O rompimento da barragem da mineradora Vale na Mina do Córrego do Feijão, em Brumadinho, que somava até a tarde deste sábado (9) 157 mortos e 182 desaparecidos, aumentou a preocupação das comunidades que vivem no entorno de reservatórios que armazenam rejeitos. Em Juiz de Fora, duas estruturas administradas pela Nexa Resources, antiga Votorantim Metais, são responsáveis por condicionar resíduos industriais: a Barragem dos Peixes, atualmente inativa, e a Barragem da Pedra, em fase final de obras de ampliação da capacidade de armazenamento. Ambas estão localizadas próximas à planta da empresa no Bairro Igrejinha. No entanto, faltam esclarecimentos para a comunidade do entorno sobre as condições de segurança e as orientações em caso de ruptura. A Tribuna visitou os bairros da região e conversou com os moradores, que relataram medo e insegurança diante da falta de informações.
Dado em 2017, o parecer único da Superintendência Regional de Meio Ambiente da Zona da Mata (Supram), responsável por avalizar a ampliação da Barragem da Pedra, contempla um estudo de ruptura hipotética e um Plano de Ações Emergenciais (PAE), nos quais são apontadas as áreas que seriam afetadas em caso de rompimento da estrutura. A planta da empresa, a rodovia BR-267, as moradias dos bairros Igrejinha até Benfica, o Distrito Industrial e um trecho de ferrovia utilizada pela Nexa para escoamento da produção industrial integram o mapeamento das áreas potencialmente inundáveis. “Os cenários estudados não correspondem a riscos efetivos ou iminentes de ruptura da barragem. Estes cenários foram avaliados baseados na Portaria do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), nº 526, a qual estabelece que os mesmos devem ser analisados independentemente da sua probabilidade de ocorrência. A simulação realizada prevê a ruptura da estrutura, fazendo com que a água escoe pelo vale do córrego Três Pontes até chegar ao Rio Paraibuna”, justifica o documento.
A Barragem da Pedra está situada em um vale, no qual há nascentes e drenagens de pequena extensão, afluentes do córrego Três Pontes. Uma distância de mais de seis quilômetros separa este córrego do Rio Paraibuna. “Na área compreendida entre a barragem e o córrego não há moradias. À direita, tem-se a rodovia BR-267, com tráfego intenso. Acima está o Bairro Igrejinha e, abaixo, a unidade industrial da Nexa Resources e a Vila São João Batista o que leva à conclusão de que a ruptura da barragem tem significativo potencial de dano no seu entorno”, afirma o relatório. A ampliação da Barragem da Pedra, de 1,6 para 3,5 milhões de metros cúbicos, entretanto, implicará em maiores áreas atingidas em caso de rompimento, como ressaltado no documento. “Considerando o alteamento da barragem, os limites afetados serão muito maiores, chegando a sete quilômetros a jusante (abaixo) da mancha definida para o cenário atual. Além disso, afeta quase integralmente o Distrito Industrial do Município de Juiz de Fora.”
O plano de emergência para o caso de ruptura destaca que deve haver o alerta para a evacuação de funcionários na unidade industrial da Nexa Resources e das pessoas que estiverem em propriedades nas áreas com potencial de inundação. A empresa é responsável pelos avisos na chamada Zona de Autossalvamento (ZAS), definida como a região situada abaixo da barragem, a qual se considera não haver tempo suficiente para uma intervenção das autoridades competentes em caso de acidente. “De acordo com a recomendação da Agência Nacional de Águas (ANA), a ZAS pode ser definida como a área atingida pela mancha hipotética de ruptura da barragem no menor tempo: 30 minutos ou dez quilômetros”, informa o relatório.
Defesa Civil
As regiões mais distantes da Barragem da Pedra devem ser alertadas pela Defesa Civil. A assessoria do órgão, por meio de nota, confirmou o conhecimento do plano de emergência. “Toda empresa que possui barragens tem que ter um Plano de Atendimento de Emergência, no qual está descrito, justamente, como deverá ser a resposta ao desastre, caso o mesmo ocorra. Esse plano é apresentado à Defesa Civil para conhecimento, mas é importante deixar claro que não cabe a ela a fiscalização das barragens, pois esta é de competência dos órgãos ambientais estaduais.”
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População pede esclarecimentos sobre possível impacto
Apesar do Plano de Ações Emergenciais (PAE) da Nexa Resources ter sido criado com o “objetivo de salvaguardar vidas e reduzir impactos ambientais e patrimoniais”, como o próprio relatório destaca, as medidas desenvolvidas não tiveram ampla divulgação para boa parte dos possíveis envolvidos. Os moradores das comunidades dos bairros apontados como as áreas com potencial de inundação desconhecem as orientações em caso de ruptura das barragens da Pedra e dos Peixes. O alarde provocado após a tragédia em Brumadinho também fez com que a população cobrasse esclarecimentos à Câmara Municipal, o que motivou o pedido de uma visita da Comissão de Urbanismo, Transporte, Trânsito, Meio Ambiente e Acessibilidade às barragens da Nexa, realizada na terça-feira (5). Ainda haverá audiência pública sobre o assunto, a ser agendada após o recesso parlamentar — as atividades do Legislativo retornarão na próxima sexta (15).
Em entrevista à Tribuna, o presidente da Associação de Moradores dos Bairros Igrejinha, Jardim Cachoeira e Vila São João Batista, Luís Carlos Barbosa (Cachoeira), contou que fez contato com a empresa em dezembro do ano passado para conhecer as estruturas e obter informações sobre as condições de segurança. “Foi um pedido nosso, pois sabemos que as barragens são enormes e estão muito próximas a nós. Isto já gerava uma preocupação, que aumentou após o ocorrido em Brumadinho.” Na visita, ele foi acompanhado de um grupo de moradores do bairro.
Segundo Cachoeira, a empresa se colocou aberta a receber a comunidade e esclarecer dúvidas. “Nesta visita, os representantes da Nexa nos disseram que estava tudo sob controle e que há fiscalizações recorrentes. Mas depois da tragédia em Brumadinho, nós decidimos solicitar uma nova reunião, pois sabemos que nenhuma barragem é cem por cento segura.” O segundo encontro aconteceu em 1º de fevereiro. “Eles explicaram que, em caso de ruptura, será tocado um alarme. Os trabalhadores da empresa são os primeiros a serem atingidos por um eventual acidente, mas a nossa comunidade também precisa estar em alerta. Nós ainda temos dúvidas sobre como seria feita a evacuação, mas estamos mantendo um contato mais próximo com a empresa para sermos orientados.”
O presidente da Associação de Moradores do Bairro Benfica, Ronaldo Tadeu Magalhães, diz que, desde que as barragens foram construídas, as comunidades não receberam orientações sobre as ações emergenciais. “Definitivamente, não estamos preparados sobre como proceder em caso de rompimento. Desconhecemos qualquer medida que deva ser tomada. Falo isto pelos moradores de Benfica e também de bairros vizinhos. A empresa nunca nos procurou, o que seria muito importante para evitar informações falsas e o aumento da preocupação dos moradores”, avalia. “Sabemos que serão agendadas audiências públicas na Câmara e irei cobrar estas orientações.”
Nas ruas dos bairros próximos às barragens, o clima de insegurança e incerteza é grande. “Estamos todos consternados com o que aconteceu na Vale e receosos que algo parecido possa acontecer aqui. Seria importante a empresa se manifestar diretamente com a comunidade ou por meio de uma nota oficial na imprensa para tranquilizar a população”, disse a moradora do Bairro Benfica Meirimar Albuquerque, 42 anos. “Moro há 30 anos no Bairro Ponte Preta e nunca ouvi falar de orientações em caso de ruptura das barragens. Se isto fosse de conhecimento da população, com certeza, a gente saberia”, opina o operador de guincho Júlio César de Jesus, 50. “Gostaríamos que a empresa esclarecesse se existem sirenes, qual é o perigo que o material armazenado oferece, quais bairros podem ser atingidos. Nós não sabemos de nada”, destaca o também morador do Bairro Ponte Preta, o motorista Sílvio Manuel Brandão, 50.
O servente de obras Márcio Valério da Silva, que reside no Bairro Araújo, diz que a falta de informações aumenta o medo da população. “Ficamos preocupados, pois não sabemos quais são as condições destas barragens. Seria importante se (representantes da Nexa) falassem sobre isso.” Morador do Bairro Igrejinha, o comerciante Adilson Alves dos Reis, 60, propõe que as vistorias nas barragens sejam também realizadas por pessoas de fora da empresa. “Seria interessante que fosse montado um grupo que tivesse representantes do Poder Público, dos órgãos de fiscalização e dos moradores para ajudar neste monitoramento e na transmissão das informações à população.”
Ações de monitoramento devem ser frequentes
Para além do plano de ações emergenciais (PAE), a Nexa é responsável pelo monitoramento das condições das barragens, realizado, normalmente, por meio de instrumentação geotécnica, como destacam Mário Vicente Riccio Filho, professor do Departamento de Transportes e Geotecnia da Faculdade de Engenharia da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), e José Mário de Oliveira, geógrafo e técnico em mineração. “Os geotécnicos utilizam instrumentos básicos, como marcos com hastes em suas bases para verificar possíveis movimentações, postos de monitoramento — mecanismos que medem o valor de umidade e de água no interior da barragem — e inclinômetros implantados na parte superior da barragem, para acusar qualquer movimento no interior da barragem”, detalha José Mário.
Riccio destaca a possibilidade de utilização de sistemas manuais e automatizados. “Há instrumentos que fazem a leitura de vários dados, como pressão de água, deformações, movimentações etc., o que permite à empresa antever um problema maior”, ressalta. “Há instrumentos de leitura manual, acompanhados por uma equipe que, posteriormente, envia os dados a um escritório para avaliação, e há, também, sistemas totalmente automatizados que trabalham sete dias por semana, 24 horas por dia. Se a pressão de água no interior do maciço atinge determinado valor crítico, por exemplo, um alarme é ligado. As empresas têm medidas para evitar danos maiores.” Para Riccio, ainda que barragens sejam inativas — como a Barragem dos Peixes, por exemplo —, a continuação do monitoramento com instrumentos geotécnicos é importante.
José Mário, entretanto, ressalta a necessidade de fiscalização frequente dos instrumentos de geotecnia, uma vez os rompimentos ocorrerão em caso de avaliações incorretas. “Normalmente, como as barragens são construídas em fundos de vales, há um córrego ou um lençol freático muito superficiais. As empresas fazem, usualmente, nas barragens, uma drenagem na parte inferior e uma drenagem vertical com areia, porque, quando há infiltração, a água acha um escape rapidamente. Caso haja um erro de cálculo, por exemplo, a barragem vai romper por causa do empuxo, da massa que está acima, seja água, rejeito etc.” Conforme José Mário, em caso de drenagem mal feita, a água pressiona os poros da barragem. “Cada vez mais que a umidade desce e se concentra, vai pressionar o interior da barragem, empurrando também a sua parte inferior. A barragem normalmente começa a se romper pela parte inferior.”
Conforme descrito no parecer de licenciamento ambiental, a Nexa adota procedimentos preventivos como inspeções regulares de segurança; monitoramento das condições da estrutura por meio de leituras e análises de instrumentação; manutenção regular do maciço, das estruturas civis e da instrumentação que compõe a barragem; e inspeção anual de segurança regular. “Anualmente, a empresa realiza a auditoria técnica de segurança na barragem, elabora o relatório de inspeção de segurança regular, emite a declaração de estabilidade da barragem e preenche o extrato de inspeção de segurança regular observando os prazos e modo de envio definidos na legislação. O relatório apresenta a avaliação do resultado da inspeção e revisão dos registros de instrumentação disponíveis, indicando a necessidade de manutenção e reparos.” O documento também especifica as ações corretivas a serem feitas em caso de detecção de alguma anomalia.
Sirenes ainda serão implantadas
Procurada pela Tribuna, a assessoria da Nexa Resources reiterou que as barragens da Pedra e dos Peixes possuem planos de emergência e que os documentos foram disponibilizados para Defesa Civil, Prefeitura de Juiz de Fora e Corpo de Bombeiros. “Estamos em fase de aquisição e implantação das sirenes e, em seguida, faremos os simulados com as comunidades.” A expectativa é de que a sirene de alerta seja implantada até dezembro deste ano. Os alarmes internos para os trabalhadores da planta industrial já existem.
Em entrevista à Rádio CBN Juiz de Fora da última terça-feira (5), a capitã do Corpo de Bombeiros Nágela Lamim da Silva Freire confirmou que, diante da ampliação da Barragem da Pedra, a Nexa Resources procurou a corporação para solicitar treinamentos futuros junto à população do entorno. “A gestão de risco passa pelo entendimento da população que está situada nas áreas de risco. Nós queremos trabalhar com prevenção, por isso, a empresa já tem a proposta de treinar os moradores para o caso de uma emergência.”
Na explicação de especialistas, a sirene é um instrumento essencial às barragens, pois é por meio dela que a comunidade é alertada em caso de risco de rompimento da estrutura. Na última sexta-feira (8), a sirene que monitora a barragem Sul Superior da Mina do Gongo Soco, também da Vale, localizada no município de Barão de Cocais, na região central de Minas, emitiu alerta à população sobre a possibilidade de ruptura. Cerca de 500 moradores das comunidades de Socorro, Tabuleiro e Piteiras evacuaram as localidades após o aviso sonoro.
Já em Itatiaçu, na região metropolitana de Minas, cerca de 200 moradores do Bairro Pinheiros tiveram que abandonar suas casas após bombeiros e policiais militares passarem de casa em casa avisando sobre o aumento dos riscos de rompimento da barragem de Serra Azul, de propriedade da ArcelorMittal, situada a cinco quilômetros da comunidade. Tanto a barragem de Barão de Cocais quanto a de Itatiaçu foram construídas com alteamento a montante.