A Polícia Civil abriu inquérito ontem para investigar um caso de homofobia, registrado no Bairro Nova Benfica, Zona Norte, na noite da última segunda-feira. A vítima é um adolescente de 17 anos, que foi agredido por cinco pessoas com pauladas, chutes e socos no meio da rua. Ele teve o rosto desfigurado e ficou com diversos hematomas nas costas. O caso acontece às vésperas de um evento que busca justamente conscientizar sobre a garantia dos direitos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (LGBT) na sociedade.
Em depoimento colhido ontem pelo titular da 3ª Delegacia Distrital, Rodolfo Rolli, a vítima relatou que, por volta das 21h, passava pela Rua Assuene Antônio Ribeiro, quando os suspeitos, que bebiam em um bar, começaram a insultá-lo. Até o momento, o delegado ouviu a vítima e uma testemunha, que ajudou o adolescente a se desvencilhar dos agressores. Conforme Rolli, a princípio, o caso é tratado como homofobia, já que não teria outro motivo para as agressões a não ser a orientação sexual do garoto. “Em depoimento, ele relatou que os autores o chamaram de gay, veado, vagabundo quando ele passava na rua. Em seguida, um deles, um homem, teria saído do estabelecimento e começou a agredi-lo com pauladas. Logo depois, mais um homem e três mulheres começaram também a dar socos e chutes no garoto.”
Punição
Um dos organizadores do Rainbow Fest, que acontece esta semana na cidade, é o presidente do Movimento Gay de Minas (MGM), Marco Trajano. Ele questiona a falta de atenção dada pelo Estado a agressões físicas aos gays e cobra a punição para estes atos. “Precisamos trabalhar na capacitação política da comunidade LGBT, aprender a votar, enquanto cidadão gay, em pessoas que estejam ao nosso lado. Outro fator que tem contribuído para a homofobia é a certeza da impunidade. À medida que espanco o menino porque não é crime, me sinto à vontade para espancá-lo, sabendo que não serei punido”, observa. Trajano afirma que o MGM se coloca à disposição para apoiar da família da vítima.
O jovem espancado, que estava na delegacia na tarde de ontem acompanhado do pai, contou que não tinha nenhum tipo de relação com os suspeitos, apenas os conhecia do bairro. O adolescente é estudante do segundo ano do ensino médio de uma escola pública do Centro. “Quando eles começaram a me xingar, eu apenas respondi que esta era minha vida e que eu é que sabia das minhas escolhas. Aí já vieram para cima, primeiro um homem me bateu com um cabo de machado nas costas. Quando caí no chão, vieram as três meninas e mais um homem e me deram murros na cara e chutes. Só consegui sair pois um amigo meu passou na hora e me tirou. Não sei o que teria acontecido. Eu não merecia isto”, disse, acrescentando que o grupo teria dito que gays não poderiam morar no bairro.
Após conseguir ser socorrido, ele foi para casa. Na companhia da mãe, ele foi até o posto policial de Benfica registrar o boletim de ocorrência e até à UPA Norte, onde foi atendido e medicado. Abalado com a situação, o pai, de 57 anos, pediu por justiça. “É absurdo o que aconteceu. Ele sempre foi um bom filho, nunca nos incomodou o fato de ele ser gay. Como podem fazer isto com meu filho apenas pela opção sexual dele?”, questionou.
Conforme o delegado, no registro de ocorrência feito pela PM, a vítima mencionou que havia tido uma briga entre uma prima e uma das suspeitas na última semana, na qual ele interveio. “Está claro, até o momento, que o caso de ontem foi homofobia. Iremos apurar a real motivação para o crime. Além disso, vamos investigar esta briga anterior e ver se já tinha havido algum outro crime de cunho sexual ou alguma outra coisa pendente”, comentou. Conforme o delegado, o grupo, a princípio, irá responder pelo crime de lesão corporal grave. Dependendo do resultado do exame de corpo de delito, o caso pode passar a ser tratado como lesão corporal gravíssima. Na tarde de ontem, uma equipe da 3ª Delegacia fez buscas pelos suspeitos. As mulheres já estão identificadas. Eles serão intimados a prestar depoimento nos próximos dias.
‘Estamos chegando a uma barbárie’
A presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB Subseção Juiz de Fora, Cristina Couto Guerra, repudiou o ato e lembrou casos de agressão nos quais a família se opõe à defesa da pessoa agredida. “Estamos chegando a uma barbárie. As pessoas perderam completamente o discernimento, não se colocam no lugar do outro. Sempre houve muita violência e, agora, ela aparece de maneira absurda. Em muitos casos, isso ocorre de forma velada, quando a própria família vira as costas. Os agressores deveriam se envergonhar dessa atitude vil, pequena”, desabafa.
A advogada ainda explica que a OAB possui um canal para atender casos graves de violação de direitos humanos. As denúncias podem ser realizadas na própria sede da instituição, na Avenida dos Andradas 696, Morro da Glória, ou pelo telefone (32) 3690-5900. Cristina explica que a intenção da comissão é criar uma rede de proteção junto a outras entidades, como o MGM, o Coletivo Duas Cabeças e a Comissão de Direitos Humanos da Câmara Municipal de Juiz de Fora. O presidente da Comissão do Legislativo, vereador Roberto Cupolilo (Betão, PT), enfatiza a necessidade de se representarem ações como essa. “A comissão age sobre casos coletivos, a partir de uma denúncia que deve ser formalizada na própria Câmara. Casos como o de homofobia têm que ser apurados”, defende.
Membro do Coletivo Duas Cabeças da UFJF, o estudante de direito Talles Neves Silva Bhering destaca a necessidade de reforçar a militância. “É uma lástima toda vez que casos como esse acontecem. Uma coisa é dizer que existem direitos humanos, outra é garanti-los. As pessoas LGBT não podem ser tratadas como cidadãos de segunda classe. Vivemos um momento em que a falência das instituições morais e políticas se transforma em um endurecimento do ódio. As questões consideradas como tabus vêm à tona com muito mais força, fazendo com que os ânimos fiquem acirrados.”
Ato público
No início da noite, membros do grupo Visitrans e do Coletivo Duas Cabeças realizaram um ato nas escadarias da Câmara Municipal, contra a influência de líderes religiosos na formulação de políticas públicas, como o Plano Municipal de Políticas das Mulheres. Eles criticaram a posição de religiosos que condenam a chamada “ideologia de gênero”. “Foi uma forma de repúdio a toda discriminação que a comunidade LGBTI (lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros e intersexuais) tem sofrido. Fizemos a manifestação encenando a morte de LGBTIs e mulheres vítimas de machismo”, afirma a transexual Bruna Leonardo, do Coletivo Duas Cabeças. O grupo seguiu em passeata até a Catedral Metropolitana de Juiz de Fora.