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Juiz-foranos relatam sequelas após se recuperarem da Covid-19

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Especialistas que se dedicam a tratar e a estudar a Covid-19 apontam os prejuízos respiratórios como as sequelas mais comuns relatadas após a recuperação da doença. Entretanto, alterações funcionais para a realização de atividades rotineiras e a queda da capacidade de tolerância ao esforço também são sinais importantes e que podem apontar sequelas decorrentes da infecção. Os sintomas estão sendo observados por um estudo ainda em andamento, realizado por pesquisadores da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). A pesquisa acompanha pacientes de três hospitais da cidade que necessitaram de internação devido à doença.

Até esta sexta-feira (5), Juiz de Fora tinha 18.113 casos confirmados de Covid-19. Deste total de pessoas infectadas, de acordo com dados da Prefeitura de Juiz de Fora, 17.872 (cerca de 98%) foram consideradas recuperadas, ou seja, são pessoas que tiveram a doença comprovada por exame e venceram os 14 dias de isolamento sem intercorrências ou agravos. Apesar disso, a “recuperação” pode não ter sido sinônimo de tranquilidade para todas elas, já que, mesmo com o vírus inativo no corpo, parte dos pacientes pode apresentar sequelas. A Tribuna entrou em contato com a Secretaria de Saúde questionando sobre um possível levantamentos de pacientes com sequelas da Covid-19 na cidade. A pasta, no entanto, disse que a Prefeitura ainda não faz esse monitoramento.

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Apesar de ainda não haver dados concretos sobre isso, não há dúvidas, para pesquisadores e médicos, de que o coronavírus pode deixar sintomas persistentes. Ainda não se sabe, entretanto, se alguns efeitos poderão ser permanentes. Em diversos casos, alterações respiratórias podem permanecer por, pelo menos, seis meses, conforme sinaliza a prévia do estudo da UFJF. Relatos de pacientes recuperados, contudo, também descrevem dificuldades respiratórias e excesso de fadiga durante atividades físicas. Além disso, também são recorrentes queixas de prejuízos da capacidade respiratória, alterações do paladar e olfato e outros desconfortos.

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Também há casos de pacientes com quadro leves e quase assintomáticos da Covid-19, mas que aparentam sintomas após a doença. É o que aponta o infectologista Marcos Moura. “Muitas vezes o paciente vai bem com a doença e não precisa de internação. No entanto, houve uma lesão pulmonar, e esse paciente precisa se observar após a Covid-19. Muitos não tiveram sintoma nenhum (durante a doença), mas acabam desenvolvendo, por exemplo, cansaço e fadiga posteriores, e podem até pensar que aquilo ainda é a Covid ativa, mas não é, na verdade é uma sequela da doença.”

Conforme Moura, há diversos relatos de pacientes considerados recuperados que apresentam dificuldades respiratórias e excesso de fadiga. “A principal sequela é relacionada ao órgão alvo da Covid-19, o pulmão. Independente do grau de lesão clínica do paciente, pode haver lesão pulmonar, e isso pode gerar um cansaço persistente, ou ainda levar a uma pneumonia posterior à doença, uma atelectasia pulmonar, levando a fadiga, dor muscular e ao cansaço”. Ainda segundo o especialista, a presença, ou não, desses efeitos, e ainda sua intensidade, dependem do grau da doença do paciente.

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Apesar de o órgão alvo da doença ser o pulmão, o especialista destaca que o coronavírus é um vírus sistêmico e, portanto, pode causar inflamação em diferentes órgãos. “Há muitos relatos de pacientes que tiveram endocardite e miocardite associadas ao coronavírus. Até mesmo sinais neurológicos, que são raros, mas podem acontecer. Um evento comum que vai além do quadro pulmonar (e pode gerar sequelas) é uma discrasia sanguínea ou um evento tromboembólico associado ao coronavírus”, cita.

Alexandre de Souza Pinto, de 52 anos, ficou internado por 26 dias e ainda se recupera. Ele recebeu alta em janeiro, e, atualmente, faz fisioterapia respiratória e passa por reabilitação, após perder 45% da massa muscular (Foto: Arquivo Pessoal)

Efeitos da internação em casos graves

Nas formas mais graves da doença, inclusive quando o paciente necessita de suporte em unidades de terapia intensiva (UTI) ou, ainda, de intubação, as sequelas pós Covid-19 são mais graves, pois também estão associadas aos efeitos da internação. Nesses casos, cita Marcos Moura, o paciente precisará de intensa reabilitação e acompanhamento profissional por meses. “Há pacientes que ficam acamados por 20, 30 dias. Isso com certeza gera perda muscular e déficit respiratório. Além disso, eles podem desenvolver infecções associadas à internação, como falência renal, o contexto da sepse, e isso vai causar sequelas invariavelmente. O paciente que passa por CTI vai precisar de reabilitação em vários órgãos, inclusive o pulmão.”

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Alexandre de Souza Pinto, 52 anos, é um dos pacientes que desenvolveu a forma grave da doença em Juiz de Fora. Sua esposa, Vanessa Rinaldi Falco, conta que ele ficou 26 dias internado, a maioria deles em Unidade de Terapia Intensiva. A circunstância impôs grande dificuldades e deixou sequelas em Alexandre que, atualmente em casa, tem passado por intenso processo de reabilitação.

“Meu marido ficou em um estado muito grave, precisou ser intubado. Foi um período muito difícil, achamos que o quadro dele não iria ser revertido, pois foi gravíssimo. Já na UTI ele teve febre, princípio de trombose, desenvolveu uma infecção, teve paralisia dos rins e, por isso, precisou fazer hemodiálise intubado. Então, após a recuperação da doença, ele ainda ficou muito debilitado e com muitas sequelas devido à doença e à internação”, conta.

Após a alta, no início de janeiro, Vanessa precisou adaptar sua casa para atender às novas condições do marido. “Montamos uma equipe de atendimento hospitalar domiciliar”, descreve. “Ele veio para casa tomando fortes antibióticos. Recebíamos enfermeiros, fisioterapeuta, nutricionista e um médico. No começo ele ainda precisava de suporte de oxigênio 24 horas por dia. As principais sequelas dele foram problema renal e falência pulmonar muito grande. Ele está dependendo da fisioterapia respiratória para conseguir se recuperar, e também perdeu 45% da massa muscular. Por isso, ainda não para em pé sem apoio ou ajuda de alguém.”

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Conforme Vanessa, o quadro de saúde do marido Alexandre tem evoluído bem, mas ele ainda sente cansaço com simples esforços e precisará de reabilitação por meses. “Os médicos estimam sete ou oito meses pra ele ficar bom de novo, mas isso é muito relativo. Vai depender muito de fisioterapia e da evolução do paciente mesmo. Não é um processo rápido, nem a recuperação dos rins, nem a do pulmão.”

Perda de olfato e paladar pode perdurar por meses

Mesmo após se recuperar, Wendell Carvalho ainda lida com a perda da capacidade olfativa (Foto: Arquivo Pessoal)

Muitos pacientes relatam perda da capacidade olfativa e do paladar durante a Covid-19. Em diversos casos, inclusive, esses sintomas podem se prolongar mesmo após a doença, como uma sequela. Esse é o caso do policial militar Wendell Carvalho, de 34 anos. Ele conta que perdeu a capacidade olfativa cinco dias após o início dos sintomas da doença e, mesmo após sua recuperação, continua com o olfato prejudicado. “Não é algo que me preocupa, porque eu já li a respeito e sei que pode demorar algum tempo para o olfato se restabelecer”, diz. A possibilidade de a sequela perdurar por outros meses também não é uma preocupação para Wendell, que, apesar de estar com a capacidade prejudicada, diz conseguir sentir “alguns cheiros”. Após a recuperação da doença, o policial diz ter passado por um cardiologista e afirma que também pretende realizar exames médicos para avaliar um possível resquício da doença ou sequela a longo prazo.

Essa é a orientação, inclusive, que o infectologista Marcos Moura dá a pessoas que tiveram Covid-19, principalmente nas formas leves da doença – casos graves necessariamente precisarão de reabilitação e acompanhamento. “Todo paciente com Covid, independente do quadro clínico, deve ser acompanhado por um médico, mesmo à distância (teleconsulta), para que ele dê informações seguras, possa monitorar uma alta, um retorno às atividades e, ainda, algum problema pós doença. Após a recuperação, é fundamental que o paciente marque uma consulta com um infectologista ou pneumologista para um direcionamento”, recomenda.

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Em relação à perda olfativa e do paladar, sintomas comuns entre pacientes com o vírus, e que podem persistir como sequelas, o médico tranquiliza. “A sequelas de perda de paladar e olfato não estão associadas à gravidade da Covid-19. Inclusive, o paciente pode apresentá-las no início, no meio e no final da doença, podendo se prorrogar por até três meses, em média. Há, ainda, relatos que pacientes que até hoje, sete meses após contrair a doença, que ainda continuam com diminuição do paladar e olfato.”

Bárbara Duim Falci, de 25 anos, diz sentir muito cansaço e fadiga. Ela também teve queda de cabelo (Foto: Arquivo Pessoal)

Foi o que ocorreu com a mãe da técnica de enfermagem Bárbara Duim Falci, 25 anos, diagnosticada com Covid-19 no fim de novembro, no mesmo período em que sua mãe. Ela conta que conseguiu recuperar sua capacidade olfativa e de paladar após sua recuperação, enquanto sua mãe ainda tem esses sentidos comprometidos até hoje, após quase três meses da doença. Por outro lado, Bárbara tem apresentado outros sintomas pós Covid-19, que ela acredita terem relação com os efeitos da doença. “Tenho sentido cansaço e fadiga durante a prática de atividade física, além de um suor excessivo. Tenho até que andar com toalha. Além disso tive uma queda de cabelo muito grande, que agora está começando a estabilizar, mas que no início me preocupou muito”. Segundo o infectologista, a queda de cabelo e suor excessivo não estão, necessariamente, associados à Covid-19, mas como indicado pelo médico, pacientes que foram diagnosticados com o coronavírus devem, também, buscar avaliação médica após a recuperação da doença.

Pesquisa acompanha pacientes de Juiz de Fora

O estudo da UFJF tem o objetivo de avaliar pacientes que tiveram a Covid-19 e precisaram ser internados, com sintomas persistindo mesmo após os pacientes serem considerados recuperados. De acordo com o pesquisador e professor da Faculdade de Fisioterapia e do Programa de Pós Graduação em Ciências da Reabilitação da UFJF, Anderson José, a pesquisa é feita em parceria com os hospitais Santa Casa de Misericórdia, Hospital Universitário unidade Santa Catarina e Hospital Regional João Penido. Segundo o professor, os pesquisadores têm acompanhado cerca de 20 pacientes no momento. O intuito, entretanto, é monitorar cerca de 50 pessoas até a conclusão da pesquisa, prevista para daqui a seis meses.

“Nós fazemos um acompanhamento longitudinal do paciente. Vamos até o seu domicílio, e o avaliamos com 15 dias, três meses e seis meses após a alta. O objetivo é analisar se existem sequelas respiratórias e funcionais pós Covid-19, quais são e qual sua gravidade”, explica.
Ainda em andamento, o estudo não apresenta resultados conclusivos e está sujeito a alterações. Apesar disso, o pesquisador Anderson José sinaliza que o que tem sido apontado pela pesquisa em Juiz de Fora condiz com estudos científicos internacionais. “Sem dúvidas a Covid-19 deixa sequelas, e isso é o que tem sido apontado tanto pelo estudo que estamos fazendo aqui, quando por estudos internacionais. O que temos visto é que são sintomas persistentes, mas que ainda não sabemos exatamente quanto tempo eles duram, mas que podem resistir por, pelo menos, seis meses após a alta do paciente.”

Ainda conforme o pesquisador, os resultados preliminares têm mostrado ser a fadiga uma das sequelas mais prevalentes. “A fadiga é um dos principais sintomas que os pacientes apresentam após a Covid-19. Não é um simples cansaço, tem diferença. O cansaço a pessoa sente, descansa e se recupera. Já a fadiga é um cansaço exacerbado, que não passa com um simples repouso”, destaca.

Focada nas alterações pulmonar e funcional, a análise também tem apontado, conforme o professor Anderson, que além da alteração respiratória e fadiga, os pacientes também sentem dispneia, (falta de ar) e diminuição da capacidade de realização de funcionais. “As alterações funcionais são em relação à realização de pequenos esforços rotineiros como, por exemplo, subir escada ou uma rampa. Notamos também que existe um queda da tolerância ao esforço. Mas quanto pior a manifestação da doença, temos observado sequelas mais prevalentes, em maior quantidade e mais notáveis.”

Reabilitação

O professor e pesquisador afirma que é importante que os pacientes que apresentem sintomas persistentes passem por um processo de reabilitação. “A fisioterapia tem um papel importante nesse processo, porque é através de exercícios de condicionamento que o paciente vai ser reabilitar, diminuir a fadiga e melhorar sua capacidade funcional”. Segundo Anderson, os exercícios incluem atividades aeróbicas, exercícios resistidos e respiratórios.

A próxima etapa do estudo prevê, conforme o professor, a oferta de reabilitação para esses pacientes, com o intuito de avaliar as respostas ao tratamento. “Nesse próximo estudo, desenvolvemos um aplicativo de celular, que se propõe a fazer esses exercícios com esses pacientes de forma bastante autônoma. Eles irão fazes as atividades de casa pela plataforma, mas supervisionados. Queremos avaliar se houve melhora das sequelas e o quanto melhorou.”

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