
Capivaras se aglomeram nas margens da Avenida Brasil, chegando até a pista. Há relatos de atropelamentos (Fernando Priamo/17-02-16)
Juiz de Fora é a primeira cidade de Minas Gerais em mortes e casos de febre maculosa. A situação preocupa porque é notório o crescimento da população de capivaras no entorno do Rio Paraibuna, na Avenida Brasil. Estes animais, assim como os gambás, são os únicos cientificamente conhecidos capazes de contaminar o carrapato-estrela com a bactéria Rickettsia, causadora da febre. Em contato com o homem, através do solo infestado ou de outros animais, como os cavalos, a doença pode se desenvolver. Os dados chamam atenção pois, de acordo com o sistema Datasus, do Ministério da Saúde, entre 2007 e 2015, o município teve 20 casos confirmados da moléstia, sendo que metade evoluiu para óbito. Em relação ao país, a cidade tem o sexto maior número de mortes e o oitavo em total de casos. O Departamento de Zoonoses da Secretaria de Saúde reconhece 15 casos, com nove mortes. Em igual período, foram, segundo o Datasus, 44 mortes em Minas em razão da doença, e 364 no Brasil. Mesmo assim, ainda não existe no município nenhum levantamento sobre esta população.
Os números identificados, tanto na cidade como no país, podem ser subnotificados. A hipótese é levantada por especialistas ouvidos pela reportagem, que se baseiam nas características da febre maculosa. Os sintomas apresentados são, por exemplo, semelhantes aos das doenças provocadas pelo mosquito Aedes aegypti, que transmite dengue, zika e chikungunya: febre alta, dor no corpo, dor de cabeça, cansaço e manchas nas extremidades do corpo.
Conforme o chefe do setor de Zoonoses da Secretaria de Saúde, o médico veterinário José Geraldo de Castro, os primeiros sintomas podem aparecer entre dois e 14 dias após a picada do carrapato-estrela infectado. Sobre os números identificados na cidade, ele informa que podem ser explicados pela estrutura local, que permite a investigação das suspeitas, mas questiona os dados apresentados pelo sistema Datasus, reiterando que todos os casos são notificados ao seu setor. “Neste momento, é importante falar sobre febre maculosa porque casos suspeitos podem chegar aos hospitais e, por associação, o médico pode pensar que é dengue. É um perigo, porque a doença é tratável em seu início. Quando evolui, vai para óbito em cada oito dos dez registros.”
Foi o que aconteceu, no ano passado, com um funcionário do médico veterinário José Carlos Pontello, do Conselho Regional de Medicina Veterinária, que morreu porque seu caso foi tratado como dengue. “Ele vivia próximo a cavalos, convivia com este ambiente e ninguém percebeu que poderia ser febre maculosa. Isso preocupa, porque tudo está associado à dengue. Trinta dias depois que ele morreu descobriram a causa, após material coletado na necropsia ser levado para um centro especializado no Rio Grande do Norte.”
Perímetro urbano
As mortes registradas na cidade são, em sua maioria, de pessoas que viviam no perímetro urbano. Uma parcela, segundo José Geraldo, tinha contato regular com o campo ou participou de turismo rural. Uma explicação possível é que pessoas criadas na Zona Rural têm contato com o carrapato desde novas e adquirem anticorpos ao longo da vida.
O fato de ter ou não contato com o campo ou se aproximar das capivaras não pode se transformar em alarde, segundo o representante da Secretaria de Saúde. Em sua opinião, o importante é evitar exposição ao mato. “O ciclo dele é ovo, larva, ninfa e adulto. A fêmea cruza, fica fértil e procura animais para sugar o sangue. Depois sai do hospedeiro e se abriga na vegetação. Isso porque não aguenta exposição ao sol. Depois colocam ovos que desenvolvem como larvas. Estas larvas vão buscar novamente o hospedeiro a procura de sangue. Importante dizer que a grande maioria dos carrapatos não está contaminada com a bactéria, mas aqueles infectados transmitirão a doença ao se reproduzir.”
Grupo de especialistas inicia estudos sobre o roedor
Em razão da morte de um funcionário por febre maculosa, o conselheiro José Carlos Pontello, do Conselho Regional de Medicina Veterinária, se reuniu, em dezembro do ano passado, com entidades públicas do município que poderiam contribuir em trabalhos voltados a reconhecer a população de capivaras que vivem em perímetro urbano. Este grupo é composto por representantes da Prefeitura, por meio do setor de Zoonoses, do Ibama, do Instituto Estadual de Florestas (IEF) e da UFJF. De acordo com o chefe do Departamento de Medicina Veterinária da Universidade, Adolfo Firmino da Silva Neto, é objetivo da instituição contribuir com pesquisas. “A partir do momento que se criou um curso de medicina veterinária na UFJF, este deve se inserir nos problemas da cidade.” Perguntado se a situação no município é grave, Adolfo foi cauteloso: “Suspeito que sim, mas ainda não temos estatísticas neste sentido, apenas relatos de pessoas acometidas e informações dos óbitos.”
Um professor, estudioso na área de silvestres e epidemiologia, foi convidado a compor o quadro de docentes do curso da universidade. O processo de transferência do especialista, que atua na Universidade de Brasília (UNB), está avançado, e a expectativa é que ele chegue a Juiz de Fora no fim de março. Desta forma, iniciativas poderiam ser colocadas em prática a partir de julho. “Não será um trabalho feito de uma hora para outra, e não será fácil. As capivaras são animais silvestres protegidos por lei, então não podemos simplesmente recolhê-las. E o próprio manuseio deve ser feito de forma adequada, para não oferecer riscos.”
Conforme professor Adolfo, a castração é uma das hipóteses possíveis para o controle da população. Mas ainda será preciso avaliar o que se fazer com as capivaras contaminadas com a bactéria. “Ele irá fazer um diagnóstico da situação e montar projetos. Inclusive já vem com alguns, de outras experiências adquiridas na UNB. A peça chave neste processo é o controle populacional.”
Experiências
Segundo Pontello, experiências de outras cidades também serão incorporadas no processo local. Uma das inspirações é a da Universidade Federal de Viçosa (UFV), que faz um trabalho de controle populacional em seu campus por meio da vasectomia dos machos dominantes. “Nosso projeto é contra captura, cativeiro ou eutanásia. Precisamos é dar bem-estar a estes animais, que estão abandonados embaixo das pontes e são atropelados na Avenida Brasil. Estão ali não porque querem, mas por não terem para onde ir. São tratados como invasores, mas na verdade estão pedindo socorro. Transmitem a doença sim, mas estão se tornando vilões sem terem culpa.”
Infestação é controlada com carrapaticidas
O auge das ocorrências de febre maculosa ocorre no período de estiagem, de acordo com o chefe do setor de Zoonoses da Secretaria de Saúde, o médico veterinário José Geraldo de Castro. Entre maio e outubro é feito um trabalho de conscientização com os carroceiros, quando os cavalos recebem carrapaticidas. “Eles vão até a beira do rio, onde estão as capivaras e os carrapatos, cortam capim, colocam na carroça e levam para os bairros. Não só os cavalos como estas pessoas acabam ficando expostas e vulneráveis a serem picadas pelo carrapato-estrela contaminado. Por isso este trabalho é feito a partir de orientação da Embrapa. Temos casos na cidade de filhos destes trabalhadores que desenvolveram a febre, por exemplo, mas muitos ainda não acreditam na doença.”
José Geraldo também orienta as pessoas que se aproximam destes animais ou visitam áreas verdes. “De preferência, recomendamos o uso de roupas claras, pois os carrapatos são escuros. Também é importante inspecionar o próprio corpo a cada três horas, porque é comprovado que, para a transmissão da bactéria, o aracnídeo precisa sugar o sangue da vítima por um período entre quatro e seis horas. Importante verificar, principalmente, as axilas e a região da virilha, pois são áreas quentes e de dobras.”
Limpeza no rio
De acordo com o secretário de Meio Ambiente de Juiz de Fora, Luís Cláudio Santos, são promovidas limpezas no leito do Rio Paraibuna justamente para evitar a proliferação da doença. Sobre o que pode ser feito, ele reitera que, conforme a legislação, a fauna é de responsabilidade dos órgãos do Estado. “O que não quer dizer que o município se indispõe a colaborar. Entendemos que o caminho seja a esterilização, com a vasectomia dos machos e a ligadura na fêmea.” Segundo ele, ocorrem reuniões com outros órgãos para discutir a questão, embora não sejam as mesmas promovidas pelo Conselho Regional de Medicina Veterinária, UFJF, Ibama, Instituto Estadual de Florestas (IEF) e setor de Zoonoses da Secretaria de Saúde. “Vamos nos reunir novamente para descobrirmos qual o melhor caminho a ser trilhado por meio de um trabalho em conjunto. O Demlurb mesmo acaba de criar um departamento de proteção dos animais. Ainda não desenvolve nenhum trabalho com animais silvestres, mas nada impede.”
Atualizada em 08-03-2015, às 15h48, em virtude da seguinte correção: O carrapato-estrela é um aracnídeo, e não um inseto, como a Tribuna publicou anteriormente.