O projeto denominado “A esperança vem de casa” já promoveu mais de 1.175 visitas virtuais nas quatro unidades prisionais de Juiz de Fora, de acordo com a Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública de Minas Gerais (Sejusp/MG). Desde que a visita presencial em unidades prisionais de Minas Gerais foram suspensas a partir de recomendação da Portaria Conjunta 19/PR-TJMG/2020, publicada em 16 de março, a iniciativa se dedica à promover a manutenção do contato do indivíduo privado de liberdade com sua família. Embora a medida ajude a aliviar a preocupação e a angústia causadas pela falta de contato físico, a Associação de Familiares e Amigos de Presos cobra transparência na prestação de informações a respeito das ações de combate à pandemia.
Ainda segundo a Sejusp, 21 mil famílias são atendidas pelo projeto em todo o estado e 87% das 194 unidades prisionais estão oferecendo a modalidade aos custodiados. Além das visitas virtuais, o contato por cartas e ligações também é incentivado. A média prisional é de 35 mil cartas enviadas e recebidas e 15 mil ligações realizadas. Foi feito investimento de R$ 2,5 milhões na aquisição de equipamentos, como computadores, webcams e modens, para viabilizar este trabalho.
De acordo com o diretor regional de Polícia Penal da 4ª Região Integrada de Segurança Pública (4ªRisp) e do Departamento Penitenciário de Minas Gerais, Giuliano de Paula, essa iniciativa tem como objetivo a humanização da custódia. “Nós entendemos também que é uma medida muito importante de acolhimento, tanto para as famílias quanto para os acautelados e contribui significativamente para o processo de ressocialização.”
Na prática, segundo Norma Maria Fontes, que faz parte da Associação de Familiares e Amigos de Presos, e é mãe de André, que está preso, a visita é marcada com antecedência pela assistência social da unidade. “Elas ligam para nós uns dois dias antes e falam quais são os horários disponíveis. No dia, uns dez minutos antes de começar, elas entram em contato novamente, passam uma senha e eu anoto. Depois entro no aplicativo. A reunião começa, e o meu filho fica lá sentado, ficamos conversando.”
Além de permitir o contato com a família, a estrutura de aparelhos virtuais também dá condições para a realização de audiências judiciais. “Isso traz continuidade aos processos, às execuções e evita, justamente, o cerceamento do direito do custodiado de ter a sua causa avaliada. Traz também agilidade aos trâmites judiciais e contribui com o princípio da economicidade, porque ocorre uma redução dos procedimentos de escoltas externas, deslocamentos, trânsito, combustível e recursos humanos, o que representa uma diminuição de custo considerável.”
O diretor regional reitera que nada substitui o contato físico, no entanto, as ferramentas virtuais devem ser mantidas na rotina das unidades prisionais, no período de pós-quarentena. “Vai ser importante para o sistema prisional. É uma medida inovadora, que traz celeridade para a análise dos processos, além das visitas virtuais. Ela vai continuar sendo benéfica tanto para o Depen, quanto para o Tribunal de Justiça e para os custodiados e seus parentes.”
Famílias pedem mais transparência
Norma Maria Fontes conta que, embora as chamadas virtuais estejam funcionando e permitam sentir certo alívio pelo contato visual, elas não são suficientes para que se tenha ideia do estado real dos detentos. “Não é a mesma coisa. Meu filho André tem problema de saúde, ele tem diabetes mellitus. Fico super preocupada com ele. Estou depressiva, não consigo dormir. Isso mexe muito com o emocional da gente. Fico com muito medo de ele passar mal lá e não ter assistência.”
Encontrar o filho pessoalmente, segundo a mãe, dava uma noção melhor do que estava acontecendo. Segundo ela, as famílias tinham condições de levar alguma queixa ou cobrar algo que não estivesse correto, na avaliação delas, a partir dos relatos. A preocupação é que os detentos possam estar se sentindo retraídos com a mediação da conversa.
“Estou muito preocupada. Meu filho é diabético, corre o risco de pegar a doença (coronavírus). Sabemos que ela já está no presídio. Não sabemos se os cuidados são tomados. Mas não fico preocupada só com ele, fico com todos, porque eles precisam ter um atendimento. Tem horas que me sinto de pés e mãos atadas, sem saber o que fazer”, relata Norma.
A ansiedade que a mãe sente se une a de outras famílias que têm passado pela mesma situação. A associação, com o apoio do Coletivo Liberdade JF, lançou um manifesto virtual em vídeo e texto, que está disponível nas redes sociais e contém uma série de reivindicações às autoridades de segurança pública.
Segundo a advogada Alice Monnerat, que atua no Coletivo Liberdade JF, são recebidos relatos e denúncias sobre falta de acesso e de suporte aos detentos. “Há uma falta de informação bem grande sobre o que está acontecendo. Fica muito difícil saber se as medidas de proteção estão sendo cumpridas. Há muitas preocupações.”
Ela exemplifica a dificuldade com o envio de materiais. Antes as chamadas ‘bolsas’ com alimentos e itens de higiene eram levadas presencialmente. Agora, elas só chegam às unidades via Sedex. O que representa uma despesa muito grande para a rede familiar dos presos. “Muitas pessoas não conseguiram enviar o Sedex. Em muitos outros casos, diversos itens são negados sem justificativas.”
Segundo Alice, há questões que precisam ser avaliadas pelas autoridades. Como é o caso da Portaria 4/2020, da Vara de Execuções Criminais. “Ela determinou que 300 presos seriam colocados em prisão domiciliar. Só que, na hora de pedir a liberação, a mesma Vara que liberou a soltura está negando. São pessoas que fazem parte do grupo de risco, o que diminuiria esse risco e o número de pessoas em cada cela. O que teria impacto positivo no controle da pandemia.” Ela ainda destaca que a portaria segue as recomendações do Conselho Nacional de Justiça e do Tribunal de Justiça de Minas Gerais.
Entre as reivindicações do manifesto, além do cumprimento da portaria, está a solicitação de uma reunião com as autoridades, tanto com a Vara de Execuções Criminais, quanto com juízes, Ministério Público e direções prisionais da cidade. A ideia é que esse diálogo possa trazer soluções e alívio para as famílias.
O documento também solicita a disponibilização de canais de atendimento via telefone, WhatsApp e e-mail para familiares e advogados com garantia e protocolo de atendimento; a elaboração de um manual para envio do Sedex, sendo que, em caso de devolução do mesmo, seja enviada declaração assinada pelo diretor responsável com o motivo da não entrega e total transparência acerca das medidas adotadas para prevenção e controle de infecção da Covid-19.
Ações intensificadas
Segundo o diretor regional de Polícia Penal da 4ªRisp, Giuliano de Paula, várias ações são desenvolvidas dentro das unidades prisionais da região, desde que a pandemia começou. E a direção não tem, segundo ele, qualquer problema em atender à necessidade de contato de familiares dos presos. Ele sugere que seja encaminhado um ofício à diretoria, pontuando os questionamentos. O diretor regional reforça que também é possível fazer contato com as subdireções de atendimento e socialização de cada uma das unidades prisionais.
Ele explica que, em algum caso pontual de maior necessidade, ou gravidade, o protocolo é que as equipes de assistência social façam contato com as famílias cadastradas no sistema informatizado. O posicionamento é que familiares também podem fazer contato por telefone.
Sobre casos de coronavírus, Giuliano afirma que, quando há algum custodiado com sintomas, há equipes e núcleos de saúde nas unidades para fazer o atendimento. “Eles são atendidos por esses profissionais. São acompanhados e monitorados. Fazemos testes rápidos para a Covid-19 imediatamente. Caso o resultado seja positivo, eles continuam em monitoramento. Os presos são isolados no interior do estabelecimento. Se estiverem em celas coletivas, são isolados, acompanhados, monitorados. Temos procedimentos diários de higienização e desinfecção de toda a estrutura predial dos estabelecimentos prisionais.”
Ele ainda reforça que, em casos de sintomas mais graves, os detentos são encaminhados à rede de saúde da cidade, cujo hospital de referência é o de Pronto Socorro. “Além disso, os policiais penais continuam atuando, como não poderia deixar de ser, porque é uma questão de segurança pública. Mas a escala deles foi dilatada, justamente para evitar um lapso temporal maior deles, dentro das unidades.”
Alternativas para os Correios
O movimento grevista dos funcionários dos Correios preocupa em um momento em que os itens suplementares para os detentos só chegam via Sedex. O diretor Giuliano de Paula explica que assim que tomou conhecimento da paralisação, a Superintendência de Humanização e Atendimento ao Indivíduo Privado de Liberdade foi acionada. “Estão em estudo medidas que possam ser tomadas em relação a essa situação. Uma vez que o comparecimento às unidades para a entrega de pertences está suspenso, eles estão recebendo apenas o kit postal, por meio do Sedex. Mas tão logo tenhamos uma medida concreta, vamos divulgar para familiares e para a imprensa.”