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Famílias que tiveram casas demolidas no Santa Teresa esperam por justiça há dez anos

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Casa de Carlos Daniel (em destaque) havia sido reformada pouco antes da demolição em março de 2008 (Foto: Antônio Olavo Cerezo/Arquivo TM)
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O que você sentiria se tirassem o seu chão? Dez anos depois de terem suas casas demolidas pelo poder público, 13 famílias que residiam no Bairro Santa Teresa – região afetada por uma extensa movimentação de terra em 2008 -, ainda aguardam por justiça. Nenhuma indenização foi paga nesse longo período de espera e, até hoje, não há sequer uma sentença em primeira instância para o processo de danos morais e materiais movido contra a Prefeitura por pessoas que perderam não só sua moradia, mas o seu passado. Quando as casas ruíram, fotografias, lembranças e histórias de várias gerações ficaram presas aos escombros. Para avôs, pais e filhos restou apenas a memória do lugar onde passaram a maior parte da vida. Sem chão e referência, muitos faleceram sem nenhuma resposta ao longo desse período.

É o caso da mãe de Rosane Terezinha Presto Rabelo, 58 anos. Moradora da Rua José Ladeira 248, Célia Sofia Gadeta Presto tinha 82 anos quando viu sua história desmoronar bem diante de seus olhos. Moradora do bairro há mais de 40 anos, a dona de casa criou os dois filhos no imóvel ampliado pelo marido, um ex-funcionário da Imbel que comprou a residência sem que a obra tivesse sido concluída. Quando as rachaduras surgiram na casa ampla rodeada por jardim e varanda no dia 8 de março de 2008 – 45 anos depois de Célia ter se mudado para lá – , o presente ficou incerto. Em pouco mais de dez dias, tudo o que a aposentada construiu na vida se perdeu. Célia e o filho de 46 anos foram, então, morar de favor na residência de três quartos da filha Rosane, mãe de duas meninas. Sem espaço para todos no imóvel localizado também em Santa Teresa, a idosa ficou cinco anos alojada no quarto onde a filha dormia com o marido. Nesse período, Célia apresentou sinais de Alzheimer. Morreu, aos 87 anos esquecida de quase tudo, inclusive o nome dos filhos, menos da casa que perdeu. Diariamente, ela pedia a Rosane que a levasse de volta para sua moradia.

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“Ela sempre me pedia para arrumar as coisas dela, porque queria ir embora para casa. A vida dela foi aqui no bairro. Quando ela e meu irmão foram morar comigo, perderam não só a referência deles, mas seu canto. Todo mundo perdeu tudo, inclusive a privacidade. Todos tivemos que nos adaptar”, relembra. Para ela, além do vazio deixado pela perda do imóvel da mãe e pela morte dela, resta uma sensação de abandono e impotência. “Ninguém dá conta de nada. Você não tem saída. Não tem quem procurar. A Prefeitura não se responsabiliza e nem bate o martelo quanto à desapropriação desses terrenos. Temos um processo de indenização que não sai da Fazenda Pública”, lamenta.

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Rosane se refere às ações de indenização pelos danos morais e materiais sofridos movidas pelos moradores na 1ª Vara da Fazenda Municipal e que sequer resultaram em sentença nem em primeira instância. Há processo distribuído desde setembro de 2008 que até hoje não foi julgado. José Marques Júnior, que representa moradores de nove imóveis demolidos, lamenta a demora. “É uma coisa que nos deixa muito desiludidos”, critica, ressaltando, porém, que os ex-moradores não perderam a esperança de que haja uma reparação judicial.

Em nota, a assessoria de imprensa do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) informou tratar-se “de um processo de grande complexidade, com pedido de indenização, no qual foi necessário a realização de perícia, requisição de laudos em outros órgãos, além da realização de audiência para oitiva de testemunhas para apurar a efetiva responsabilidade”. Ainda segundo o Tribunal, recentemente, encerrou-se a fase de produção de provas, com a apresentação das manifestações finais das partes, tendo o processo ficado pronto para prolação de sentença no último dia 30 de janeiro de 2018. “Neste momento, encontra-se sob análise da magistrada responsável, que prolatará sentença nos próximos dias”, garantiu o TJMG.

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Cobrança de IPTU pelos lotes continua

Taxista voltou ao local da tragédia e mostra cobrança de IPTU por terreno, cuja casa não existe mais (Foto: Fernando Priamo)

Quando voltava para casa de 105 metros quadrados, na Rua José Ladeira, o taxista Carlos Daniel Amadei, 30 anos, via a esposa, com o filho de 1 ano ao colo, acenar para ele da varanda do imóvel recém-reformado. Ele morava com a mulher e o neném no andar de cima do sobrado herdado de seu avô João Amadei. Lá, Carlos fez até uma churrasqueira com chuveirão para receber os amigos no fim de semana. No andar de baixo residia seu pai em uma quitinete. Agora, quando vai ao antigo endereço de sua infância, adolescência e início da vida adulta, o taxista se depara com o nada. No lugar do antigo imóvel de dois quartos, dois banheiros e uma varanda, há uma área vazia e um grande muro de contenção construído em forma de cortina atirantada com 11 painéis de concreto armado. A obra de R$ 3 milhões foi construída com recursos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), sendo inaugurada há quatro anos. O paredão de cimento armado foi a única coisa erigida no local onde antes haviam 13 imóveis com 20 moradas.

“Quanto tudo aconteceu, todo mundo ficou desestruturado. No momento em que a gente recebeu a notícia de que teria que abandonar o imóvel, perdemos muita coisa de recordação. Tanto a Defesa Civil, quanto o Corpo de Bombeiros não deixou a gente retirar tudo. Eles forçaram a nossa saída falando que era para a gente carregar só o essencial. Perdi várias fotos da minha infância e dos meus avós. Meu pai, por exemplo, perdeu os documentos da Previdência, o que comprometeu a sua aposentadoria. Na ocasião, meu pai foi morar de favor na casa de um vizinho e depois foi morar de favor na Vila Ideal, onde ficou por meses até conseguir alugar um imóvel no Bairro de Lourdes. Já eu saí daqui e morei de favor na casa de parentes da minha esposa por 40 dias até conseguir alugar um imóvel no Bairro Poço Rico, na Rua Ceará, onde fiquei quatro anos pagando aluguel. Hoje pago financiamento de um imóvel que absorve R$ 500 mensais do meu orçamento. De vez em quando, estou enrolado com esse financiamento. É um apartamento de dois quartos no Costa Carvalho que não chega nem perto do que eu tinha aqui. Hoje só volto aqui para fazer um apelo. Como vou abrir mão desse pedaço da minha vida que foi cortado ao meio por uma tragédia? Eu tenho que ter uma história boa até o fim da minha vida. Ou será que vou morrer igual os outros estão morrendo sem conseguir nada?”

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Dívida ativa
Para as pessoas afetadas pela tragédia provocada pelo deslocamento de massa de solo e blocos de pedra que afetou a integridade e a estabilidade de parte da encosta de 30 metros de altura entre as ruas José Ladeira e Edgard Carlos Pereira restam somente promessas de socorro e a inclusão do nome do avô de Carlos Daniel e da mãe de Rosane na dívida ativa do Município pelo não pagamento do IPTU cobrado pelo terreno onde ficavam as casas que nem existem mais. “Entrei com uma solicitação na Prefeitura para que fosse cancelada a cobrança do IPTU, porque eu não tenho direito de posse da minha casa. E tive um parecer completamente contrário, de que não há que se falar em suspender IPTU”, afirmou a filha de Célia Sofia Gadeta Presto, que faleceu em 2013 sem um desfecho no drama de Santa Teresa.

Hoje só volto aqui para fazer um apelo. Como vou abrir mão desse pedaço da minha vida que foi cortado ao meio por uma tragédia?”

Carlos Daniel Amadei

Em nota, a Prefeitura informou que o IPTU tem como fato gerador a propriedade e domínio útil ou a posse de bem imóvel por natureza ou acessão física, localizado na área urbana do município. Sendo assim, o imóvel urbano, mesmo que seja apenas um lote vago, e este não tenha sido desapropriado, terá o seu lançamento do IPTU efetuado e em nome do contribuinte que consta no cadastro imobiliário. A Prefeitura ressalta que as edificações que tiveram de ser demolidas passaram por processo de recadastramento imobiliário e passaram a ter o valor calculado como “lote vago” e não como edificação construída desde 2008.

Causas ainda não foram totalmente esclarecidas

Demolições na época também ocorreram na Rua Edgard Carlos Pereira, onde havia moradias em risco (Foto: Fernando Priamo/Arquivo TM)

A tragédia que atingiu o Bairro Santa Teresa, na Zona Sudeste da cidade, após a movimentação do solo que causou trincas e rachaduras nas casas, deixou 54 imóveis interditados na região do Tupynambás. Na época, 156 pessoas foram afetadas, sendo obrigadas a deixarem seus endereços temporariamente. Algumas delas voltaram após mais de 30 dias longe de casa, outras se mudaram com medo de novas ocorrências e há aquelas que perderam tudo e continuam esperando por alguma reparação. Em março de 2008, quando as demolições começaram, havia uma intensa discussão sobre a indenização das famílias que perderam suas moradias. O então prefeito Carlos Alberto Bejani prometeu que os pagamentos seriam feitos mediante levantamento do valor venal dos imóveis, mas a negociação não foi adiante, apesar do valor das indenizações ter sido incluído no orçamento municipal. Com a prisão de Bejani naquele ano, a questão não foi adiante.

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O fato é que as causas do acidente nunca foram devidamente esclarecidas. A Secretaria de Obras afirma, porém, que foram realizados três laudos por empresas especializadas à época do acidente, sendo o primeiro ainda durante o problema, e os demais após 15 e 90 dias do ocorrido. Os documentos foram conclusivos em apontar que o desastre ocorreu devido a causas naturais por excesso de umidade do terreno. A Prefeitura disponibilizou em 2008 por 90 dias as acomodações de um hotel para todos aqueles que necessitaram, bem como ofereceu auxílio-aluguel para alguns dos moradores . O benefício foi interrompido após a conclusão dos laudos que apontaram a causa do problema como sendo um desastre natural.

Área de instabilidade

Se no passado, a área era considerada leito maior do Rio Paraibuna, a ocupação urbana do entorno da encosta também foi apontada. Havia ainda a intensidade de chuva acumulada naquele março de 2008, que chegou a 408,6 mm, uma das maiores registradas no período.

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Mas uma perícia realizada, em 2011, por determinação da 1ª Vara da Fazenda Municipal, mostrou que a encosta do Bairro Santa Teresa, que sofreu deformações e provocou deslizamento de massa de solo e blocos de pedras, continuou experimentando movimentação, “indicando que o processo de instabilização se manteve presente e que nem todas as causas que originaram o fenômeno/acidente foram sanadas e nem se limitaram à área já afetada em março de 2008”.

O engenheiro Marcos de Oliveira Guerra, designado pelo juízo para realização do relatório, fez diversos apontamentos naquele ano de 2011, apontando que a precipitação acumulada de chuva, analisada a partir da série histórica, não foi a mais severa registrada no período, “ao contrário, num período de 11 anos observados, foi apenas a quarta mais severa, sugerindo que outros fatores, além da precipitação, tenham influenciado na instabilidade da encosta do Bairro Santa Teresa”. Em seu laudo, ele também apontou que minas d’água continuam ativas no local, o que ainda pode ser percebido em uma visita à Rua José Ladeira.

O advogado José Marques Júnior, que representa parte das famílias afetadas, acredita que a perícia é favorável aos ex-moradores. “A perícia no processo nos foi favorável, porque constatou que houve intervenção externa no deslizamento.”

Para o presidente da Associação dos Moradores e Amigos de Santa Teresa, Sidinilson Alves Ferreira, a mobilização em torno da causa é permanente. “Estamos lutando por essas pessoas que perderam tudo e pelos que permanecem no bairro, para que algo assim jamais volte a ocorrer.”

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