Desde julho de 2002, o trabalho de combate ao Aedes aegypti foi intensificado com a criação do Programa Nacional de Controle da Dengue (PNCD), que rege as ações para redução da infestação do mosquito vetor da doença – e que, anos mais tarde, tornou-se também conhecido por transmitir a zika e chikungunya. Desde então, o trabalho de campo é uma das principais estratégias adotadas na tentativa de coibir a proliferação do Aedes, com a atuação dos agentes de endemias em imóveis e estabelecimentos comerciais durante todo o ano, com maior intensidade no verão. As medidas determinadas pelo programa, no entanto, podem estar defasadas. Isso porque, ao longo dos anos, houve mudanças no comportamento da população, criando dificuldades para que o controle seja totalmente eficaz. Demonstração disso são os altos números de casos das doenças transmitidas pelo mosquito nos últimos anos. Nesta semana, a Tribuna mostrou que, somente em 2019, 26 casos prováveis de chikungunya já foram registrados em Juiz de Fora, com a confirmação de dois diagnósticos.
A necessidade de atualização é defendida pela agente de endemia Lidianne Pereira Luz, 32 anos. De acordo com ela, o trabalho de campo, na prática, é bastante complexo e precisa de mudanças. Atuando desde 2014 como efetiva no Programa Municipal de Combate à Dengue, Lidianne percebeu muitas mudanças no comportamento da população, mas acredita que não foram feitas as modificações necessárias no modo de atuação da equipe para que o trabalho se adequasse. “Ao longo dos anos, a gente percebe uma mudança de comportamento nas residências. Por exemplo: antes, as mulheres estavam dentro de casa, não estavam no mercado de trabalho. Então não tinha tanta casa fechada. Mas isso vem se intensificando cada vez mais. As nossas visitas durante os horários de trabalho das pessoas têm ficado complicadas.”
O maior problema seria com relação ao número de imóveis onde deve ser feita a verificação de possíveis focos do mosquito. “O PNCD, que norteia todo o programa municipal, está desatualizado. Na época (em que foi criado) nós não tínhamos a reconfiguração urbana como é hoje, o número de residências que temos que visitar hoje. Acredito que tenha de haver uma atualização do programa. São necessárias outras estratégicas de campo, de comunicação e de conscientização da população”, opina.
Além disso, ela acredita que uma das razões para os resultados mais recentes do Levantamento do Índice Rápido para o Aedes aegypti (Liraa) acusarem estado de alerta ou surto nos últimos anos tem relação direta com a forma que o Poder Público lida com a questão. “Não basta somente entregar panfleto e falar que apenas dez minutos semanais de vistoria vão solucionar todo o problema. É preciso orientar a população e dar exemplo com ações efetivas e alinhamento do trabalho dentro do setor. Na cidade nós temos vários problemas com acumuladores e terrenos baldios da própria Prefeitura”, defende.
Questionado sobre a possível defasagem das estratégias, o coordenador-geral de agentes de endemias da Secretaria de Saúde, Juvenal Franco, explica que o documento é nacional e preconizado pelo Ministério da Saúde. Em relação às atualizações do mapa da cidade, com a inclusão dos novos imóveis, o coordenador disse que dentro do programa há uma equipe para atualização dos croquis dos novos bairros.
Sobre os terrenos baldios, o coordenador afirma que todos devem ser vistoriados, inclusive os da Prefeitura. “Nós pedimos à população que, quando tiver uma denúncia ou notificação, entre em contato pelo Disque-Dengue pelo telefone 199, solicitando a vistoria”, pontua.
Necessidade de atualização
Biólogo e professor do Departamento de Zootecnia da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Fábio Prezoto concorda sobre a necessidade do PNCD ser atualizado. “De fato, a Prefeitura tem feito o que está sendo preconizado neste documento federal, mas é um documento já vencido. Ele nem cita técnicas efetivas de controle que temos à disposição. Então, (a Prefeitura) não pode entrar em desacordo com a legislação antiga, mas, ao mesmo tempo, é uma legislação que precisa ser atualizada para poder contemplar o que a ciência já trouxe de conhecimento para o controle do mosquito”, argumenta.
Recusa à entrada de agentes em casa dificulta trabalho
A atuação dos cerca de 200 agentes da Prefeitura de Juiz de Fora (PJF) em campo é eficiente, segundo o coordenador-geral de agentes de endemias da Secretaria de Saúde, Juvenal Franco. O que, no entanto, dificulta o trabalho de prevenção e combate, conforme o titular, são as circunstâncias que, não raro, os profissionais enfrentam. A principal delas é a recusa das visitas pelos moradores ou o fato de, no momento da visita, não haver responsáveis nos imóveis.
“Muitas vezes, algumas casas estão fechadas. Muitas pessoas estão viajando neste início de ano, e isso dificulta a situação. Nós temos que retornar àquela residência e tentar recuperar. Isso atrasa um pouco o trabalho do agente. Além disso, caso esteja apenas o menor de idade na residência, a vistoria não pode ser realizada. É necessária a presença de um responsável para acompanhar a visita e receber as orientações.” Há também as situações em que os juiz-foranos recusam a entrada do agente, com desconfiança de que seja um golpe ou fraude. “Isso porque, algumas vezes, os moradores têm receio de nos deixar entrar”, explica Juvenal.
Nos casos de dúvida sobre a veracidade da identidade do agente, a orientação é entrar em contato com a coordenação da equipe para a identificação do profissional, por meio do telefone 3112-3070. De acordo com o setor, os agentes atuam sempre uniformizados, usando blusa azul petróleo e colete verde ou cinza (ambos com logomarca da PJF), calça jeans e bolsa amarela, além de crachá de identificação da Prefeitura.
Programa Municipal
O Programa Municipal de Combate à Dengue é responsável pelas ações que visam o combate à escalada das doenças transmitidas pelo Aedes. Conforme o coordenador, as ações envolvem “trabalhos focais, vistorias em imóveis (trabalho de campo), vistoria e acompanhamento dos pontos estratégicos do município – atualmente são 230 -, atendimento de denúncias do 199, que tem uma equipe específica, atuação de uma equipe de aplicação de inseticida (fumacê), além do trabalho da equipe de educação da saúde, que visita escolas e empresas para a realização de palestras e orientações, quando solicitada. Também há a equipe das ovitrampas (armadilhas que monitoram, em tempo real, por meio de geoprocessamento, a presença focos positivos nas regiões, por meio de avaliações semanais)”.
Visitas periódicas a cada dois meses
Conforme o coordenador, as visitas periódicas dos agentes de campo nos imóveis das regiões para as quais ele são designados acontece de periodicamente. “O recomendado é que as visitas nas casas aconteçam de dois em dois meses para que haja um controle daquela residência e do bairro”, afirma.
Durante a visita, o agente mapeia o local e orienta o responsável pelo imóvel sobre os métodos de se prevenir e combater a dengue. No caso em que são encontrados possíveis focos, larvas de mosquitos, água parada e objetos que podem favorecer o armazenamento de água, o profissional lança mão dos trabalhos de eliminação e tratamento, além da explicação e orientação. As informações de cada local são registradas e há um monitoramento periódico. Após os dois meses, o agente volta ao imóvel para fins de fiscalização.
A suspensão periódica das visitas em imóveis acontece apenas durante o Levantamento de Índice Rápido para Aedes aegypti (Liraa) ou quando os agentes são deslocados para atuarem em situações específicas, como os bloqueios.
Zona Rural
Conforme Juvenal, os agentes são distribuídos em todas as regiões do município, exceto na zona rural. Questionado sobre a vulnerabilidade da região, ele afirma que “fica vulnerável em alguns momentos, mas são áreas que têm menos infestação, porque o Aedes é mais urbano, se concentra em grandes aglomerados. Mas quando acontece de ter um caso suspeito e notificação numa área rural, deslocamos os agentes para o local para poder fazer os trabalhos de eliminação dos focos”.
O fato é cientificamente comprovado, segundo o especialista Fábio Prezoto. “O Aedes é um mosquito urbano, ele acompanha o comportamento do homem na cidade, porque ali ele vai encontrar o local para proliferação e procriação dentro das residências. Se a gente for fazer uma amostragem dos mosquitos encontrados na Zona Rural e na Zona Urbana, veremos que as espécies são diferentes. Não há uma manifestação intensa, até porque outras espécies de mosquitos mantém interações ecológicas e acabam diminuindo a incidência do Aedes, que não tolera muito a competição com outras espécies”.
‘Inspeção é a melhor forma de controlar mosquito
Apesar das inúmeras ações desenvolvidas pelos órgãos públicos, para o professor Fábio Prezoto, é essencial que a população atue nas medidas de prevenção. Para ele, essa é uma das maiores dificuldades do combate ao Aedes. “Os métodos de prevenção e eliminação utilizados pelo Poder Público nem sempre são eficientes, por uma série de fatores. Primeiro que a visita em residência não acaba acontecendo como o previsto. Efetivamente pouca gente recebe a fiscalização na residência. Por outro lado, é enorme a dificuldade de fazer com que as pessoas adquiram a rotina de fazer uma inspeção, que não custa mais que dez minutos dentro do tempo da semana”. Por isso, para o especialista, a abordagem da população deve ser intensificada, principalmente por meio de projetos de extensão em escolas. “É justamente o público mais jovem que vai adotar isso nas suas rotinas”, acredita.
Segundo o biólogo, outra arma importante e que depende da ajuda da população é a aplicação de fumacê. Apesar do inseticida ser a melhor metodologia de controle químico preconizada pelo Ministério da Saúde, a recusa da população ao veneno prejudica sua eficácia. “Normalmente as pessoas fecham as casas para a fumaça não entrar. E a maioria dos focos está dentro das casas. Então com a casa fechada, a ação não tem efetividade”. Conforme o especialista, em parceria com a Prefeitura, a Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) vai desenvolver um estudo para verificar a ação do produto. O intuito é avaliar o quanto o inseticida é eficaz contra o mosquito-alvo e o quanto ele afeta espécies não-alvo como, por exemplo, abelhas e outros insetos polinizadores.
Enquanto os resultados não são divulgados, a melhor prevenção é mesmo o empenho de todos. “Fazer essa rotina de inspeção, desde o momento em que a pessoa se conscientiza, é a melhor forma de controlar o mosquito”, reitera Prezoto. “Muito melhor que usar inseticida para combater o adulto é combater para não deixar que a população se prolifere. E com isso eu faço a eliminação de possíveis criadouros”. (ver quadro)
O professor alerta também para os cuidados durante a inspeção. Segundo suas orientações, após a vistoria e eliminação da água parada, os locais devem ser higienizados. “Os ovos do mosquito podem resistir até um ano e meio longe da água. Por esse motivo, é importante que haja uma limpeza dos recipientes”, alerta.