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Campanha promove doação de livros para pessoas em cárcere

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Ancorado no princípio da ressocialização, o acesso de encarcerados à literatura está sendo viabilizado por meio da campanha da doação de livros do projeto de extensão da Clínica de Direitos Fundamentais da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Ao todo, 60 pessoas que estão na Penitenciária José Edson Cavalieri, em Juiz de Fora, são assistidas pela iniciativa que oferece outro mundo para além das quatro paredes da prisionalização.

Para doar, os interessados podem se dirigir ao Núcleo de Prática Jurídica, na Avenida Presidente Itamar Franco (ao lado do Procon) ou à Faculdade de Direito da UFJF. São aceitos exemplares de diversos gêneros. Uma lista com livros específicos, buscados pelo projeto, está disponível na página oficial do projeto, no Instagram.

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A iniciativa funciona em diálogo institucional cooperativo entre a Vara de Execução Criminal, a gestão da Penitenciária José Edson Cavalieri e a Clínica da UFJF. Neste último, 80 colaboradores da universidade atuam tanto na ala feminina quanto na masculina da penitenciária. A expectativa é que a cada livro lido, os presos tenham quatro dias de abatimento da pena. O pleito para remição de pena, no entanto, ainda será discutido com o juiz que assumiu recentemente o posto. A prática possui similaridades com a regulamentada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que prevê teto de 48 dias de remição de pena. De acordo com a Lei 13696/2018, que instituiu a Política Nacional de Leitura e Escrita, ficam vedadas a censura, a existência de lista prévia de títulos para fins de remição e a aplicação de provas.

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O coordenador da Clínica de Direitos, professor Bruno Stigert, destaca o propósito humanizado que a atividade propõe. “A cada obra lida, a cada debate realizado e a cada pedido de remição solicitado, renovamos a esperança em uma sociedade mais livre, justa e solidária, como esculpido nos objetivos da Constituição brasileira no seu artigo 3°”, explica.

Além do empréstimo de livros, projeto prevê reuniões mensais entre universitários e pessoas privadas de liberdade, em roda de conversa sobre os temas das publicações (Foto: Divulgação)

O julgamento de Capitu

A graduanda Estefany Prestes dos Santos, 23 anos, idealizadora do projeto, o desenvolveu em parceria com o professor Stigert. Dentre as dinâmicas desenvolvidas, ela destaca o “julgamento de Capitu”. O livro de Machado de Assis deu vida a uma audiência simulada, em que a personagem foi ré do processo, e os presos deram o veredito.

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Outros personagens da trama de Dom Casmurro assumiram a posição de advogados, de defesa e acusação. Fazendo jus às discussões que o livro norteia por onde é debatido, os indivíduos encarcerados também se encontraram sucumbidos à polêmica. Enquanto a ala masculina inocentou Capitu, ela foi condenada pelas mulheres privadas de liberdade.

Uma vez por mês, o grupo de graduandos da UFJF vai até a penitenciária para realizar o projeto de extensão nomeado “literatura e cárcere”. A dinâmica de leitura é realizada ao longo das semanas pelos presos, sendo as visitas da equipe destinadas a uma roda de conversa. Atualmente com quatro turmas, os universitários que realizam o projeto já possuem perspectiva de dobrar o número de classes oferecidas.

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A iniciativa proporciona uma contribuição a todos os envolvidos, tanto os futuros advogados quanto os detentos. “O que acontece nas duas ou três horas em que os encontros são realizados transcende qualquer compreensão comum sobre justiça. Convivemos com pessoas arrependidas, dispostas a aprenderem e em busca de uma oportunidade, quase sempre negada pela sociedade. Para os alunos, o projeto representa o vivenciamento dos direitos que os manuais e as aulas não são capazes de reproduzir”, explica Stigert.

Busca pela ressocialização

Segundo a Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp), por meio do Departamento Penitenciário (Depen-MG), constantemente são desenvolvidos projetos e parcerias em prol da ressocialização nos aparelhos penitenciários.

Em nota enviada à Tribuna, o órgão destaca os benefícios de projetos como o “leitura e cárcere”, da UFJF. “Os benefícios do projeto ultrapassam as referidas consequências legais, possibilitando, além dos cuidados com a saúde, a reintegração dos indivíduos na sociedade de forma digna, buscando sua reinserção no mercado de trabalho e levando-os às reflexões que os façam compreender o seu contexto e a sua importância na sociedade.”

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Estefany acrescenta que a amplitude dos temas trabalhados, por meio da literatura junto aos detentos, faz com que eles possam se enxergar nos mais diferentes contextos. “De certa forma, isso influencia na ressocialização, é como se eles pudessem ver que todas as pessoas têm oportunidades – não diria iguais, pois não são. Mas todos podem realizar sonhos. Eles podem enxergar um mundo de possibilidades para além do cárcere.”

As práticas socioeducativas são garantidas a pessoas encarceradas através da Resolução 391, de 2021, do CNJ. Desta maneira, o projeto coloca em prática um direito já estabelecido aos detentos. Segundo o professor Stigert, essa é apenas uma parte da trajetória que tem que ser posta em prática, uma vez que o sistema carcerário brasileiro ainda demanda aprimoramento. Ainda sim, avalia, a implementação da ação é um passo importante. “É um projeto feito com muito ideal, com propósito e pouco dinheiro, algo indispensável para deslocamentos, alimentação e até para o lanche que os alunos costumam oferecer para as turmas.” Ele acrescenta que existe um fundo penitenciário específico, mas que acaba sendo pouco usado em decorrência da carência de projetos estruturados.

No caso dessa iniciativa, as pessoas encarceradas que participam estão em regime fechado. Dada essa condição, o contato com outras pessoas é escasso. “No caso das mulheres, esse quadro é intensificado, uma vez que, quando são encarceradas, geralmente elas são abandonadas. Isso amplifica o impacto do projeto”, conclui a universitária.

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