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PM aponta envolvimento de parte das vítimas de homicídios em 825 crimes

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Levantamento realizado pela Polícia Militar e divulgado com exclusividade pela Tribuna revela que parte das vítimas de homicídios em 2017 foi identificada como suspeita em 825 delitos cadastrados nos Registros de Evento de Defesa Social (Reds). A pesquisa foi realizada com base nos arquivos desde a implantação do sistema, em substituição ao antigo boletim de ocorrência, em março de 2009. Apesar de o número exato de pessoas mortas com passagens policiais não ter sido informado, o comandante da 4ª Região da PM, coronel Alexandre Nocelli, pondera: “Há vítimas que não têm envolvimento em crime algum. Mas a maioria figura como autora.” O dado assustador partiu das 111 ocorrências de homicídios contabilizadas pela PM no ano passado, as quais resultaram em 117 óbitos e também deixaram na hora quatro pessoas com ferimentos graves, sete com lesões leves, além de 13 ilesas. A estatística difere das 137 mortes violentas somadas pela Tribuna no mesmo período, porque o jornal também leva em conta os falecimentos ocorridos nos hospitais, mas em decorrência das ações criminosas, e os casos de latrocínio (roubo seguido de morte).

Para coronel Alexandre Nocelli, os dados da escalada da violência nos últimos anos no município são “estarrecedores”, e a situação é “cruel (Foto: Leonardo Costa)

Nesta segunda reportagem da série “Vidas perdidas – um raio X dos homicídios em JF”, a intenção é mostrar como a PM trabalha as informações contidas nos Reds para atuar nas esferas da criminalidade mais vistas e também mais cobradas pela sociedade: a prevenção e a repressão aos crimes contra a vida. Para o coronel Nocelli, o suposto envolvimento de vítimas em tantos crimes pode ser explicado pelo “ciclo da impunidade, que incide de maneira muito agressiva na dinâmica do homicídio”. Entre os principais delitos supostamente cometidos por esse grupo estão tráfico de drogas (110), ameaça (104), lesão corporal (91), furto (70), atrito verbal (49), roubo (43), homicídio (29), uso e consumo de drogas (21), além de disparo de arma de fogo (17) (ver arte).

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Outro elemento que corrobora a possível ligação de boa parte das vítimas assassinadas no ano passado com o mundo do crime é que uma parcela já esteve envolvida em 390 prisões desde 2009. Os motivos das detenções foram, em sua maioria, tráfico (85), lesão corporal (45), furto (36), ameaça (35), porte ilegal de arma de fogo (23), roubo (20), uso de drogas (18), receptação (13), vias de fato/agressão (12) e homicídio (9) (ver arte). “Isso significa que, via de regra, boa parte das vítimas tem envolvimento em outros crimes”, assegura o comandante da 4ª RPM.

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Para ele, os dados da escalada da violência nos últimos anos no município são “estarrecedores”, e a situação é “cruel”. “Há uma visão muito distorcida da segurança pública. Não é só questão de polícia, em nenhum lugar do mundo. Homicídio é uma questão pura e simplesmente de fundo social. Juiz de Fora realmente assistiu um crescimento quando saímos dos anos de 2010, 2011. Precisamos de uma resposta para atacarmos as causas. Por que cresceu dessa forma? Tínhamos 46 homicídios em 2011, uma taxa que nem na Europa havia”, analisa.

PM identifica 77 autores e flagra reincidência criminal

Até o dia 15 de dezembro, a PM conseguiu chegar a 77 possíveis responsáveis pelos assassinatos de 2017, prendendo 24 deles e apreendendo outros três em flagrante, o equivalente a 35% dos identificados. Vale lembrar que um crime pode ter múltipla autoria. “Tivemos 47 registros com identificação dos autores, coautores ou suspeitos”, aponta o comandante da 4ª Região da PM, coronel Alexandre Nocelli, mostrando apuração em quase 43% dos 111 casos contabilizados. A corporação considera homicídio consumado quando a morte acontece na hora ou ainda durante a confecção da ocorrência. Em 2017 houve 162 tentativas de assassinato, 22,49% a menos do que as 209 contabilizadas em 2016.

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Na avaliação do comandante, chama a atenção o fato de que parte dos 77 supostos assassinos aparece também como suspeita em outros 530 Registros de Evento de Defesa Social (Reds), desde 2009. Entre os delitos mais comuns das anotações anteriores destacam-se tráfico de drogas (63), ameaça (45), lesão corporal (42), roubo (32), posse ilegal de arma de fogo (31) e furto (29). Há caso em que o mesmo suspeito aparece em três homicídios, e outro, em dois.

Desde 2009, esses mesmos 77 suspeitos de crimes fatais já foram presos 281 vezes apenas em Juiz de Fora. Se levarmos em conta as detenções ocorridas em outros municípios mineiros, o número chega a 436. A estatística revela a grave reincidência criminal. “Percebemos como é essa dinâmica perversa de se prender e depois a pessoa estar na rua cometendo homicídio”, dispara o coronel Nocelli. “Temos um problema sério e crônico neste país que precisa ser resolvido de legislação e sistema de persecução penal. É impossível a comunidade conviver com um ciclo pernicioso desse, em que prendemos 281 vezes e eles estão na rua praticando crime. Isso tem que ter um basta, tem que parar. É dinheiro público e esforço que vai para o ralo. Nossa polícia tem suas mazelas, mas a eficiência não pode ser questionada. Precisamos acordar para esta situação, ver onde está o problema.”

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“Estamos tendo um déficit na juventude deste país”

O comandante da 4ª Região da PM, coronel Alexandre Nocelli, destaca a importância do combate ao comércio de entorpecentes na prevenção de assassinatos. “Percebemos que envolvimento com droga, vingança e ação de gangues são prevalentes nas causas presumidas dos homicídios. Temos diretriz de atacar o tráfico, porque está intimamente ligado. Tivemos um aumento considerável dessas ocorrências (de drogas) em Juiz de Fora, mas não atribuo a queda (dos crimes contra a vida) a isto.”

Além de combater o tráfico, tido como pano de fundo em cerca de 90% dos homicídios, conforme dados da Polícia Civil, a PM garante estar focada na apreensão de armas de fogo, presentes em 85% dos assassinatos, conforme levantamento da Tribuna. “O que mais nos preocupa são as semiautomáticas e as novas. Já estamos apreendendo mais pistolas do que revólveres”, observou o comandante, constatando o poder de fogo dos bandidos. “Nos preocupa muito as armas de fogo nas mãos de marginais. Quando tiramos uma de circulação, esta não será utilizada em homicídio ou roubo.” Ele destaca a apreensão de três metralhadoras de fabricação caseira em 2017. “Nosso foco é não permitir que as semiautomáticas cheguem, por isso fazemos trabalho de inteligência voltado para essa questão.” O monitoramento também é feito por meio das redes sociais. “Este ano vamos potencializar mais este acompanhamento, com um plano de redução de homicídios”, diz o coronel Nocelli, afirmando já ter conseguido evitar assassinatos e prender pessoas com a vigilância virtual.

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O comandante afirma não haver enfrentamento à PM, apesar de alguns casos pontuais de viaturas atacadas a pedradas, e militares ameaçados com armas. Um dos homicídios de 2017 inclusive ocorreu durante perseguição a suspeitos de assalto. No dia 7 de novembro, Higor Ozório, 19 anos, foi morto a tiros por militares depois de atirar contra uma viatura da PM no Guaruá, Zona Sul. Ele e seu comparsa, 21, fugiam da polícia depois do assalto a um apartamento e ainda foram flagrados pela PM tentando roubar o motorista de um carro. O parceiro foi detido em flagrante. “Não temos este problema de enfrentamento ativo e não vamos permitir isso. A opção é do bandido. Se resolver enfrentar, vai arcar com as consequências.”

“Temos um déficit social, não só aqui, mas no país todo. Precisamos canalizar a energia de meninos, olhar a juventude com mais carinho, com mais cuidado. E não adianta só polícia”

Para ele, a reincidência criminal não pode ser analisada de forma isolada. “Temos um déficit social, não só aqui, mas no país todo. Precisamos canalizar a energia de meninos, olhar a juventude com mais carinho, com mais cuidado. E não adianta só polícia, tem que vir a universidade, os órgãos constituídos, a sociedade civil tem que pensar nisso. É uma análise do sistema como um todo. Não está em jogo a questão de homicídio, prisão, polícia. Estamos tendo um déficit na juventude deste país. São meninos entre 14 e 24 anos que estão morrendo. E, quando não são vítimas, são autores de homicídios. Deveriam estar fazendo tudo, menos matando. Lá na frente vamos ter um problema muito sério para o Brasil.”

Mulher lamenta homicídio de irmão inocente

Apesar de o levantamento da Polícia Militar escancarar o suposto envolvimento de vítimas de homicídio no ano passado em centenas de crimes anteriores, o fato de os atiradores estarem cada vez mais ousados e inconsequentes resulta também na morte de inocentes. Um dos casos apontados pela Polícia Civil é o do promotor de vendas Bruno Messias Campos, 29 anos, executado com quase 20 tiros de pistola 9 mm em plena luz do dia, em 7 de novembro, na Avenida Agilberto Costa, no São Benedito. A via foi uma das mais sangrentas em 2017, com quatro óbitos violentos, e o bairro apareceu no segundo lugar do triste ranking de assassinatos, com dez casos, conforme mostrou levantamento da Tribuna na primeira reportagem da série “Vidas perdidas”, no último domingo.

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“Quando você já tem alguém da família que mexe com algo errado, até espera. Mas ele não estava envolvido”, lamenta uma irmã de Bruno, 24, acrescentando que ele iria se casar no dia 1º de dezembro, após nove anos de relacionamento, e também deixou uma filha, 13. As investigações conduzidas pelo delegado Rodrigo Rolli apontam que o promotor de vendas teria sido executado por engano. Um dos suspeitos de assassiná-lo, 19, é conhecido como uma espécie de matador do São Benedito e foi apresentado à imprensa no fim do ano, após ser capturado pela PM junto com um comparsa e com quatro armas de fogo. Segundo o delegado, a vítima teria saído de um mecânico falando de forma mais exaltada ao celular e teria sido confundida com possível rival do Santa Cândida. “Bruno morreu de forma equivocada. Acharam que ele estaria ali como represália, a fim de matá-los. Mas na verdade ele estava ali só para consertar o veículo dele.” O inquérito foi encaminhado à Justiça, com a prisão temporária do suspeito e de um cúmplice decretadas.

De acordo com a irmã da vítima, a família é do Santa Luzia, Zona Sul, mas Bruno havia se mudado para a Agilberto Costa há cerca de cinco anos para morar com a noiva. “Ele contava dos tiros, mas a gente pensava que só morria quem mexia com coisa errada. Ele também tinha esse pensamento, de a maioria ter envolvimento com o tráfico, venda ou uso de droga. Não pensava que fosse acontecer com ele.” Segundo a auxiliar de van escolar, o irmão ainda preferia passar seus dias de folga e as férias no Santa Luzia. “Não tinha hábito de andar nas ruas do São Benedito, mas sempre se deu bem com todo mundo lá.”

“Ninguém vai trazê-lo de volta”

No dia em que Bruno Messias Campos foi brutalmente assassinado no São Benedito, a auxiliar de van escolar demorou a acreditar que se tratava de seu irmão. “Eu liguei para ele por volta das 14h, porque viria aqui em casa, e ele falou que ia ver se o carro estava pronto na oficina. Uma hora depois, minha mãe me telefonou desesperada, não conseguia nem falar direito, porque já estava no local. Depois alguém me disse: ‘Seu irmão tomou um tiro’. Eu perguntei para onde estavam levando o Bruno, se era para o HPS. Mas ele respondeu: ‘Não, moça. Seu irmão levou mais de 20 tiros e está morto.’ Larguei meu serviço e corri para lá.”

O promotor de vendas era o primogênito da família, que ainda conta com uma filha caçula, 21. “Ele era um pouco paizão de todos. Meus pais são separados, e ele gostava de unir todo mundo. Visitava muito minha avó e passeava sempre com meu filho.” A mulher confirma a inocência do irmão, mas ainda tem dúvidas se ele foi morto mesmo por engano ou por alguma intenção, embora estivesse mesmo exaltado ao celular por estar resolvendo as questões finais do casamento, como os convites. “A morte dele mudou muito a minha rotina, não sabemos por que fizeram isso.” A moradora do Santa Luzia relata ter mais tranquilidade onde mora atualmente, mas não acredita na redução da criminalidade no município. “Mudar não vai, porque a rivalidade só está crescendo, e estão matando por pouca coisa. Infelizmente, a violência só vai aumentar.”

A auxiliar espera por justiça para aliviar sua dor. “Quero que prendam o outro, porque só pegaram um. Hoje em dia, matar está muito fácil. Fica preso por um tempo, mas sai por bom comportamento. Matou e fica por isso mesmo. Se não mudarem as leis, não resolve. Mas ninguém vai trazê-lo de volta.” Ela declara que a tragédia foi um “baque” para toda a família. “Meu pai está em depressão. Para minha mãe, acho que a ficha ainda não caiu, porque está sendo muito forte. E minha avó piorou, porque já é de idade e ia ver o primeiro neto casar. Agora fica conversando com a foto dele.”

Outra matéria da série:

JF perde 137 vidas em 2017 para o crime, cerca de 90% ligados ao tráfico

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