Se há um único consenso entre os mais diferentes atores políticos de Juiz de Fora e a sociedade local este é a necessidade da reabertura do pronto atendimento no Hospital Regional João Penido, no Bairro Grama. A suspensão dos serviços de urgência e emergência se deu ainda em 2014, por conta de obras na unidade hospitalar, e deixou uma população de dezenas de milhares de pessoas que vivem na Região Nordeste de Juiz de Fora desassistida. De lá para cá, muitos foram os encontros e as propostas, mas nenhuma resolução. No fim de dezembro, no entanto, o Governo de Minas, por meio da Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (Fhemig), sinalizou uma solução e lançou um edital que passa pela transferência da gestão do aparelho de saúde para uma organização social, com proposta de reabertura do pronto atendimento no prazo de seis meses e ao custo de R$ 65 milhões por ano. A proposta, todavia, está longe de ser consensual.
O certame, que visa a contratação de uma entidade sem fins lucrativos, qualificada ou que pretenda se qualificar como Organização Social (OS), segue em tramitação. As resistências existem em alguns setores da sociedade, em especial, naqueles mais ligados ao funcionalismo público estadual. Por outro lado, o edital é visto por outros grupos como a única saída de momento para a retomada do atendimento de porta no João Penido, equacionando, enfim, uma velha reivindicação da população local, em especial, daquela que mora nos bairros da Zona Nordeste.
Para além dos pontos de vista distintos, a comunidade da região anseia pela reabertura – o quanto antes – do pronto atendimento no hospital. “Já faz quase oito anos que, nós, da Região Nordeste, que é a região no entorno do hospital e que forma uma população de mais de 60 mil habitantes, não temos serviço de urgência e emergência. Quando nós precisamos, temos que buscar esse serviço em outras regiões. Podendo chegar até ter que andar mais de 20 quilômetros de distância para conseguir o atendimento. A população não aguenta mais”, explica Laurindo Rodrigues, que integra uma comissão de moradores dos bairros da região, que trabalha pela reabertura do atendimento de porta do Hospital João Penido.
Sobre as discussões em torno do mérito da proposta recentemente apresentada pela Fhemig, Laurindo afirma que a preocupação da comunidade é de que Município e Estado cheguem a um acordo que resulte na retomada do pronto atendimento “o mais rápido possível”. “Enquanto comunidade, nós só temos a preocupação de que o serviço não seja precarizado, e de que não venha cair a qualidade do serviço que o hospital já presta. Nós queremos a solução do problema que está nos afetando, que é a falta do atendimento de porta. A partir das 17h, de segunda a sexta; no sábado e domingo; e nos feriados, aquela região fica totalmente descoberta do serviço de urgência e emergência”, explica.
Noraldino e Sheila se dizem favoráveis ao certame; Betão é contra
Os entendimentos distintos sobre o tema podem ser exemplificados pelo posicionamento dos três deputados estaduais eleitos por Juiz de Fora em 2018. De um lado, Betão (PT) é contra a proposta; enquanto Delgada Sheila (PSL) e Noraldino Júnior (PSC) veem o novo modelo de gestão como uma solução para o problema que já se estende há anos.
Interlocutor das discussões com o Estado na busca pela reabertura do pronto atendimento de porta do Hospital Regional João Penido, o deputado estadual Noraldino Júnior (PSC) defende que o edital para transferir a gestão da unidade para uma organização social “foi a forma encontrada para reabrir as portas do hospital”. “O fechamento do pronto atendimento trouxe um um transtorno muito grande para a cidade. Isso sobrecarregou as demais unidades de urgência e emergência ao tirar da Região Nordeste este atendimento”, avalia.
Para Noraldino, a necessidade de reabrir as portas da urgência e emergência no João Penido atende, inclusive, a demandas de cidades vizinhas, como, por exemplo, Piau, Coronel Pacheco, Rio Novo e Chácara, “que tinham no João Penido o posto de atendimento mais próximo”. Assim, o parlamentar entende que a solução sinalizada pelo Governo é o caminho para superar as dificuldades de gestão da própria Fhemig e outras limitações administrativas. “Dentro do edital está previsto não só a reabertura do pronto atendimento, mas, também, a previsão de um aumento gradativo da produtividade do Hospital João Penido, mantendo os salários e a garantia dos postos de trabalho dos servidores”, afirma.
A deputada estadual Delegada Sheila também se diz favorável ao edital. “A Região Nordeste da cidade tem sofrido sem assistência de urgência e emergência, que está paralisada no Hospital João Penido. Eu conheço e visito a região e sei que o hospital tem estrutura, mas não tem recurso, e, por isso, a chegada de uma organização social poderia resolver esse gargalo de gestão. Na minha opinião, não adianta fazer oposição só para fazer oposição. Temos que pensar no bem-estar da população como um todo.”
‘Privatização’
O deputado estadual Betão realizou uma live na última quarta-feira (5), em que discutiu o tema com representantes do Sindicato Único dos Trabalhadores da Saúde de Minas Gerais (Sind-Saúde/MG). Na ocasião, foram defendidos posicionamentos contrários à transferência da gestão do Hospital Regional João Penido para uma organização social. Assim como os sindicalistas, o parlamentar chegou a classificar a proposta como uma “privatização” da unidade hospitalar e sinalizou a realização de uma audiência pública na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) para debater o tema.
Betão ainda questionou o “timing” do lançamento do edital pela Fhemig, que ocorreu durante os recessos da ALMG e da Câmara Municipal de Juiz de Fora. O deputado reconhece o anseio da população pela reabertura do atendimento de porta do Hospital Regional João Penido, mas defende que a saída se dê por outros caminhos, já discutidos no âmbito da Assembleia Legislativa. “Parece que estamos indo para trás, indo na contramão das discussões que estão sendo feitas, com essa proposta de entregar para uma organização social. Quem será essa organização social?”, questiona, ao apontar que a mudança do modelo de gestão pode comprometer o desenvolvimento de projetos hospitalares de interesse público, como o parto humanizado.
Na Câmara, também não há consenso sobre o tema
Outros atores políticos da cidade também têm defendido a nova modelagem proposta pela Fhemig. É o caso do presidente da Comissão de Saúde Pública e Bem-estar Social da Câmara Municipal de Juiz de Fora, o vereador Bejani Júnior (Podemos). “A reabertura do atendimento de porta de urgência e emergência do Hospital João Penido é de suma importância. Estamos falando de toda a cidade, pois isso desafoga a UPA de São Pedro, desafoga a UPA de Santa Luzia, desafoga a UPA Norte e desafoga o próprio HPS e a Regional Leste”, ressalta.
O vereador disse ainda que participou de interlocuções, juntamente com o deputado estadual Noraldino Júnior, que resultaram na proposta do novo modelo de gestão da unidade hospitalar. “Estamos lutando pela reabertura do atendimento de porta, pela qualidade do serviço, pelos profissionais que ali dentro estão, e pelo povo que busca o atendimento”, resumiu.
Contrária à proposta, a vereadora Cida Oliveira (PT) já entrou com um requerimento em que solicita a realização de uma audiência pública na Câmara para debater o tema. Cida defende uma mobilização dos trabalhadores da saúde e da população contra a transferência da gestão para uma organização social, que é vista pela parlamentar como um processo de privatização e de precarização da prestação dos serviços públicos. “Quando se tem um serviço público unicamente público, ele tem qualidade para a população”, defende.
Prefeitura
Ainda sobre o tema, a reportagem solicitou um posicionamento da Prefeitura, que, até a edição deste texto, ainda não havia respondido à demanda.
Pedido de impugnação de edital feito por deputada é indeferido
Ante aos questionamentos diversos acerca do edital que pretende transferir a gestão do Hospital Regional João Penido para uma organização social, a deputada estadual Beatriz Cerqueira (PT) entrou, no último dia 30 de dezembro, com um pedido de impugnação do certame aberto pela Fhemig, após a publicação do comunicado no dia 28 do mês passado. “O Governo Zema quer entregar a gestão do Hospital Regional João Penido para a iniciativa privada. Sabemos que isso trará prejuízos irreparáveis para a população”, afirma a parlamentar.
Beatriz disse que encontrou “várias ilegalidades” ao analisar o edital e pediu o cancelamento do certame pela “existência de vícios insanáveis que maculam o objeto da contratação pretendida de ilegalidade”. Entre os supostos problemas, a parlamentar elencou a “não aprovação pelo Conselho Estadual de Saúde da transferência da gestão de unidades hospitalares para as OS’s”; e a “ausência de motivação a justificar o ato administrativo de terceirização/privatização do serviço público prestado pelo Hospital Regional João Penido”.
Indeferimento
Em nota encaminhada à reportagem, a Fhemig afirmou que recebeu o pedido de impugnação do edital. “Tal documento foi analisado pela equipe técnica da Fhemig, os questionamentos levantados foram respondidos, de forma a esclarecer tecnicamente pontos do processo de seleção pública abordados.” Após tomar conhecimento das alegações feitas pela deputada, a Fundação optou pelo indeferimento da requisição, conforme documento publicado na última quinta-feira.
Fhemig nega terceirização e reforça estabilidade
Atualmente, segundo informações da própria Fhemig, o Hospital Regional João Penido conta com 809 servidores efetivos e 130 contratados, estes últimos, nas áreas assistencial e administrativa. Sobre o quadro de pessoal, a Fundação ressalta que os servidores efetivos possuem estabilidade e, portanto, “não serão demitidos ou exonerados” com a adoção do novo modelo de gestão proposto para a unidade hospitalar. “Além disso, é importante destacar que o servidor não perderá nenhum dos direitos e benefícios que hoje possui. Conforme previsto na Lei nº 23.081/2018, o servidor poderá optar ou não pela cessão especial à OS”, diz a Fhemig, em nota encaminhada à Tribuna.
A Fundação afirmou ainda que a decisão pelo novo modelo de gestão sugerido para o Hospital Regional João Penido se dá sob o entendimento de que “as organizações sociais têm maior autonomia para conduzir, em menor prazo, a contratação de serviços e aquisição de equipamentos e insumos”. Assim, o argumento é de que a nova modelagem de administração da unidade hospitalar possibilitaria maior “celeridade dos processos administrativos e ampliação da assistência”. “A redução de burocracias nesses processos gera mais eficiência, proporcionando melhorias para o usuário do Sistema Único de Saúde (SUS)”, diz a Fhemig.
Privatização?
Uma das principais críticas ao novo modelo proposto para gestão do Hospital Regional João Penido é de que se trataria, na prática, de uma “privatização” da unidade hospitalar localizada na Região Nordeste de Juiz de Fora. O argumento, todavia, é rechaçado pela Fhemig. “A gestão por Organização Social não se trata de privatização ou terceirização de serviços, mas, sim, de descentralização de gestão, conforme Lei Estadual nº 23.081/2018 – que dispõe sobre o Programa de Descentralização da Execução de Serviços para as Entidades do Terceiro Setor e dá outras providências – que fundamenta a publicação do Edital Fhemig 02/2021. A responsabilidade direta pela administração da unidade fica a cargo da OS, mas o patrimônio e o serviço de saúde continuam sendo públicos, 100% SUS”.
Fundação afirma que reabertura do pronto atendimento se dará por maior autonomia de OS
À reportagem, a Fhemig afirmou que “é prestadora de serviços, contratada pelo gestor municipal, que solicita a inclusão de serviços, assim como leitos para assistência”. Por outro lado, ressalta que a reabertura do atendimento de porta da unidade hospitalar será possível uma vez que, segundo entendimento manifestado pela Fundação, “as organizações sociais têm maior autonomia para conduzir, em menor prazo e com menos burocracias, a contratação de pessoal, de serviços e aquisição de equipamentos e insumos, possibilitando a celeridade dos processos administrativos e ampliação da assistência”. A Fundação destaca ainda que “o edital menciona que o serviço de pronto atendimento está previsto para ser implantado até o sexto mês após a efetivação da parceria, com início de operação até o sétimo mês”.
Além disso, a Fundação ressalta que a implementação ou melhoria de outros serviços são objetivados com a adoção do novo modelo de gestão do hospital, em parceria com uma organização social a ser escolhida por meio de chamamento público. Entre eles, são elencados o aumento das internações hospitalares em até 105%, permitindo maior absorção das demandas da macrorregião; a abertura de unidade de atendimento de queimados de média complexidade; a habilitação de novos leitos de UTI e de saúde mental; a ampliação do atendimento oferecido pelo centro de reabilitação (CER), incluindo deficiências físicas e visuais; oferta de acompanhamento a pacientes pediátricos traqueostomizados; e Acreditação ONA 2, que se trata de um selo de excelência de gestão na saúde.
A despeito da transferência da gestão para uma organização social, a Fhemig afirma que ainda desempenhará papel importante na gestão do hospital e permanecerá com a função de elaborar e conduzir as diretrizes da política pública de saúde, “além de fiscalizar o contrato de gestão com a entidade selecionada, atuando de maneira incisiva no monitoramento periódico e na avaliação dos resultados”.
Edital prevê repasse de R$ 129 milhões em dois anos para vencedora
O edital para a contratação de uma entidade sem fins lucrativos, qualificada ou que pretenda se qualificar como Organização Social (OS), foi publicado pela Fhemig no último dia 28 de dezembro. Segundo o texto, o valor estimado a ser repassado pela Fundação à entidade escolhida, por meio do contrato de gestão, é de R$ 129.175.921,13, “correspondente à vigência inicial do contrato de gestão, de 24 meses”.
Para buscar a parceria, a organização social selecionada deve comprovar experiência em gestão na área de saúde por, no mínimo, dois dos últimos cinco anos. As propostas para a seleção devem ser encaminhadas, exclusivamente, por meio do Sistema Eletrônico de Informações (SEI!MG) entre os dias 18 e 24 de janeiro de 2022.
Hospital referência
A intenção é repassar para a entidade escolhida a gestão do Hospital Regional João Penido, que é referência em maternidade de alto risco para cerca de 1,7 milhão de habitantes de 94 municípios da macrorregião Sudeste de Minas Gerais. Atualmente, a unidade ainda oferece consultas e internações em especialidades diversas, como pneumologia sanitária, gastroenterologia, cardiologia e cirurgia geral, entre outras. O hospital também possui leitos de terapia intensiva para adultos, crianças e recém-nascidos, além de centro de reabilitação para incapacidades físicas.