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Imigrante sírio busca refúgio em JF

desde 2010 a comerciante mounira rahme nao retorna ao seu pais de origem fotos leonardo costa

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Desde 2010, a comerciante Mounira Rahme não retorna ao seu país de origem (fotos LEONARDO COSTA)

Desde 2010, a comerciante Mounira Rahme não retorna ao seu país de origem (fotos LEONARDO COSTA)

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Pároco da Igreja Melquita, monselhor João Teodoro promoveu rifa para angariar recursos para famílias sírias

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Além de água de coco, Anas Abu Faher, vende livros de yoga em São Mateus

“Eu trabalhei com os refugiados no Líbano, distribuindo colchões e suprimentos, os acolhi, tenho milhares de histórias para contar. Algumas pessoas que chegaram sem suas famílias, sem seus filhos. Um deles me disse: saí de dentro de casa e, quando retornei, toda minha família estava morta. Outro perdeu sua mulher. São muitas histórias, é muito triste.” O relato acima é de Anas Abu Faher, 36 anos, refugiado sírio que vive hoje em uma fazenda em Belmiro Braga, a cerca de 30 quilômetros de Juiz de Fora, sobre o período em que viveu no Líbano, acolhendo refugiados de seu país natal. Natural de Sweida, no Sudoeste da Síria, próximo da fronteira com a Jordânia, ele vende cocos na Praça Jarbas de Lery, no São Mateus, em dias ensolarados, para gerar renda a fim de se manter no país.

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Há aproximadamente um ano morando no Brasil, Anas é um retrato de um povo que há quase quatro anos sofre com os conflitos entre as forças do regime de Bashar Al-assad e os oposicionistas, entre eles os rebeldes do Estado Islâmico. Desde 2011, quando se iniciou a revolta, o número de mortos chegou a 240 mil, de acordo com o balanço mais recente, divulgado em agosto pelo Observatório Sírio para os Direitos Humanos (OSDH). Entre crianças, o número de mortes foi de 12 mil. Com o avanço do Estado Islâmico sobre o país, que luta para estabelecer um califado, o conflito entre forças governistas e oposicionistas se intensificou, levando à maior crise de refugiados em território europeu. Em setembro, o tema causou perplexidade, quando a foto de uma criança de 2 anos morta em uma praia da Turquia ganhou repercussão, rodando todo o mundo.

Hoje mais seguro em terras brasileiras, tendo já passado por Porto Alegre (RS) e São Paulo (SP), Anas também vende livros de yoga e pensa em ter um centro de yoga onde possa ser professor. Entre um cliente e outro que recebe ao vender cocos, expressa em tímido português, e, às vezes, em inglês, a gratidão pela generosidade que lhe é atribuída em um ambiente de paz.

Quando questionado sobre a situação da Síria, os olhos angustiados expressam a dor de um imigrante que perdeu as esperanças com o futuro de seu país. “Me desculpem, mas a Síria está acabada. Talvez em dez, 20 anos, mas é muito complicado. São muitos grupos e grandes forças envolvidas. Não há espiritualidade. Todo mundo quer dinheiro, as forças militares protegem suas fronteiras. Não há espiritualidade real, amor e humanidade. Os americanos dizem “amor, democracia”, mas não pregam isso de verdade. Eles querem proteger suas fronteiras. Espero que, com meu relato, o mundo inteiro se pareça mais com Juiz de Fora”, afirma.

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Angústia também afeta aqueles que vivem há décadas na cidade

A angústia também toma imigrantes sírios que vivem em Juiz de Fora há décadas, mas ainda nutrem laços com sua nação de origem. A presidente do Clube Sírio Libanês de Juiz de Fora, Mounira Haddad Rahme, de 78 anos, vive há 61 anos na cidade, onde constituiu sua família que já chega à quarta geração. Entre os familiares que ainda moram na Síria, a proprietária da loja de tecidos Casa Chic, na Rua Marechal Deodoro, ainda tem duas irmãs e 18 sobrinhos que estão em Yabroud, a 80 quilômetros da capital Damasco.

“Temos que nos unir, sírios e libaneses, com a mesma dor, senão fica impossível de se viver. Você não imagina como é difícil ligar para a minha irmã, e ela dizer ‘escuta, olha as bombas, olha como estão se matando’. Os próprios rebeldes que entravam na cidade, entre eles, estavam se matando. Estamos rezando pela paz. Que Deus ilumine os graúdos para fazer a paz”, diz. Mounira relata que, desde 2010, não retorna à Síria, onde costumava ir sempre durante os períodos de concórdia. “Antes dessa guerra, era um país maravilhoso para se viver. Havia a paz. O povo sírio era culto, com escolas de norte a sul, íamos às festas com muita tranquilidade. Hoje as coisas estão muito difíceis, os produtos muito caros. Agora já são cinco anos que não vejo meus parentes”, lamenta.

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Pároco da Igreja Católica Melquita do Rito Bizantino, o monsenhor João Carlos Teodoro promoveu entre os fiéis uma rifa para angariar recursos a serem destinados às vítimas do conflito na Síria. Da mobilização, foram enviados ao bispo de Homs, Hama e Yabroud, dom Abdo Arbach, o total de U$ 7 mil que foram convertidos na moeda síria. “Nós tivemos uma adesão às pressas. Estive em Roma (Itália) em outubro e encontrei o nosso patriarca, que se queixou que o Brasil não havia feito nenhuma ação para ajudar o povo sírio. Como aqui é a igreja dos sírios, dos melquitas, alguém nos sugeriu que fizéssemos essa rifa”, conta.

 

Dificuldades

Embora a cidade se caracterize pela forte imigração síria e libanesa desde o século XIX, o padre João Carlos observa que Juiz de Fora tem hoje dificuldade de acolher os refugiados. A maior complicação, segundo ele, está no fator cultural. “Eles vêm para uma cultura que é totalmente oposta àquela que vivem lá, mesmo em tempos de paz. A nível de espiritualidade, de fé, se misturam, perdem a questão do próprio rito, a identidade religiosa. Tudo se move em torno da fé, em torno de uma política atrelada à questão religiosa. Eles não têm uma concepção de um mundo democrático. Mesmo o lado cristão sempre foi muito influenciado por uma teocracia muito grande que é essa relação político-religiosa forte no islamismo”, analisa.

Considerando a situação econômica, Teodoro destaca que a atual condição de trabalho também não tem sido favorável. “Chegando aqui e encontrando a nossa situação econômica e política nada louvável, sem empregos, ainda é mais difícil. Embora tenhamos a segurança que eles precisam, infelizmente está mais difícil oferecer uma segurança econômica.”

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