Juiz de Fora é a segunda cidade do país na estatística de idosos vítimas de atropelamento no trânsito, apesar de ter a 37ª maior população e a 48ª maior frota de veículos emplacados (ver quadro). O levantamento surpreendente, baseado em banco de dados do Ministério da Saúde, aponta que, de janeiro a abril deste ano, 103 pessoas com mais de 60 anos deram entrada em hospitais credenciados ao Sistema Único de Saúde (SUS) depois de terem sido atingidas por veículos motorizados ou não-motorizados. Ou seja, uma internação a cada 27 horas. Nesta estatística, o município está atrás apenas de São Paulo, a maior cidade da América Latina, com população que supera 11 milhões de pessoas e frota de 7,8 milhões de veículos. Isso é, aparece na frente de centros urbanos grandiosos, como Boa Vista (Roraima), na terceira colocação; Fortaleza (Ceará), na quarta; e a capital de Minas Gerais, Belo Horizonte, na quinta posição.
Nas últimas semanas, a questão tem ganhado holofotes. No mês passado, dois idosos, de 75 e 91 anos, morreram atropelados no trânsito. O mais novo, no dia 19, foi atingido por um ônibus enquanto atravessava na faixa, na Avenida Rio Branco, próxima à Rua Silva Jardim. O outro, dois dias depois, morreu atropelado por um trem, na passagem de nível da Avenida Francisco Bernardino nas proximidades da sede social do Tupi. Nesta última quinta-feira (6), duas senhoras, de 72 e 73 anos, foram atingidas por carros na área central em um intervalo inferior a sete horas nas avenidas Rio Branco e Getúlio Vargas. Felizmente, ambas foram socorridas com vida e levadas para hospitais de Juiz de Fora, sem riscos de morte.
Mais que destacar os números, a realidade apontada exige uma compreensão de onde a cidade erra. Para fim de comparação, em igual período, no ano passado, foram 83 internações de idosos no SUS vítimas de atropelamentos e, há cinco anos, em 2012, 46. Em cinco anos, o percentual de acidentes mais que duplicou. Conforme o censo demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apresentado em 2010, 13,6% da população do município são de idosos, concentração acima da média nacional e estadual.
Olhar para a população
Como proteção a este público, destaca-se iniciativas importantes, como a comissão de Defesa dos Direitos dos Idosos da Câmara Municipal; o Núcleo de Atendimento ao Idoso, da Polícia Civil; e ainda os programas sociais da Prefeitura, como o Centro de Convivência do Idoso, da Amac. Mas todos estes olhares voltados a esta parcela da população não têm sido suficientes para reduzir este quadro.
Imprudência e risco nas travessias
Nas ruas da cidade, os dados estatísticos são percebidos em fatos que colocam os idosos não apenas como vítimas, mas também como responsáveis e produtores de riscos. Em poucos minutos em avenidas de grande movimento, como a Andradas, Rio Branco e Getúlio Vargas, é possível observá-los atravessando fora das faixas de travessia, com o semáforo verde para os carros e até mesmo desatentos com celulares em mãos. O aposentado Antônio Mezzonato, 89 anos, anda por todo o Centro e afirma que vê muita imprudência. “Tem muito velho que é abusado. Não olha para os lados e atravessa em qualquer lugar.” Mesmo assim, ele reforça a parcela de culpa dos motoristas. “Falta compreensão e respeito aos mais velhos.”
Na Rio Branco, próxima à Getúlio, a reportagem observou o vendedor de água de coco Miguel Pereira de Assis, 77 anos. Pacientemente, ele aguardou dois ciclos semafóricos para concluir a travessia nos dois lados da via. Na sua avaliação, o temporizador deveria ter prazo estendido. “O movimento é bravo demais. Se a gente perde um segundo, já não é possível concluir com segurança. Sem contar que muitos carros e motos passam com sinal amarelo e não obedecem a sinalização.”
Onde ele trabalha, na Andradas, o idoso afirma flagrar cenas de desrespeito a todo o momento. “É imprudência toda hora. Tem motorista que já está tão estressado que causa acidente e nem fica. Prefere ir embora, xingando. A vida é esta.”
Cidade não está preparada para os idosos, apontam especialistas
Para o gerontólogo José Anísio da Silva, o Pitico, o número crescente de idosos atropelados está diretamente relacionado à maior atuação da terceira idade no cotidiano. Ou seja, o “velho”, como ele mesmo diz, não é mais aquele que fica em casa, lendo jornais e assistindo televisão. Hoje este grupo é formado por pessoas ativas, que vivem e participam da rotina da cidade. Mas apesar de saudáveis e lúcidos, as limitações físicas já são evidentes.
“A mobilidade está reduzida, muitos tomam vários medicamentos por dia, então como vai atravessar um semáforo em até 30 segundos? A verdade é que as cidades não estão preparadas para receber suas demandas. Se faz necessário uma reestruturação geral, que contemple todas estas especificidades. O grande desafio é fazer este conceito sair do papel, de forma a contemplar o idoso como um ser plural que, assim como nós, tem características e necessidades distintas.”
Mesmo assim, Pitico lamenta o fato de a desatenção ainda ser a vilã e causadora dos acidentes. Por isso, ele defende uma campanha educativa e permanente, que amplie o alcance por meio de cartilhas, palestras e abordagens diretas, não apenas nos núcleos específicos de atendimento, como também nos bairros e distritos. “Alcançá-los é muito difícil, e eles precisam ser ouvidos. Defendo que participação autêntica, democrática e cidadã é convidar este público para expressar e vocalizar suas demandas e interesses.”
‘Péssimo indício’
Para o arquiteto e historiador Marcos Olender, que é professor do Departamento de História da UFJF, o fato de Juiz de Fora, que é uma cidade de médio porte, aparecer na frente de grandes metrópoles, como Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Fortaleza, é um “péssimo indício do planejamento urbano”. “Podemos concluir que, se a maioria das cidades brasileiras tem problemas relacionados a mobilidade, em Juiz de Fora estes problemas são muito maiores.”
Na avaliação do especialista, se faz necessário que a cidade se desenvolva tendo como norte o conceito de acessibilidade universal. Ou seja, pensar uma forma de contemplar e atender, de forma segura e agradável, os mais diferentes tipos de pessoas. Seja o idoso, a criança, a pessoa com deficiência física e visual. “Uma cidade que respeita os seus moradores é uma cidade que tem a garantia da acessibilidade, isso significa menos barreiras de locomoção e para segurança viária”, pontuou.
Ainda segundo Olender, Juiz de Fora tem, de forma pontual, indícios do conceito de mobilidade universal. Como exemplo, ele citou calçadas padrão em parte da área central, rampas para cadeirantes e faixas de travessias elevadas. “Mas ainda é exceção, e não regra. Pergunte não só um idoso, mas qualquer pessoa que seja, se ela consegue sair da UFJF e caminhar de forma segura até a Avenida Olegário Maciel. Infelizmente, o município ainda privilegia a sua centralidade em detrimento de outras regiões.”
Necessidade de ampliar conscientização
Desde 2012, a Câmara Municipal mantém uma comissão voltada a abordar o direito da população idosa. Atualmente o trabalho é presidido pela vereadora Ana Rossignoli (PMDB), que afirma discutir assuntos diversos pertinentes a este grupo, desde a questão da violência até aquelas voltadas ao trânsito. Apresentada ao levantamento da Tribuna, na última terça-feira, a vereadora lamentou a realidade e afirma que atua no intuito de reduzir o número de ocorrências registrado no município.
A vereadora foi questionada se ações da comissão ainda não seriam pontuais e restritivas a um grupo de idosos interessados em debater e discutir o problema. Ela concordou, dizendo da dificuldade de alcançar este público. “A comissão promove palestras constantes, mas a gente percebe que a participação do idoso ainda é pequena. Temos, sim, que fazer um trabalho de conscientização para aumentar o número de pessoas nestas palestras. Em união com outros setores que participam da nossa comissão, como a UFJF, as secretarias de Saúde e Assistência Social, nós vamos, a partir de agosto, criar palestras temáticas para chegar a este público. A questão do trânsito será discutida e expandida para os bairros e outros lugares onde eles estiverem. Não podemos esperar que eles se interessem pelo problema.”
Palestras chegam a um grupo restrito
A supervisora de Educação para o Trânsito da Settra, Renata Vianna admite a dificuldade em atingir a população idosa nas campanhas desenvolvidas. Segundo ela, há uma boa aceitação no público que comparece a palestras feitas em locais como o Polo do Envelhecimento da UFJF, Sesc e Pró-Idoso, mas, ainda assim, trata-se de um grupo restrito. “Para atender a população, de um modo geral, precisaríamos pensar em algo maior, mas, para isso, seria necessário verba e estudos, além do apoio da mídia. Sem isso, infelizmente ficamos limitados ao site da Prefeitura e as palestras.”
Nestes encontros, Renata afirmou que ouve muitas demandas da população idosa, e a principal delas está relacionada ao tempo do semáforo. Segundo ela, o cálculo da travessia é feita mediante análises das equipes de Engenharia de Tráfego, e, em muitos casos, é preciso ter paciência. “Há cruzamentos da cidade em que a travessia deve ser feita em dois ou até três estágios, e isso exige paciência. Em vias extensas, quando há mais um equipamento semafórico, isso indica a necessidade de aguardar o próximo ciclo para concluir o trajeto com segurança.”
Renata também falou do desrespeito dos condutores, embora tenha afirmado que o motorista infrator é assim com qualquer pedestre. Para minimizar estes riscos, ela disse que a Settra promove palestras voltadas ao público infantil, de forma a trabalhar a conscientização de toda uma geração.