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Demandas da saúde no sistema carcerário sobrecarregam SUS em Juiz de Fora

Presidi Penitenciaria ariosvaldo campos pires Felipe Couri
Presidio Penitenciaria ariosvaldo campos pires Felipe Couri
Saúde do sistema penitenciário poderia ser incrementrada com verba federal (Foto: Felipe Couri)
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A Prefeitura de Juiz de Fora optou por não se credenciar à Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema Prisional (PNAISP), do Governo federal. O programa forneceria verba de incentivo e facilitaria o acesso à saúde no sistema prisional, com potencial para uma progressão do SUS na cidade como um todo. Em resposta à Tribuna, o Executivo afirmou que “não foi identificada a necessidade de aderir a esse plano, pois já existe cobertura para essa população, sem prejuízos”.

O PNAISP foi reformulado em 2021 e, desde então, os municípios que se credenciam recebem maiores valores de repasse do Fundo Nacional direto ao Fundo Municipal de Saúde, no custeio mensal. O investimento varia em decorrência, dentre outros aspectos, do número  de presos da unidade prisional. A população penitenciária de Juiz de Fora é de 2.678 custodiados, segundo a Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública de Minas Gerais (Sejusp). 

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Para conseguir se credenciar à política, o município teria que garantir a manutenção de equipe mínima completa no sistema prisional e enviar a produtividade destes profissionais ao Ministério da Saúde. Ou seja, firmar o compromisso de aumentar o quadro de funcionários para assistência à saúde dos detentos. Atualmente, dentro da prisão, são oferecidos atendimentos apenas para consultas médicas básicas. Os casos que exigem maior complexidade são encaminhados para a rede de saúde municipal.

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A Cartilha da PNAISP aponta que, a partir de aderência ao programa, o município garante “fontes de recursos federais para compor o financiamento de programas e ações na rede de atenção à saúde”. Para Marcos André Pereira, professor do Curso de Direito da Estácio Amapá e mestre em Políticas Públicas, entre os benefícios estão um atendimento humanizado e integral, que visa à promoção do cuidado em prevenção, tratamento a reabilitação. Ele cita, ainda, o controle de doenças com maior prevalência em ambientes prisionais, como tuberculose, HIV/AIDS e doenças crônicas e também a diminuição de custos a longo prazo.

A reportagem da Tribuna identificou diversos casos no Complexo Penitenciário de Juiz de Fora que revelam desafios no acesso à saúde básica, média e de alta complexidade para os detentos e para a saúde de toda a população, uma vez que, conforme o professor Marcos André Pereira, a atual situação carcerária reflete em uma escassez de recursos para a população em geral. “A alta demanda gerada por pacientes vindos do sistema prisional afeta diretamente a população externa, já que esses pacientes disputam os mesmos recursos limitados em hospitais, como leitos de UTI e atendimento especializado”, explicou o especialista em política pública.

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‘Aderência poderia repercutir em uma progressão do SUS’, diz auditora

Ericlea Leão de Souza, especialista em Medicina Social, mestre em Epidemiologia e médica auditora do SUS/RS, em entrevista, informou que, quando um setor em especifico recebe atendimento médico mais completo, os indicadores epidemiológicos dos demais serviços de saúde da população em geral também melhoram. “A adesão dos gestores do SUS ao PNAISP é importante não só por melhor atender as necessidades de saúde das pessoas privadas de liberdade, mas também pelo impacto esperado na organização local do SUS e consequente impacto positivo nos indicadores epidemiológicos da saúde pública, em geral”, explica.

Ela considera que toda essa população carcerária não pode contar somente com a rede básica e que todos os esforços precisam ser feitos para melhorar essa realidade. “Se todos os municípios e os estados aderissem, conforme está previsto na legislação, nessa portaria de 2014 e nas alterações que houve em 2021, iria simbolizar avanços em cidadania, direitos sociais e em termos de progressão do SUS”, destaca a auditora.

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O professor Pereira cita que os prejuízos da não adesão podem ser percebidos como fatores que contribuem para sobrecarregar o sistema, que passa a lidar com doenças mais avançadas e de maior gravidade. “Sem um fluxo de atendimento adequado e contínuo dentro do sistema prisional, as demandas de saúde são transferidas diretamente para as unidades do SUS, sem o devido planejamento e organização”, ele esclarece. Isso ocorre pois as demandas de saúde da população carcerária passam a ser deslocadas para hospitais e centros de referência, “com atendimentos mais caros e especializados, como tratamento de infecções graves e doenças crônicas que poderiam ser tratadas na fase inicial dentro do sistema prisional”, finaliza.

Cenário inclui medicamentos vencidos e equipamentos malconservados

Relatos sobre a saúde nas penitenciárias de Juiz de Fora foram recebidos pela Tribuna e incluem situações como a de uma caneta de insulina armazenada fora de refrigeração – algo que a Sejusp nega -, pessoas com deficiências visual convivendo entre os demais detentos, um homem com perfuração abdominal de cerca de 30 centímetros encaminhado à penitenciária logo após uma cirurgia e falta de remédios. A Assembleia Legislativa também recebeu relatos semelhantes e, no dia 11 de setembro, se reuniu no Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) para revelar a situação da saúde nas Penitenciárias José Edson Cavalieri e Ariosvaldo Campos Pires, em Juiz de Fora, e de outras na região metropolitana do estado.

Nos locais, segundo o Legislativo, foram constatados “caneta de insulina sem refrigeração, bolsa de colostomia sem troca, cânula de traqueostomia limpa com caneta BIC e medicamentos com a data de validade cortada”. Dentre as condições mais alarmantes estão as referentes à alimentação e saúde. À Tribuna, a pasta de segurança do estado, responsável pela gestão do sistema carcerário, informou que “quanto à denúncia sobre suposta falta de remédios, a Sejusp garante o fornecimento de medicamentos para as unidades prisionais para aqueles fármacos inseridos no Componente Básico da Assistência Farmacêutica, componente este destinado à Atenção Primária à Saúde”. O órgão afirmou também que condições como hipertensão, diabetes, infecções e outras patologias são devidamente atendidas.

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A presidente da Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da Ordem dos Advogados de Juiz de Fora, Cristina Guerra, conversou com a reportagem sobre essa denúncia quanto às instituições carcerárias da cidade. “Estamos dialogando com advogados criminalistas e vamos relatar e denunciar as péssimas condições do sistema. São muitos casos de pessoas doentes no sistema com problemas diversos, alguns gravíssimos. Isso sem falar nos problemas de saúde mental. Falta tudo.”

Profissionais para saúde mental diminuem

A falta de assistência à saúde das pessoas privadas de liberdade se somaria, também, à questão estrutural. Segundo constatou o Anuário de Segurança Pública de Minas Gerais, diminuiu o número de atendimentos médicos realizados aos detentos em 2023 ante 2022. Eles correlacionam essa baixa ao “reflexo do quantitativo de profissionais existentes nas carreiras técnicas da Sejusp, que, a cada ano, reduzem”, diz o documento. Os motivos seriam aposentadorias, evasões e fim da vigência de contratos.

O anuário expõe que, se não tem médico, assim como o esperado, os atendimentos também diminuem e, conforme a disponibilidade, a demanda também aumenta. Em 2022, o quadro de psicólogos cresceu e a busca por essa categoria também se elevou, fenômeno que foi intensificado pela pandemia. Já no ano seguinte, em 2023, novamente há uma baixa que segue a mesma lógica. Houve uma redução progressiva no quadro destes profissionais nas unidades e, por isso, os atendimentos caíram.

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No que se refere ao atendimento psicológico, as penitenciárias são responsáveis por realizar a triagem e encaminhar a demanda para o Centro de Atenção Psicossocial (Caps), de responsabilidade do Município. Sobre a quantidade de vagas, a Sejusp relatou não ter gerência sobre isso, mas que todos os presos com demandas de saúde mental são assistidos pelo estado e pelo município. Já a PJF informou que o balanço sobre a quantidade de presidiários atendidos pelo Caps na cidade não poderia ser revelado, sob a justificativa de que a informação iria contra “a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) e pela natureza e sensibilidade dos casos”. 

Para o psiquiatra Tarik Jabour, o próprio ambiente prisional pode ser um estressor. Desta maneira, aqueles que possuem determinados transtornos psicológicos ou deficiências cognitivas, sem acompanhamento psicológico e psiquiátrico, podem ter ali uma crise ainda maior, já que estão em vulnerabilidade. Por isso, ele destaca a importância de um acompanhamento completo de atenção à saúde mental. A fala vai de acordo com a proposta do PNAISP, que, segundo a cartilha feita pelo Governo federal, oferece “promoção da saúde e prevenção de agravos no sistema prisional, em todo o itinerário carcerário para toda a população privada de liberdade, e também para os profissionais destes serviços penais, familiares e outras pessoas relacionadas ao sistema, como voluntários”, diz documento.

Corpos que ‘nem merecem o acompanhamento de saúde’

Para Wedencley Alves, professor da UFJF e coordenador do Grupo de Pesquisa Sensus sobre Comunicação, Discursos e Saúde, com exceção do SUS, toda a história da política pública para a saúde no Brasil é marcada por uma escolha, de certa forma, dos corpos que deveriam ser cuidados com zelo e os corpos do não cuidado. No caso dos detentos, “o discurso de um corpo que pouco precisa ou nem mereça cuidado, é um corpo abjeto, que nem merece o acompanhamento de saúde”, ele comenta.

O pesquisador também percebe no senso comum a mentalidade de que “se essas pessoas vão para a cadeia, devem ser punidas e não ressocializadas”. Uma funcionária pública de uma das unidades prisionais de Juiz de Fora conversou com a Tribuna, mas pediu para não ser identificada por medo de represálias. Ela acompanha de perto a questão das assistências básicas aos detentos e se referiu ao cenário em uma analogia. “Querer reabilitar um preso sem as mínimas condições para isso é como amarrar alguém em uma cama e querer que a pessoa esteja pronta para correr uma maratona”, definiu.

 

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