Um jovem de 19 anos foi agredido com uma garrafada na cabeça e roubado por cerca de 15 pessoas, em uma espécie de arrastão no Bairro Alto dos Passos, na Zona Sul de Juiz de Fora. O crime, ocorrido por volta das 23h de sábado (7) na Rua Morais e Castro, traz à tona os graves problemas enfrentados por uma região residencial onde há mais de 40 bares e restaurantes. O envolvimento de jovens nos delitos, a violência urbana e os conflitos vivenciados nessa área são tão preocupantes que levaram o núcleo de inteligência da Polícia Civil a iniciar investigação sobre a entrega de bebidas por adultos a menores de idade. A insegurança no local está, inclusive, restringindo o acesso dos moradores a determinadas ruas no período noturno. Uma audiência pública, marcada para a próxima quarta-feira (11) na Câmara Municipal, quer discutir também os atos de vandalismo cometidos no bairro, as ações de flanelinhas, o uso da via pública como banheiro e local de práticas sexuais. Indignados, alguns residentes ameaçam depositar o pagamento do IPTU em juízo até que sejam atendidos em suas reivindicações.
No crime de sábado, por exemplo, a vítima – que é do Bairro Nossa Senhora de Fátima, na Cidade Alta -, contou aos policiais militares que transitava com dois amigos pela Morais e Castro, próximo ao shopping, quando percebeu que estava sendo seguida por um grupo. O jovem disse que seus colegas conseguiram correr, mas ele acabou sendo cercado pelo bando e golpeado pelas costas com uma garrafa na cabeça. O rapaz caiu no chão e ainda foi agredido com chutes. Em seguida, o grupo roubou sua pochete com R$ 20 e documentos, incluindo uma carteira de identidade funcional de militar do Exército Brasileiro. Ainda conforme a PM, o rapaz precisou ser socorrido até o HPS para ser medicado. Nenhum suspeito foi encontrado.
Outro crime semelhante aconteceu também no Alto dos Passos há pouco mais de um mês, no dia 2 de junho. Na ocasião, um pedestre, 18, foi agredido e roubado por um grupo de cerca de 20 pessoas. Ele estava na companhia de um colega da mesma idade, quando foi surpreendido pelo bando na Avenida Rio Branco, na altura do número 3.950. O grupo roubou um boné e ainda desferiu chutes e socos contra as vítimas. Durante a confusão, o celular do jovem caiu no chão, sendo pego por um dos criminosos. Os bandidos fugiram em seguida. Dois adolescentes, de 14 e 17 anos, chegaram a ser apreendidos por suspeita de envolvimento.
Moradora diz que fim de semana virou sinônimo de problema
Os episódios recentes foram a gota d’água em um bairro que há anos vem sendo marcado por excesso de barulho, uso de drogas em via pública e infrações de posturas municipais cometidas por estabelecimentos comerciais.
Mãe de dois filhos, a psicóloga C., 40 anos, que prefere ter o nome preservado, diz que fim de semana tornou-se sinônimo de problema para sua família. A partir de quarta-feira, a garagem de sua casa é usada como banheiro público por pedestres que, sem nenhum constrangimento, urinam dentro da sua moradia. O barulho também impede que seus filhos tenham uma noite de sono completa, sendo comum que a filha de apenas 2 anos acorde chorando e gritando durante a madrugada. “Meus filhos de 5 e 2 anos estão completamente afetados pelo barulho. Já estou ficando traumatizada com os finais de semana, porque somos intimidados dentro de nossa própria casa. Estacionam em frente à nossa garagem, colocam copos no nosso muro, batem no portão, urinam. Ficamos à mercê dessas pessoas. Já pensamos até em mudar daqui, mas a casa está na família do meu marido há mais de 30 anos. Não temos mais a quem pedir ajuda”, reclama.
Virgínia Neves, 59 anos, faz coro. Ela conta que é obrigada a lavar a calçada após as madrugadas, porque, além de vômito, há poças de urina dificultando a entrada no prédio onde mora. Além disso, diz que está cansada de ver camisinhas usadas sendo deixadas na porta da casa dela. “Na última reclamação que fiz contra o barulho, um policial mandou que eu tomasse um calmante. Estou muito revoltada, porque nosso bairro virou terra de ninguém. Não temos apoio e não me sinto mais segura nem para ir ao cinema”, desabafa.
A presidente do Conselho de Segurança do Alto dos Passos, Rita de Cássia Guimarães Pipa, diz que os problemas são recorrentes. Ela elogia a atuação da 32ª Companhia na área, mas diz que, apesar da proximidade construída pela Polícia Militar (PM) junto aos moradores, a retomada da paz no local só acontecerá com o envolvimento de outros órgãos. “O Alto dos Passos é um espelho da cidade. Tudo que se comemora ocorre lá. A PM está trabalhando junto da comunidade, mas ela precisa do apoio de outros órgãos, entre eles a Secretaria de Atividades Urbanas, o Juizado de Menores e a Secretaria de Desenvolvimento Social, porque o problema da segurança não é só uma questão de polícia, mas envolve muitas outras coisas.”
A presidente da Comissão de Segurança Pública da Câmara Municipal, Sheila Oliveira (PSL), concorda. Para ela, só uma força-tarefa composta por PM, Polícia Civil, Secretaria de Desenvolvimento Social, Conselho Tutelar e Comissariado de Menores poderá dar conta da multiplicidade de questões envolvendo o Alto dos Passos. “Há cerca de um mês, estive no Alto dos Passos com a delegada regional para observar as situações. Vimos que o uso e abuso de bebidas alcoólicas por menores de idade naquele local, além do uso de entorpecentes, é uma realidade que envolve muitos jovens de classe média e alta. O fato é que não podemos dizer que os delitos na área são cometidos só por jovens pobres. Além disso, a atuação dos flanelinhas no entorno e a utilização de crack são questões que envolvem a população em situação de rua. A PM tem estado presente, mas, sozinha, não consegue inibir casos pontuais, porque a região é muito grande”, afirma a vereadora. Sheila lembra que há cerca de cinco anos a Operação Zona Sul, desencadeada conjuntamente entre a PM e a Polícia Civil, coibiu o tráfico de drogas e os danos ao patrimônio no local. A Tribuna entrou em contato com a 32ª Cia da PM, porém não conseguiu falar com o comando até o fechamento desta edição.
Lei complementar foi aprovada com mudanças
Os conflitos entre donos de bares e moradores do bairro se acirraram em 2017, quando o bairro com quase 95% de imóveis residenciais se confirmou como point da noite juiz-forana. Além dos ruídos acima do permitido, as infrações cometidas por estabelecimentos comerciais afetaram a rotina dos moradores. Em maio de 2018, o prefeito Antônio Almas (PSDB) sancionou a Lei Complementar 081, que estabeleceu horários diferenciados de fechamento para bares, botequins, cervejarias e similares que forem reincidentes em infrações de posturas.
De autoria do vereador José Márcio Lopes Guedes (PV), a lei teve a redação original alterada. Inicialmente, a proposta previa que o cometimento de duas infrações à legislação de posturas, quanto à emissão de ruídos, sujeira no entorno dos estabelecimentos ou colocação de mesas e cadeiras em desacordo com as normas, no prazo de um ano, resultaria em restrição de horário de fechamento por 180 dias.
O projeto de lei aprovado ampliou para quatro o número de infrações cometidas pelo estabelecimento em um ano, diminuindo o prazo da restrição de horário para um mês ao invés de seis. Significa que o estabelecimento que cometer quatro transgressões em 12 meses ficará sujeito a obrigatoriedade de fechar às 22h, entre segunda e quarta-feira, e meia-noite de quinta a domingo por 30 dias. “Mesmo com as mudanças na redação, considero que a lei foi um avanço, dando à PM o poder de aplicar a sanção imediatamente, se entender que o estabelecimento está trazendo risco para a segurança pública. Ela se tornará efetiva se houver fiscalização”, explica Zé Márcio.
Segundo o vereador, só em 2016, um bar da região foi multado 15 vezes por colocar na rua o dobro de mesas e cadeiras permitidos. Se a lei estivesse em vigor, o estabelecimento comercial já teria sofrido redução de horário. “Os bares querem e precisam faturar. Já os moradores têm direito ao descanso. Essa é uma questão de saúde pública. No caso de São Mateus, por exemplo, há vários idosos adoecendo dentro de imóveis que não conseguem vender porque perderam o valor de mercado”, dimensiona o parlamentar.
“Poucas denúncias”
Em nota, a Secretaria de Atividades Urbanas (SAU) afirmou que tem fiscalizado o Alto dos Passos, frequentemente, inclusive com rondas realizadas aos finais de semana. Em relação às mesas e cadeiras nos passeios, a SAU informa que já foram emitidos mais de 30 notificações, intimações e autos de infração e que nova diligência para verificação do cumprimento da lei será realizada.
Sobre o barulho, a secretaria diz ter tomado medidas para cessar o problema e que “há bastante tempo não recebe denúncias desse gênero”. “É importante deixar claro, porém, que a SAU age em relação à poluição sonora vinda de dentro dos estabelecimentos, e não dos ocupantes da via pública. Este caso cabe à Polícia Militar. Já a respeito dos banheiros químicos, quando há um evento organizado e aprovado, existem diversas exigências a serem cumpridas pelos organizadores e que são cobradas pela SAU, entre elas a instalação de banheiros. Fora isso, as pessoas devem utilizar os sanitários existentes nos bares que estão frequentando, sendo de sua total responsabilidade o uso indevido do espaço público, que se configura em contravenção penal, podendo ser denunciado e coibido pela Polícia Militar.”
Audiência pública
O encontro nesta quarta-feira (11) na Câmara Municipal visa justamente a buscar soluções para os problemas dos bairros Alto dos Passos e São Mateus. A audiência foi proposta pelos vereadores que compõem a Comissão Permanente de Abastecimento, Indústria, Comércio, Agropecuária e Defesa do Consumidor: Marlon Siqueira (MDB), Vagner de Oliveira (PSC), Kennedy Ribeiro (MDB) e Charlles Evangelista (PSL), e também do vereador Zé Márcio (PV).
Os secretários de Governo, de Segurança Urbana e Cidadania, de Desenvolvimento Social, de Atividades Urbanas, de Desenvolvimento Econômico, Trabalho e Turismo, além dos representantes da Subsecretaria de Vigilância em Saúde e do Procon, foram convocados a integrar a mesa. A audiência é aberta ao público.