 inquéritos relacionados a crimes contra a vida que nem sequer chegaram à Justiça para serem transformados em processos, com posterior julgamento dos réus. Em outubro, 830 procedimentos aguardavam apuração na delegacia.

Na terceira reportagem da série “Vidas perdidas – um raio X dos homicídios em JF”, a Tribuna mergulha no difícil trabalho das autoridades em elucidar homicídios escamoteados pelo domínio do tráfico, que faz imperar a lei do silêncio em várias comunidades, mediante graves ameaças, inclusive a de tirar a vida do delator e de seus familiares.

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Segundo o titular da Delegacia Especializada de Homicídios, Rodrigo Rolli, entre o fim de 2016 e o início do ano passado, começaram a ser intensificados os trabalhos com testemunhas veladas, com base na Resolução conjunta 185, de 2014. A norma foi acordada entre vários órgãos, como Secretaria de Estado de Defesa Social (Seds), atual Secretaria de Estado de Segurança Pública (Sesp), Tribunal de Justiça (TJMG), Procuradoria Geral de Justiça, Defensoria Pública, além das polícias Civil e Militar.

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“Quando tivemos realmente apoio da população, de forma indireta, desta forma velada, conseguimos trazer resultados”, Rodrigo Rolli, delegado de Homicídios. (Foto: Leonardo Costa

“Efetivamente, a resolução começou a ser utilizada em Juiz de Fora com a nossa delegacia”, inicia Rolli. Segundo ele, o objetivo é conseguir melhorar a qualidade e trazer efetividade às investigações e apurações em Minas Gerais. Temos utilizado (testemunhas veladas) há cerca de um ano. Tem melhorado muito, mas a população ainda está meio temerosa com relação a isso. É necessário que consiga entender melhor o mecanismo, como é essa ferramenta. Quando tivemos realmente apoio da população, de forma indireta, desta forma velada, conseguimos trazer resultados”, avalia o delegado. Segundo ele, no próprio São Benedito, na Zona Leste, houve feedback positivo. “Recebemos retorno da sociedade, comentam como está o dia a dia. Havia tiroteios constantes, que já não existem mais.”

Para ele, ainda falta uma melhor divulgação da norma e também do número 181, do Disque-Denúncia Unificado (DDU), já que ambos garantem o anonimato. “Existem poucos 181 de homicídios”, diz Rolli, pontuando que denúncias de tráfico e de abuso sexual são mais frequentes.

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De acordo com o juiz do Tribunal do Júri e diretor do Fórum Benjamin Colucci, Paulo Tristão, apesar de ser recente, o uso de testemunhas veladas tem ajudado muito, e o número de processos com tarjas pretas é cada vez maior. “Dizem o que viram e o que sabem sem serem identificadas.” Há um sistema de proteção à testemunha do Governo estadual. “As pessoas que precisam ficam em um imóvel com segurança. Elas recebem outra identidade e assumem o compromisso de cumprir regras. Nem nós sabemos onde estão. O Governo que as localiza e faz as oitivas.” Com a experiência de quem julga os casos de homicídios e tentativas de assassinato desde meados de 2015, o magistrado é enfático: “Foi uma necessidade. As pessoas têm justificável receio.”

Coletes à prova de balas e disfarces para segurança

Inquéritos trazem tarjas pretas nos locais dos nomes e endereços das testemunhas para protegê-las. Esta medida tem colaborado para o crescimento das denúncias.

A Resolução conjunta 185 pontua “a adoção de medidas de proteção às vítimas e testemunhas, especialmente aquelas expostas a grave ameaça ou que estejam coagidas em razão de colaborarem com investigação ou processo criminal”. Ainda destaca que a “lei restringe a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem”.

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Diante dessas considerações, os órgãos resolveram que juízes, promotores e autoridades policiais estão autorizados a realizar procedimentos velados quando “vítimas, informantes ou testemunhas sofrerem coação ou grave ameaça, ou quando houver, em relação a essas pessoas, qualquer indício de risco resultante de declarações, informações ou depoimentos formalmente prestados ou que venham a prestar, em investigação ou processo criminal”. Com isso, os depoentes não têm “quaisquer de seus endereços e dados qualificativos lançados nos termos de declarações, informações ou depoimentos, nem tampouco nos autos que tramitam na Justiça e na Administração Pública, os quais são apenas rubricados” por eles.

Ainda conforme a norma, as declarações colhidas são impressas em duas vias. Na primeira, constam o endereço e os dados qualificativos, com as respectivas assinaturas, mas o documento é arquivado em pasta própria e fica sob a guarda e responsabilidade do escrivão ou servidor indicado. Já a segunda via, que passa a integrar o inquérito ou processo, é elaborada com uma série de exigências, desde o impedimento do acesso de terceiros às informações do Registro de Evento de Defesa Social (Reds) em questão, o antigo boletim de ocorrência. A cópia juntada aos autos também fica sem qualquer identificação da pessoa a ser preservada. Na capa do procedimento são afixadas as duas tarjas pretas indicativas do sigilo dos dados. O acesso às informações é garantido ao Ministério Público, ao defensor público nomeado ou defensor constituído e ao curador, mas com controle de vistas.

Os mandados de intimação, notificação e requisição das pessoas veladas também são expedidos individual e sigilosamente. Além disso, “os deslocamentos para o cumprimento de atos decorrentes da investigação ou do processo criminal, assim como para compromissos que impliquem exposição pública, são precedidos das providências necessárias à proteção, incluindo, conforme o caso, escolta policial, uso de colete à prova de balas, disfarces e outros artifícios capazes de dificultar sua identificação”.

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Polícia Civil justifica mais de 800 inquéritos parados

À frente da Delegacia Especializada de Homicídios desde 2014, o delegado Rodrigo Rolli aponta ter alcançado o índice de apuração de 82,5% em 2017 após intensos trabalhos desencadeados no combate aos homicídios e tentativas de assassinatos, inclusive com o uso das testemunhas veladas, consideradas extremamente importantes, principalmente nos procedimentos permeados pelo tráfico.

Segundo a assessoria da Polícia Civil local, anteriormente os inquéritos eram distribuídos nas Delegacias Distritais para apuração e muitos ainda retornam às autoridades policiais para a realização de outras diligências. Isso explicaria o fato de, até novembro, haver 863 procedimentos ainda em fase de apuração. O modelo de investigação de todos os crimes, inclusive os violentos, por meio de delegacias responsáveis por cada região da cidade não funcionou, e o Executivo estadual voltou atrás, retornando com as delegacias especializadas, inclusive com a Antidrogas e a de Repressão a Roubos. Também delegado de Homicídios, Armando Avólio Neto acredita que o aumento da equipe desde fevereiro ajuda a dar celeridade aos inquéritos.

A Polícia Civil de Minas garante “não medir esforços para apurar e combater a criminalidade violenta nos municípios mineiros e atuar fortemente na repressão ao tráfico de drogas” já que o crime reflete em cerca de 90% das motivações das mortes registradas no município. “Também vem monitorando a questão relacionada à rivalidade entre regiões, a chamada ‘briga entre gangues’, que impacta igualmente nos índices.”

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A instituição destaca ter desarticulado duas organizações criminosas ligadas ao tráfico de drogas. Uma dessas com atuação na região conhecida como “baixada” do São Benedito e suspeita de envolvimento nos últimos assassinatos ocorridos no bairro. Na primeira reportagem da série “Vidas perdidas – um raio X dos homicídios em JF”, a Tribuna mostrou que o São Benedito foi o segundo bairro mais sangrento em 2017, totalizando dez das 137 mortes violentas de 2017, atrás da Vila Olavo Costa, com 11. O levantamento exclusivo feito pelo jornal contabiliza também os óbitos ocorridos posteriormente em hospitais, mas em decorrência das ações criminosas, incluindo casos investigados como latrocínio (roubo seguido de morte).

Déficit de policiais

Sobre a recorrente questão do déficit de policiais civis no município, relatada há vários anos em matérias da Tribuna, a Polícia Civil informa ter efetivado mais de mil novos investigadores, médicos-legistas e peritos do último concurso. “Eles já estão prestando serviços na circunscrição dos departamentos de todo o Estado. Outros 106 investigadores excedentes foram nomeados em setembro de 2017 e passam por curso de preparação na Academia da Polícia Civil.” A corporação ressalta, ainda, ter autorizado a realização de concurso para o cargo de delegado, com abertura de 76 vagas. Também está em estudo o processo seletivo para escrivães. No entanto, não foi informado, quantos virão para a regional de Juiz de Fora.

Em relação aos recursos logísticos, entraram em circulação 289 novas viaturas no estado em 2017, e outras 50 serão entregues. Da mesma forma, não foram divulgados os destinos. “Destaca-se a criação da Coordenadoria de Recursos Especiais (Core), um grupo de policiais devidamente preparados para atuar em operações de alto risco e destinado a apoiar qualquer necessidade da PCMG no território mineiro, e a construção do Centro de Treinamento Avançado (CTA)”, finaliza.

Outras matérias da série:

PM aponta envolvimento de parte das vítimas de homicídios em 825 crimes

JF perde 137 vidas em 2017 para o crime, cerca de 90% ligados ao tráfico

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