Uma mulher de 28 anos denunciou uma vizinha, 33, pelos crimes de injúria racial e ameaça. Moradora da Zona Norte de Juiz de Fora, ela já registrou dois boletins de ocorrência junto à Polícia Militar – em 8 de novembro do ano passado e no último 28 de janeiro – e diz não aguentar mais ser importunada diariamente pela suspeita, que já teria apagado das redes sociais algumas ofensas. Com um bebê, de 7 meses, e duas filhas, de 7 e 9 anos, a vítima afirma estar vivendo “presa” com sua família em casa, porque a vizinha constantemente ficaria próxima ao muro que divide as residências, reclamando de barulho. “Tenho um quintal enorme, mas minhas crianças não podem brincar lá fora porque estão traumatizadas, estão com medo. Ela fala coisas horríveis”, desabafa à Tribuna.
Segundo a moradora, o “pesadelo” começou no dia 27 de outubro. “Minhas meninas iam à vizinha para brincar com a mãe dela, que já é de idade. Naquele dia, ela (a suspeita) passou uma maquiagem na de 9 anos, e o rosto dela ficou branco.” Segundo a vítima, a foto de sua filha ainda foi postada no Facebook. “Não vejo problema, mas a partir do momento em que uma mãe pede para apagar, porque não gostou, e a pessoa não apaga, é porque está mal-intencionada.”
Além de não cumprir o solicitado pela mãe, a vizinha teria promovido xingamentos e colocado a figura de um macaco rindo na rede social. A partir daí, teria começado a série de ofensas racistas no ambiente virtual, com frases como “Preto quando não caga na entrada, caga na saída”; “Minha amiga ficou com raiva de mim porque eu chamei ela de macaca”; “Eles têm que tomar um chá de sumiço, isso sim, eu sou indígena, não sou negra da África do Sul não”; “Minha vizinha está me tirando do sério com ‘pretaiada’ aqui me amolando”.
Ameaças de agressões verbais também teriam sido direcionadas à criança. “Ela disse que quando vir minha filha vai falar as coisas para ela chorar mesmo. Chega no muro e fala que vai acertar as contas com todo mundo aqui em casa, que vai me dar uma coça porque não estou educando meus filhos”, conta a vítima. Em textos postados nas redes sociais, a vítima também teria sido chamada de “vagabunda”.
Um irmão da vítima conta que as ofensas foram gratuitas. “Não satisfeita em proferir nomes de baixo calão em direção às minhas sobrinhas, essa vizinha começou a atacar minha irmã, que apenas pedia para ela parar de fazer isso com as crianças. Esses ataques ultrapassaram a fala de forma pessoal, e ela partiu para as redes sociais, com posts lamentáveis direcionados à minha família. Agora no mês de janeiro, a mesma vizinha decidiu fazer ameaças de agressão também, verbalmente e por mensagens via WhatsApp. Ela não dá sossego.”
Preocupado e em busca de uma solução para o problema diário, o irmão conta que a família já procurou até advogada para tentar se proteger de alguma forma. “Chegou ao ponto de minha irmã e sobrinhas estarem com muito medo dessas ameaças e em pânico com tudo. As crianças não dormem mais, acordam no meio da madrugada chorando e com muito medo.”
Desde janeiro, injúria racial leva a reclusão de 2 a 5 anos
No dia 11 de janeiro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sancionou a lei – aprovada pelo Congresso Nacional – que equipara o crime de injúria racial ao de racismo e amplia as penas, que agora podem resultar em reclusão de dois a cinco anos. Antes, a penalidade prevista era de um a três anos. O delito também passou a ser inafiançável e imprescritível. A norma inclui os casos de postagem em redes sociais ou na internet.
A pena poderá ser dobrada se o crime for cometido por duas ou mais pessoas, e aumentada se praticado em eventos esportivos ou culturais e para finalidade humorística. Antes da nova legislação, já havia entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) de equiparar a injúria racial ao racismo.
Investigação
De acordo com o titular da 3ª Delegacia de Polícia Civil e responsável pelas investigações, delegado Rodolfo Rolli, o primeiro boletim de ocorrência registrado pela vítima de injúria racial foi anterior à nova lei e resultou em termo circunstanciado de ocorrência (TCO), sendo portanto encaminhado ao Juizado Especial Criminal, que julga os crimes e contravenções penais considerados de menor potencial ofensivo.
Em relação ao último registro policial feito pela PM em janeiro, ele orientou a vítima a comparecer à delegacia, em Santa Terezinha, para que possa detalhar a denúncia, já que o boletim de ocorrência é sucinto e foi classificado como ameaça. “Por enquanto, há entendimento jurídico de que ainda seria necessária a representação pela vítima no caso de injúria racial, enquanto outra parte diz que não se faz necessária a representação. Ainda não houve posicionamento dos tribunais superiores. Para não gerar indagações futuras, até a nova norma evoluir, seria bom a vítima comparecer à delegacia para explicar melhor os fatos”, conclui o delegado.