O trânsito de Juiz de Fora conta com uma realidade inusitada: o encontro recorrente entre motoristas e cavalos soltos pelas ruas em diversas regiões da cidade. “Acidentes com animais de grande porte são fatais ou geram grandes danos. Um animal como um cavalo sozinho em via pública oferece risco para as pessoas e para o trânsito”, alerta a advogada especialista em direito animal Luciana Dominato.
“Quase sempre vejo um”, afirma a estudante da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) Alice Horta, 21. Ela anda a cavalo desde os 4 anos e, atualmente, frequenta as instalações de um centro hípico no Bairro Barreira do Triunfo, na Zona Norte. Para chegar lá, acessa regularmente a Juscelino Kubitschek. Alice explica que a avenida conta com um trecho com menos visibilidade, próximo ao Bairro Miguel Marinho, e que encontrar equinos invadindo a via repentinamente no local é rotineiro: “Já vivi situações de risco. Lembro de pegar a avenida à noite e um cavalo atravessar ‘do nada’ a rua. Foi muito assustadora a possibilidade de acontecer um acidente comigo ou com o animal.”
Por ser uma realidade histórica na cidade, o Executivo municipal aprovou, em julho deste ano, uma lei de autoria do vereador Vitinho (PSB), que impõe multa aos tutores de animais de grande porte, como bois, cavalos e vacas que ficam soltos sem supervisão em via pública. A nova regra até poderia motivar mudança de comportamento e maior conscientização da população, mas o bem-estar animal e a segurança dos motoristas, na prática, seguem ameaçados.
No acumulado do ano até outubro, o Canil Municipal da Prefeitura de Juiz de Fora (PJF) recolheu 26 equinos soltos e com ferimentos nas vias públicas, enquanto no mesmo período do ano passado foram recolhidos 21. O órgão, no entanto, não registra o número de denúncias recebidas – o que possivelmente colabora com o baixo número de casos oficiais. Mas, com pouco mais de três meses da lei em vigor, três fatores contribuem para que cavalos ainda sejam vistos sem supervisão nas ruas de Juiz de Fora: as ausências do caminhão de recolhimento, a falta de participação popular e as dificuldades logísticas.
Caminhão de recolhimento da PJF esteve em manutenção
Diferentemente do recolhimento habitual, animais de grande porte necessitam de maior atenção, cuidado e estrutura. Por isso, a PJF disponibiliza um caminhão ao Canil Municipal e à Secretaria de Bem-Estar Animal (Sebeal) para ocorrências de equinos em via pública.
No entanto, a Tribuna apurou que, durante o mês de outubro, o veículo esteve em manutenção, impossibilitando temporariamente resgates de animais de grande porte. A reportagem procurou a Prefeitura, que informou que o caminhão precisou ser reformado para garantir mais segurança e qualidade no serviço. Ainda de acordo com a PJF, o veículo retornou para a Sebeal na semana passada após ficar fora de uso por um período “acima do esperado” – e não especificado.
Essa não é a primeira vez que o caminhão precisou de manutenção. Em agosto deste ano, a Tribuna noticiou o caso de três cavalos que estavam vagando há dias soltos entre os bairros Vale do Ipê, Borboleta e Democrata, na região central de Juiz de Fora. À época, o leitor da Tribuna que denunciou o caso alegou: “Estou solicitando há dias o recolhimento desses animais ao Canil Municipal, mas me informaram que o caminhão está em manutenção. Sempre está. Não é a primeira vez que essa desculpa é apresentada.” Naquele momento, a Prefeitura havia confirmado a situação do veículo, revelando que o caminhão esteve em manutenção.
População também é importante na fiscalização
A dificuldade de fiscalizar cavalos soltos pelas ruas e identificar os proprietários para que eles sejam multados é enorme. Por isso, em muitos desses casos, o apoio da população com denúncias e informações é fundamental. “A população tem sido cada vez mais ativa, mas a fiscalização municipal ainda é ineficaz, porque não há um número adequado de servidores para atender todas as demandas. A denúncia é necessária, mas muitas pessoas desistem de fazê-la pela falta de efeito prático”, analisa a especialista em direito animal Luciana Dominato.
Ainda conforme a advogada, são necessárias políticas públicas educacionais para garantir que uma parcela maior da população contribua com a fiscalização e, sobretudo, crie consciência sobre a importância do bem-estar animal. “Levar o direito animal para as salas de aula é o melhor mecanismo, porque a criança cobra do adulto, então, a conscientização sobre o respeito ao animal é algo que tem que começar desde a infância. Deixar o animal na rua, não é criar o animal, é negligenciar um cuidado que é fundamental.”
Empenho logístico e estrutural
Para Vitinho, o Executivo “precisa se empenhar logística e estruturalmente”. “A Prefeitura tem apenas um caminhão para resgatar animais de grande porte e ele estava quebrado”, enfatiza o vereador. Ele acrescenta que o recolhimento não está sendo aplicado plenamente por questões logísticas.
Para o resgate de cavalos, bois e vacas, além do caminhão, agentes do Canil Municipal precisam ser acompanhados pela Guarda Municipal. Vitinho explica que a medida garante mais segurança aos servidores, tendo em vista que, ainda conforme o parlamentar, equipes da Prefeitura teriam sofrido ameaças em outras tentativas de recolhimento de cavalos soltos.
Procurada, a Prefeitura ressaltou que o funcionamento dos resgates está regularizado e que segue aberta ao diálogo para atender a população da maneira mais eficaz possível. O Município destaca, porém, que não há qualquer reivindicação ou indicativo de revisão da matéria direcionada ao Executivo no momento.
“Acredito que o bem-estar animal em Juiz de Fora, como um todo, é precarizado. O Município não dispõe, por exemplo, de locais apropriados para a guarda desses animais que são recolhidos. É necessária a contratação de profissionais especializados. Se essa política pública não contemplar a destinação adequada de recursos, de local e o destacamento de servidores capacitados, corre o risco de ‘não pegar’”, argumenta Luciana.
*Estagiário sob supervisão da editora Fabíola Costa

