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Minas Gerais registra 65 crimes na internet por dia

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Sessenta e cinco crimes cibernéticos foram registrados por dia em Minas Gerais este ano, segundo dados da Polícia Civil mineira. Os números levam em conta os meses de janeiro a agosto, que acumularam 15.994 casos. O total representa uma alta de 15% em relação ao mesmo período de 2016, que terminou com 13.799 registros. Para as vítimas desses crimes praticados no mundo virtual, a dificuldade para investigá-los e a falta de delegacias especializadas para receber as denúncias podem contribuir com a impunidade e com o crescimento dos delitos. Em Juiz de Fora, onde não existe uma unidade especializada nesse tipo de investigação, a Polícia Civil de Minas Gerais não tem números que mostrem essa realidade, mas os casos, cada vez mais, vêm aparecendo.

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Atualmente, em todo o estado, existe apenas uma delegacia especializada em crimes cibernéticos, que fica sediada em Belo Horizonte. Contudo, conforme a assessoria de comunicação da instituição, as unidades policiais de área, que atuam nos municípios, podem investigar as ocorrências que acontecem nas suas regiões e contar com o apoio da especializada da capital. A Delegacia Especializada de Investigação de Crimes Cibernéticos (Deicc) foi criada como um laboratório, com o objetivo de servir de referência e para capacitação e auxílio de policiais. De acordo com a assessoria da Polícia Civil, não faz parte das diretrizes da instituição a criação de unidades em todo o território mineiro, uma vez que cada delegado tem autonomia e pode solicitar a ajuda da Deicc, já que os crimes ocorridos na internet têm as mesmas características daqueles ocorridos na vida real.

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Para a instituição, o importante é capacitar os policiais para que possam atuar neste tipo de investigação. No primeiro semestre deste ano, um curso a distância foi promovido pela Academia da Polícia Civil com a finalidade de capacitar investigadores, mas a assessoria da instituição não tinha dados sobre quantos policiais de Juiz de Fora participaram da capacitação.

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Ameaças são mais frequentes na rede
Em dois anos, foram 29.793 crimes em Minas Gerais, conforme a estatística da Polícia Civil. As ameaças, em meio eletrônico, encabeçam a lista com 10.338 registros, seguidas pelos crimes de estelionato (3.922) e difamação (3.633) (veja lista completa no quadro). Com a democratização do acesso à internet, não é possível mais falar de grupo suscetível a virar vítima de crimes cibernéticos.

Hoje todo mundo usa a internet, e todos estão sujeitos. Os mais vulneráveis são os mal informados. Quanto menos conhecimento a pessoa tem, mais está suscetível a sofrer golpes

Frederico Abelha, titular da Delegacia de Combate a Crimes Cibernéticos de Belo Horizonte

Os crimes mais recorrentes na internet são os estelionatos, uma vez que podem ser aplicados das mais variadas formas, desde sites falsos ofertando produtos até e-mails com algum tipo de fraude. Outros delitos corriqueiros são os contra a honra e sequestro de dados. Os primeiros são aqueles nos quais uma pessoa ofende a outra nas redes sociais, e o segundo é quando um hacker invade o computador de uma empresa e pede dinheiro para descriptografar os dados. Há ainda os de extorsão, em que, muitas vezes, alguém tem uma fotografia ou vídeo íntimo e pede dinheiro para não divulgar o conteúdo. No ambiente virtual, a pedofilia está cada vez mais presente, e os predadores sexuais acabam atraindo crianças e, em alguns casos, até mesmo trocam fotos íntimas de crianças e adolescentes entre eles. “Há os crimes que causam prejuízos financeiros, mas, nesses, as pessoas conseguem, com o tempo, readquirir suas finanças. Já os crimes que causam danos à honra são mais nocivos, porque atingem a pessoa em si, o seu nome, que, às vezes, é o que ela mais preza, além de todo o dano que causa na vida pessoal, na família, no ambiente de trabalho”, ressalta o delegado.

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Delegado alerta que internet ‘não é terra sem lei’

Para Frederico Abelha, é uma falácia achar que a internet é uma terra sem lei, uma vez que a polícia tem os meios para rastrear e descobrir de onde essas infrações partem. Ele lembra que todo crime feito na vida real é suscetível de ser praticado na internet também. Nesse caso, por exemplo, a pena de um estelionato que é cometido no ambiente virtual é a mesma do que é executado na rua.

Desde a criação da lei 12.737 de 2012, a chamada lei “Carolina Dieckmann”, que, entre outras coisas, torna crime a invasão de aparelhos eletrônicos para obtenção de dados particulares, Juiz de Fora guarda a expectativa de criação de uma delegacia especializada na cidade. A falta de infraestrutura resulta em investigações falhas, criminosos impunes e vítimas desprotegidas. Para o diretor regional do Sindicato dos Servidores da Polícia Civil (Sindpol), Marcelo Armstrong, é impossível que crimes cibernéticos alcancem o mesmo nível de apuração das ocorrências comuns, uma vez que a Polícia Civil de Juiz de Fora enfrenta um déficit de mais de cem policiais. Ele desconhece se policiais do município receberam, nos últimos meses, capacitação para atuar na investigação de ocorrências criminais na grande rede.

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Só têm sido criadas na cidade delegacias com motivação política, como as últimas que foram implantadas. Não se pensa em melhorar a estrutura das delegacias e as condições do trabalho. Hoje há uma sobrecarga. Já é difícil apurar os crimes da vida real, que dirá os crimes do mundo virtual

Marcelo Armstrong, diretor regional do Sindicato dos Servidores da Polícia Civil (Sindpol)

O titular da Delegacia de Combate a Crimes Cibernéticos de Belo Horizonte, Frederico Abelha, pontua que a internet é algo que não tem volta e que não vai parar de crescer. Por essa razão, é fundamental que os profissionais das delegacias estejam preparados para esse tipo de investigação, porque é preciso ter conhecimento específico. “Não dá nem para dizer que é a longo prazo, mas em curto prazo é necessário que cada cidade tenha sua delegacia especializada em crimes cibernéticos, uma vez que eles tendem a crescer”, avalia.

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Jovem tem falso perfil criado e sofre ameaças na internet

No início deste ano, quando passeava com a namorada no Rio de Janeiro, um jovem juiz-forano, de 20 anos, começou a receber diversas ameaças em suas redes na internet. Ele era chamado de bandido e criminoso por pessoas que ele nem conhecia. Acusavam-no de ter recebido pelo pagamento de um videogame, o qual o rapaz não fazia ideia. Ele teve sua foto, nome e dados de documentos pessoais publicados em um site de vendas. Pessoas que teriam efetuado a compra e pago para receber o jogo em casa denunciavam o juiz-forano de ficar com o dinheiro dos depósitos e não enviar o produto. O jovem procurou a polícia e registrou o caso, mas até hoje se sente ameaçado, pois continua recebendo mensagens caluniosas. No boletim de ocorrência, registrado em março, a vítima narra que acessou um site de vendas e se interessou por um videogame, que estava sendo anunciado para compra no valor de R$ 1 mil.

O vendedor seria um homem de Campinas (SP). O rapaz fez contato com o responsável pela venda, para dar início à negociação. O vendedor pediu ao juiz-forano que encaminhasse seus dados por meio do WhatsApp, como fotos de seu documento de identidade e comprovante de residência, o que foi atendido pela vítima. Depois de alguns contatos, o jovem percebeu que o tal vendedor não inspirava confiança e desistiu da compra. Todavia, os seus dados ficaram de posse do suspeito. Em 25 de fevereiro, a vítima recebeu a mensagem de um homem da cidade de Caçapava (SP), cobrando a entrega de um videogame, que supostamente teria comprado da vítima.

Só então o jovem percebeu que alguém se passava por ele para aplicar golpes na internet por meio do site de vendas. O golpista tinha feito um perfil falso no Facebook e no WhatsApp, utilizando os dados do rapaz. No golpe, o suposto vendedor oferecia produtos e enviava aos compradores o número de uma conta bancária para depósitos. Conforme o boletim de ocorrência, o morador de Caçapava chegou a fazer o depósito de R$ 1 mil, mas nunca recebeu o aparelho.

A situação trouxe tanto transtorno para a vida do jovem que ele não consegue falar sobre os fatos e prefere não ter o nome divulgado. A mãe dele, que é advogada, conta que o filho ficou traumatizado. “Foi uma situação desgastante para ele e toda a família, pois as ameaças vinham de todos os lugares”, afirmou a mulher. Segundo ela, o caso foi apresentado à Polícia Civil de Juiz de Fora, mas foi encaminhado para Belo Horizonte. A advogada julga já ter passado da hora da criação de uma delegacia para apurar delitos ocorridos na internet no município, dado que esses delitos estão cada vez mais frequentes.

No início do mês de setembro, um estudante, 21, foi importunado por cerca de 25 pessoas, durante cinco horas, depois de ter um perfil fake criado como garoto de programa no aplicativo de relacionamento gay Grindr. Em entrevista à Tribuna, o jovem relatou que recebeu mensagens de desconhecidos no WhatsApp, perguntando sobre disponibilidade e valores de encontro. Na ocasião, o advogado especialista em Direito de Tecnologia da Informação, Lair de Castro Júnior, chamou a atenção para a carência de delegacia especializada em crimes eletrônicos na cidade. Essa necessidade, segundo ele, faz as vítimas buscarem solução por via judicial, a fim de que provedores informem o responsável pelo cadastro nesses ambientes virtuais para que haja a responsabilização de culpados.

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Atendimento precário e demora no Judiciário

Diretor de educação da Safernet Brasil, organização não governamental que tem missão de defender e promover os Direitos Humanos na internet, Rodrigo Nejm, assinala que não há uma relação entre aumento de casos e falta de delegacia especializada em crimes cibernéticos. Para ele, a carência de infraestrutura nas delegacias para atendimento dessa demanda é um dos maiores problemas, assim como a sobrecarga de processos na Justiça, que resulta em atraso na responsabilização de autores. “Se houver uma especializada, isso poderia agilizar todo o processo, mas o problema maior é a falta de estrutura das polícias e a demora do Judiciário para dar uma resposta. Um agravante é que, nos casos de difamação, por exemplo, o dano é imediato e rapidamente ganha proporções nacionais, e o tempo de resposta para acionar, responsabilizar ou interromper a violência é muito maior”, avalia Nejm, pontuando que, além dessa questão, muitas pessoas desconhecem que existem leis que valem para a grande rede. “Elas acham que, na internet, a impunidade é ainda maior do que aquela que elas percebem na vida cotidiana. Por considerarem que não tem lei, não denunciam. Outros até sabem da legislação, mas acham que não vai dar em nada e deixam de fazer a denúncia.”

Nejm alerta que, no mundo virtual, as pessoas precisam desconfiar de certas ofertas de compras on-line e das superofertas que chegam por e-mails e WhastApp. Segundo ele, essas mensagens trazem links de lojas virtuais que, ao clicar, o usuário entra numa página clonada, que solicita para ele disponibilizar seus dados pessoais ou bancários. “É preciso adotar cuidados básicos, como conferir a origem da propaganda, entrar no site oficial da loja, com a pessoa mesmo digitando o endereço, para evitar entrar em site clonado, não disponibilizar dados pessoais e dados bancários por mensagens. Ao entrar no site de um banco, sempre digitar ponto b ponto br no lugar do ponto com, que é uma forma de garantir que não vai entrar em um site falso de banco, pois só bancos podem ter ponto b ponto br, para ter mais segurança.”

No âmbito dos relacionamentos pessoais, Rodrigo Nejm destaca que eles ganham uma intimidade muito rápida na internet, o que faz da pessoa uma vítima em potencial para um estelionatário. “Eles se passam por pessoas muito amáveis, amigas, acolhedoras, usam perfis falsos e, depois de conquistar a confiança, passam a pedir dinheiro”, adverte.

Casos que repercutiram na Tribuna

2017
– Estudante, de 21 anos, foi importunado por cerca de 25 pessoas, durante cinco horas, depois de ter um perfil fake criado como garoto de programa no aplicativo de relacionamento gay Grindr

2016
– A fotografia de um jovem de Juiz de Fora, aparentando ter cerca de 25 anos, foi compartilhada centenas de vezes no Facebook e em grupos de WhatsApp, como se ele fosse autor de diversos crimes na Cidade Alta, inclusive roubos na UFJF, sendo apontado como de alta periculosidade. Todavia, a Polícia Militar revelou que o jovem em questão não era perigoso, ele seria morador de rua e autor apenas de pequenos furtos

2013
– A fotografia de um homem foi amplamente divulgada na rede social e em listas de e-mails como se fosse a de um suspeito de roubar e tentar estuprar uma mulher, no Alto dos Passos, Zona Sul

2012
– Um jovem de 18 anos foi detido pela Polícia Civil suspeito de ameaçar um médico de Juiz de Fora pela internet. Ele usava uma rede social de bate-papo e e-mails para chantagear o clínico-geral, a fim de conseguir receituário de medicamento para aumento de massa muscular

2011
– Empresária juiz-forana, de 32 anos, com família consolidada, teve a foto roubada e um falso perfil criado em sites de relacionamento íntimo

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