No trabalho, na escola ou na faculdade, o celular se tornou praticamente uma extensão do corpo, sendo imprescindível para a realização de algumas atividades. Com o longo tempo de uso do aparelho, muitas pessoas podem se sentir vazias ou incompletas quando não estão conectadas ao dispositivo. A angústia e a ansiedade atreladas à falta do uso do aparelho podem ser sinais de nomofobia, uma abreviação para o termo ‘no-mobile phobia’, que significa “medo de estar sem o celular”. A nomofobia é considerada um transtorno de ansiedade, apresentando os mesmos sintomas fisiológicos e psicológicos, e tem afetado tanto adultos quanto crianças.
“O uso prolongado do celular exerce um efeito agravante no cérebro, roubando a atenção, enfraquecendo a memória e diminuindo a produtividade”, explica a neuropsicóloga e terapeuta cognitivo-comportamental, Sheila Soares Pires. O tempo de uso do aparelho pode ser dividido em utilização da internet, jogos e acesso à plataforma de vídeo, como o Youtube, por exemplo. O celular é utilizado por muitos jovens para majoritariamente acessar as redes sociais, como o Instagram, o WhatsApp, o Twitter e também o TikTok, deixando de lado a sua função original – a de ligar para alguém.
No TikTok ou Reels o usuário acaba passando parte do seu tempo livre vendo vídeos curtos e também participando de trends (conteúdos populares em determinado momento). “O indivíduo começa a ficar muito preocupado com a quantidade de likes e compartilhamentos que as suas publicações alcançam, passa a se isolar socialmente”, analisa Sheila. Além disso, conforme a neuropsicóloga, é válido estabelecer que a nomofobia não está associada apenas ao uso excessivo do celular, mas também considera o que esse uso vem provocando no usuário – quando ele passa a se sentir mais feliz no mundo virtual do que o real.
O uso excessivo do celular, conforme a especialista, pode ter várias implicações na vida do usuário que está frequentemente exposto ao excesso de informações, fotos e vídeos de realidades diferentes da sua. Algumas consequências, conforme cita a terapeuta, incluem baixa autoestima, problemas nos relacionamentos sociais, dificuldade para executar tarefas cotidianas, vícios em “sistemas de recompensa”, por conta da liberação de dopamina, e, em casos mais extremos, levar à depressão.
Um usuário, de 36 anos, que preferiu não ter sua identidade revelada, conta que passa cerca de 3 a 4 horas por dia usando o celular. O período de conexão é considerado alto e evidencia que seu tempo livre é dedicado ao uso do celular, já que as demais horas do dia são dedicadas a trabalho, sono e locomoção.
Ele conta que sente falta do celular quando está ocioso, pois o utiliza principalmente para jogar e utilizar aplicativos de mensagem. Apesar de usar bastante o telefone, conforme conta, ele afirma perceber que o tempo que passa no celular prejudica a sua produtividade e saúde mental.
Uso precoce
Além dos adultos, crianças têm ficado cada vez mais conectadas aos aparelhos. As telas de celulares, tablets e computadores podem ser consideradas atrações para crianças, podendo as entreter por longos períodos de tempo. Contudo, é preciso monitorar o tempo em que os pequenos ficam nos aparelhos, já que o uso intenso dos dispositivos pode influenciar o desenvolvimento do cérebro da criança, podendo afetar a memória e a atenção.
A artesã Lívia Valente é mãe de uma criança de 2 anos e conta que começou a educação digital da filha. Aos 10 meses, a criança começou a ver TV de forma esporádica e, agora, com dois anos, o tempo é restrito a, no máximo, 30 minutos por dia assistindo a vídeos no smartphone. Lívia conta que sua filha passa boa parte do tempo realizando atividades lúdicas e manuais. “Brinca na terra, com tinta, massinha, brinquedo. As telas são mais uma distração para quando ela não quer mais brincar, ou quando estamos em um restaurante ou fora de casa, para dar uma distraída.”
Lívia acredita que o tempo de telas deve ser limitado, para não afetar a sua criatividade e socialização. Apesar disso, ela conta que recorre ao dispositivo como forma de distração da filha para que consiga finalizar alguma tarefa do dia a dia. “Às vezes a criança fica impaciente no mercado ou shopping, então ela usa. Infelizmente ela começou muito cedo, mas acredito que é da geração digital, em todas as crianças interagem com o celular. É um pouco assustador, mas eu tento controlar da melhor forma para não a prejudicá-la.”
A empresária Bruna Albino de Souza é mãe de duas crianças. Uma é recém-nascida e a outra tem quase 4 anos. Ela conta que também limita o uso de telas do filho. “Geralmente ele usa o celular para ver vídeos quando acorda e na hora de ir pra escola. Ao todo, são no máximo 2 horas por dia”, relata a mãe, que permitiu que o filho usasse telas a partir dos 2 anos de idade. Em contrapartida, a mãe conta que busca brincar com o filho pelo menos duas horas por dia e destaca que a criança realiza atividades na escola que estimulam a criatividade e que incentivam interações sociais e experiências físicas.
Necessidade de monitoramento
De acordo com a terapeuta, a necessidade de monitoramento por parte de pais e responsáveis é fundamental tanto para crianças quanto adolescentes.
“Crianças menores de dois anos devem se abster completamente do uso de tela. Para aqueles de 3 a 5 anos, o uso deve ser restrito a uma hora por dia. Já na fase de 6 a 18 anos, a restrição deve ser a duas horas por dia, garantindo maior equilíbrio e estabelecendo limites”, explica a terapeuta cognitivo-comportamental, evidenciando também que é preciso incluir também na rotina da criança ou do adolescente momentos lúdicos extra-tela.
Já os adultos precisam policiar em relação ao uso. A neuropsicóloga Sheila indica alternativas para quem tem dificuldade em deixar o celular de lado, evidenciando que é preciso trocar a tela por algo que também gere estímulos e não deixe a pessoa totalmente no ócio. Com isso, Sheila aconselha a “manter uma vida mais saudável, fazer atividade física regularmente, fazer psicoterapia e em casos extremos buscar apoio médico e o uso de medicamentos pode ser necessário”, a fim de evitar que o tempo de lazer do indivíduo esteja baseado totalmente no celular. Tais ações são preventivas para que a nomofobia não atinja a pessoa e assim mantenha uma relação saudável com o aparelho.