Quem passou pela Praça do Riachuelo, na região central de Juiz de Fora, na manhã desta segunda-feira (8), notou uma movimentação intensa na unidade da Sala do Empreendedor instalada no local. A iniciativa visa atuar junto aos ambulantes da Avenida Getúlio Vargas na transferência dos pontos de vendas para a nova localidade, consequência da reorganização do trânsito na avenida, um dos pontos tradicionais do comércio popular do município. Entretanto, lojistas do Santa Cruz Shopping, que atuam em frente à praça que receberá os comerciantes, e donos de estabelecimentos na Rua São Sebastião, também nas proximidades do local, ameaçam manifestação contrária à medida caso ela se confirme.
O processo de regularização dos ambulantes na Sala do Empreendedor acontece na esteira de uma série de mudanças que ocorrerão no trânsito da região central em função da construção do Viaduto Hélio Fadel. A inauguração da obra viária, que fará a ligação entre a Avenida Francisco Bernardino e a Avenida Brasil, está prevista para o final deste mês e terá reflexos iniciais em trecho da Getúlio Vargas, entre a Rua São Sebastião e a Rua Floriano Peixoto.
Na visão da Secretaria de Sustentabilidade em Meio Ambiente e Atividades Urbanas (Sesmaur) da Prefeitura de Juiz de Fora (PJF), para garantir a mobilidade na Getúlio Vargas, com o aumento no número de vagas na Área Azul, será necessário realocar os ambulantes que trabalham no local, sejam os regularizados ou os irregulares. “Hoje, do jeito que os ambulantes estão instalados, eles ocupam espaço da via na Área Azul, o que acaba colocando eles em risco, ou então eles estão na calçada, e as pessoas acabam transitando pela via. Essa é uma forma de a gente garantir o direito de trabalho deles”, afirma a titular da pasta, Aline Junqueira.
A expectativa da PJF é de que os ambulantes sejam realocados até o próximo dia 16, de modo que a Sala do Empreendedor vai funcionar até o final desta semana para regularizar os trabalhadores. Pelo cadastramento realizado pela Prefeitura, a estimativa é de que cem comerciantes saiam da Getúlio para a Praça do Riachuelo. “Com isso, é possível a gente alocar aqui (na Praça do Riachuelo) de maneira organizada, com espaço de três metros quadrados (…). A gente não vai simplesmente colocar as pessoas aqui, a gente pretende ajudá-los para ficar da melhor maneira possível e melhorar a Praça também”, complementa Aline, lembrando que o local recebeu, recentemente, a Operação Boniteza, com capina e outros trabalhos de revitalização.
“Essa retirada é inevitável”, diz associação dos ambulantes
A retirada de ambulantes da Avenida Getúlio Vargas é tratada pela Associação de Apoio aos Vendedores Ambulantes e Artesãos de Juiz de Fora como certa. Segundo o presidente Claudio Souza, a entidade articula com a PJF uma medida que reduza danos, mas, por lei, os trabalhadores não podem lutar contra a realocação. “A Getúlio Vargas é dada, por lei, como pista de rolamento. Há muito tempo, há projetos para tirar os camelôs dali. O que a associação pensa dessa situação é que, infelizmente, nós temos que trabalhar dentro da legalidade (…). Essa retirada é inevitável”, analisa. “O nosso papel é arrumar soluções para tentar minimizar o problema de cada um, é o que a associação vem tentando fazer perante ao Poder Público”, complementa.
De acordo com o presidente, a associação solicitou à Prefeitura que a retirada dos ambulantes ocorra de maneira pacífica por parte dos agentes do Município. Ao longo dos últimos meses, comerciantes da região central realizaram protestos contra a PJF e, entre as reclamações, estava a forma com que as fiscalizações eram realizadas. “Nós, da associação, nos sensibilizamos com os companheiros que não são licenciados, que trabalham de forma irregular na cidade. Nós pedimos ao Poder Público que não retire ninguém na truculência, que chame (os ambulantes) para notificar e orientar”, pondera Souza.
Ambulante há mais de 20 anos, com dez anos de atuação apenas na Getúlio Vargas, Wagner Dias Teixeira é um dos trabalhadores que compareceram à Sala do Empreendedor logo na manhã desta segunda-feira. Atualmente, ele atua de maneira irregular na via central porque, segundo ele, “nunca me deram a oportunidade” de regularizar o ponto de venda de alimentos onde ele trabalha. “Se regularizar (o ponto), vou ficar muito satisfeito”, afirma, esperançoso.
Na visão do comerciante, é preferível ser realocado para a Praça do Riachuelo e conseguir a regularização do ponto a permanecer atuando irregularmente na Avenida Getúlio Vargas. A possibilidade de aumentar a fiscalização para coibir o comércio irregular na avenida é um fator que preocupa o vendedor, que afirma já ter perdido mercadoria “muitas vezes” em operações. “É um prejuízo grande, já quebrei várias vezes. Fiquei devendo os outros”, relata Teixeira. “Nós estamos aqui porque não temos opção. A única opção é essa, tentar regularizar”, resume.
Lojistas ameaçam manifestações
Se a Praça do Riachuelo é uma alternativa vista pela Prefeitura para solucionar um problema que se arrasta há décadas, os lojistas do Santa Cruz Shopping e da Rua São Sebastião se preocupam com o impacto da possível mudança. Em conversa com a Tribuna, Luciano Sobrinho, integrante da administração do shopping, revelou que uma reunião com a PJF foi marcada para a manhã desta terça-feira (9), para avaliar a situação.
Por conta da medida, a administração do shopping se reuniu nesta segunda para avaliar possíveis respostas à ação da Prefeitura. Segundo Sobrinho, diversos lojistas já se manifestaram contrariamente à possibilidade de instalação de um camelódromo na Praça do Riachuelo. “Todos os lojistas querem fazer, caso haja isso, protesto e passeata, chamando a todos os outros comerciantes também. Já estão todos me enviando mensagem. Estamos só esperando a reunião na Prefeitura para começar um inflame dos lojistas”, afirma Sobrinho.
No total, há 360 lojistas no Santa Cruz Shopping, e a tendência, segundo ele, é que os comerciantes da Rua São Sebastião, nas imediações da Praça do Riachuelo, também integrem a manifestação. “Não houve nenhuma negociação sobre isso. Nós ficamos sabendo através da mídia. Todos os lojistas estão mandando e-mail, mensagens, falando que, se for mesmo (ter a realocação dos ambulantes), vai ter um motim de lojistas. Com os lojistas da (Rua) São Sebastião juntos, e do entorno da praça”, assegura Sobrinho.
O “problema” dos ambulantes
A realocação na Praça do Riachuelo é a mais nova investida da Prefeitura para resolver um problema que permanece por décadas e ultrapassa administrações da Prefeitura. Desde 2002, não são emitidas novas licenças definitivas para os trabalhadores ambulantes, que, ainda assim, se proliferam nas vias centrais ao longo dos últimos anos. A concentração desses vendedores nas vias da região central, sobretudo na Avenida Getúlio Vargas, é apontado comumente pelo Executivo municipal como um problema grave de mobilidade urbana.
Com isso, as últimas quatro gestões da PJF anunciaram projetos para tratar da questão, a começar pelo ex-prefeito Custódio Mattos (Cidadania). Em 2009, Custódio apresentou uma proposta de construção de um “shopping” popular para abrigar os ambulantes e desobstruir as vias centrais. Três anos depois, a Prefeitura chegou a ventilar a possibilidade de retirar os camelôs da Getúlio Vargas em um processo de “revitalização” da via, que foi engavetado por falta de verba para as obras.
A intenção de construção de um shopping popular voltou na administração do ex-prefeito Bruno Siqueira (MDB), em 2014, com a ideia de desapropriar um terreno na confluência das ruas Batista de Oliveira, Espírito Santo e Braz Bernardino, no Centro. O projeto não foi para a frente sob a alegação de “falta de interesse da iniciativa privada”.
Na gestão de Antônio Almas (PSDB), a tentativa de regularizar a situação foi pela repressão, com operações tentando coibir a presença de trabalhadores irregulares nas vias centrais. A movimentação usual dos ambulantes permaneceu nas ruas centrais, sem que houvesse mudanças significativas até o final do mandato de Almas à frente da Prefeitura.
Os planos da administração chefiada pela prefeita Margarida Salomão (PT) para o setor apareceram, inicialmente, pelo cadastramento dos trabalhadores – regulares e irregulares – que atuam no comércio popular do município. As operações contra depósitos irregulares também foram outro ponto de enfrentamento mantido pela Prefeitura, que agora culmina na possibilidade de realocação dos trabalhadores.