
Uma em cada quatro crianças de 9 anos já provou alguma bebida alcoólica. A idade média em que os jovens ficam bêbados pela primeira vez é 13,7 anos. Vinte e nove por cento dos adolescentes de 15 anos bebem toda semana. Os dados alarmantes da Organização Mundial de Saúde (OMS) apontam para o uso cada vez mais precoce de álcool entre adolescentes. São eles os responsáveis por 6% de todo o consumo anual de álcool do Brasil, como mostra outra pesquisa divulgada pela Associação Brasileira de Estudos de Álcool (Abead). Com relação à dependência, levantamento feito com universitários, pela Secretaria Nacional Antidrogas (Senad), mostrou que 22% dos jovens estão sob risco de desenvolvê-la. O assunto ganhou repercussão esta semana durante audiência realizada na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), em Belo Horizonte. O uso precoce da bebida tem levado ao alcoolismo cada vez mais cedo tanto de mulheres quanto de homens.
A constatação é dos Alcoólicos Anônimos (AA), que tem percebido jovens, já dependentes do álcool, procurando ajuda. "Não fazemos uma pesquisa sobre isso, mas a cada dia percebemos que a idade dos participantes vem caindo. Também basta passar pelos bares para percebermos que garotos e garotas cada vez mais jovens estão bebendo", relata um dos coordenadores das reuniões do AA na cidade, que preferiu não se identificar. "Muitos chegam aqui com 20, 23 anos, já alcoolistas ou com dependência cruzada, ou seja, usuários de álcool e outra droga", conta outro integrante do AA. A preocupação é crescente, e casos graves chamam atenção, como a de um garoto que chegou em coma alcoólico no Hospital de Pronto Socorro (HPS), no último dia 26. O adolescente foi socorrido por populares no Bairro Alto dos Passos, Zona Sul. Como estava sem documentos, ficou sem identificação na unidade hospitalar.
Pesquisa realizada entre 2005 e 2009, pelo Laboratório de Pesquisas em Personalidade, Álcool e Drogas (Lappda) da UFJF, apontou que 63,7% dos entrevistados tiveram o primeiro contato com álcool antes dos 15 anos e indicaram a influência de amigos e a motivação "diversão ou prazer" como as razões para o consumo.
Maior rigor
Na audiência, solicitada pelo deputado Sargento Rodrigues (PDT), o objetivo foi discutir desafios e avanços da Lei 19.981, de 2011, que prevê sanções para o estabelecimento que não apenas vende, mas permite o consumo de álcool por menores de idade. "As crianças estão vulneráveis ao consumo de bebidas em razão não somente de estarem em processo de formação, como também por estarem expostas à divulgação de propagandas do produto, quase sempre associado a imagens que remetem a saúde, vigor e sensualidade. A audiência é importante para que esta realidade não seja negligenciada pela sociedade", justificou o parlamentar.
Festas
Os eventos open bar (com bebida liberada), realizados com frequência no município, também estimulam o consumo abusivo de álcool. Outro fator é a proliferação de bares em regiões concentradas do município. Nestes pontos, o acesso a bebidas é facilitado e pouco fiscalizado, mesmo com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) proibindo a venda a menores de 18 anos de idade. Nos Estados Unidos, por exemplo, 21 anos é a idade mínima para que a pessoa possa comprar bebida alcoólica, porque se chegou à conclusão de que o consumo precoce, além de aumentar o risco de acidentes, facilita o uso de outras drogas.
Para a pedagoga Jussara de Barros, integrante da Equipe Brasil Escola e autora de artigos sobre o assunto, a experimentação na adolescência é um ato de alto risco. "O jovem deve se manter afastado do álcool, porque é também considerado uma droga que leva ao vício. Aceitar convites de amigos para fazer seu uso às escondidas, nos bares ou mesmo em praças públicas e escolas pode levar a outras decorrências, pois a embriaguez aparece sem que a pessoa perceba."
Adolescentes admitem o uso abusivo
Nas ruas e nas portas de colégios, é fácil encontrar grupos de adolescentes com integrantes que se aventuraram no mundo do álcool antes dos 13 anos. Eles relatam que a primeira experiência foi escondida dos pais. Outros narram episódios vexatórios, principalmente, em festas. Na última quinta-feira, a Tribuna conversou com um grupo de dez adolescentes, todos estudantes do segundo ano do ensino médio de um colégio particular, que relatou suas experiências.
"Comecei a beber com 11 anos, mas era só para experimentar. Hoje já bebo em todo fim de semana que tem festa. Bebo mais vodca do que cerveja e já tive alguns episódios após beber muito. Já perdi a memória, meus amigos já me levaram para casa e uma vez cismei de dar um ‘peixinho’, durante uma festa, bati com o queixo no chão e cortei feio a língua", contou o estudante de 16 anos.
Do mesmo grupo, outro garoto admite que começou a beber aos 14, mas que faz uso do álcool sempre nos aniversários de 15 anos. "Não há mais festa sem bebida. Se não tiver bebida, não tem festa. Fica todo mundo travadão, e ninguém aproveita. Pode ir em eventos assim que há pelo menos três no chão passando mal." Outro amigo do grupo, também com 16, confessa que já urinou na roupa após fazer uso de "muita vodca".
Psiquiatra e presidente do Centro de Informações sobre Saúde e Álcool (Cisa), Arthur Guerra de Andrade é mais enfático. "O consumo inadequado é um grave problema de saúde pública. O simples uso de bebidas alcoólicas entre os jovens é um problema mais sério ainda. A posição do Cisa é de que esta atitude é inaceitável entre menores de 18 anos, pois pode trazer prejuízos ao seu desenvolvimento. Mas essa situação existe, e não podemos ignorá-la. É preciso que os pais saibam agir e orientar seus filhos (ver quadro). Não se pode esquecer de que, em qualquer quantidade, o álcool é uma substância tóxica e que o metabolismo das pessoas mais jovens faz com que seus efeitos sejam potencializados. Além disso, ele é responsável pelo aumento do número de acidentes e atos de violência, muitos deles fatais, a que se expõem os usuários."
Ainda conforme dados do Cisa, as doenças decorrentes do abuso alcoólico levam, em média, de 12 a 15 anos para aparecer nas mulheres, enquanto, nos homens, esse tempo varia entre 17 e 20 anos.
Facilidade para burlar lei e comprar bebida
Especialistas alertam que a venda ou o fornecimento indiscriminado de álcool para adolescentes em festas com bebidas liberadas, bares e outros estabelecimentos da cidade facilita o consumo e impulsiona o vício. Há três anos, a Tribuna acompanhou a rotina de um sábado na Zona Sul e constatou que os menores de 18 anos de idade compravam bebidas em alguns bares e em um supermercado sem empecilhos. De lá para cá, nada mudou. As cenas se repetem, sobretudo nos fins de semana, e são confirmadas pelos próprios adolescentes.
Embora cada um deles tenha suas histórias, a maioria afirma que é fácil comprar bebida, sobretudo em bares menores, mercearias ou supermercados sem a exigência de mostrar a identidade. "Se quiser beber, é bem fácil. Só não vendem quando é muita quantidade ou quando é um bar famoso. Aí, geralmente pedem o documento. Mas até aqui nesses bares em frente conseguimos comprar", contou um jovem, 17, estudante de um colégio particular no Centro.
Outro menino do grupo ouvido pela Tribuna ainda aponta uma estratégia para conseguir driblar o rigor de comerciantes e do Juizado de Menores. "Muitos têm documento falso, com idade de 18 anos. Aí fica mais fácil comprar."
Falta controle
Psiquiatra e professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de São Paulo, Ronaldo Ramos Laranjeira, também defende a ideia de que a falta de fiscalização e controle sobre a venda e a indústria da propaganda impulsionam o consumo entre os adolescentes. "Vivemos num mercado descontrolado, estrategicamente favorecido pela indústria do álcool. No Brasil, há um milhão de pontos de venda de álcool, um para cada 180 mil habitantes, a propaganda é bastante intensa, o preço é baixo e prevalece a falta de controle sobre a comercialização da bebida para menores de idade."
Coordenador do Comissariado da Vara da Infância e Juventude de Juiz de Fora, Maurício Gonçalves Alvim Filho, lembra que a venda e o fornecimento de bebidas alcoólicas para crianças e adolescentes é crime e deve ser combatida pela Polícia Militar. "Quando o comissariado flagra, toma a providência necessária, faz o auto de infração e encaminha para a Polícia Civil apurar. Mas o próprio Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) diz que a responsabilidade primeira é da família, depois da comunidade e, por último, do Estado. O grande problema é que a sociedade tolera e incentiva essa prática. O consumo começa geralmente em casa, em aniversários e churrascos. Como tudo que é tolerado pela comunidade, como o jogo do bicho ou o comércio de mídias piratas, é difícil de se combater, a venda e o uso de álcool pelos menores de 18 anos também são."
A Polícia Militar informa que o Programa Educacional de Resistência às Drogas (Proerd), realizado nas escolas, trabalha o combate ao uso de drogas e alerta sobre os malefícios do álcool e demais substâncias que causam a dependência química. Já na repressão, a corporação diz que realiza a prisão de comerciantes que vendem bebidas a menores de 18 anos e, para isso, conta com as denúncias da população, seja pelo 190 ou pelo Disque-denúncia, 181.
Entrevista: Arthur Guerra de Andrade, psiquiatra e presidente do Cisa
‘Os pais não devem se dobrar às pressões’
Para tentar entender o que tem levado os adolescentes a usarem álcool cada vez mais cedo e de forma abusiva, a Tribuna buscou respostas junto ao psiquiatra e presidente executivo do Centro de Informações sobre Saúde e Álcool (Cisa), Arthur Guerra de Andrade. Para o especialista, a necessidade de autoafirmação, a influência dos amigos e a permissividade dos pais são os fatores que colaboram para o consumo entre meninos e meninas.
Tribuna – Por que os adolescentes têm abusado cada vez mais do álcool?
Arthur Guerra de Andrade – É um somatório de fatores. O primeiro é que o consumo de bebida alcoólica é aceito e até estimulado pela sociedade. Em segundo, pela permissividade dos pais e pela facilidade em se conseguir álcool em casa e nas ruas, com a facilitação dos amigos mais velhos. Neste cenário, o adolescente, que é curioso e inseguro, passa a imitar o comportamento dos mais velhos e a fazer uso do álcool e também do cigarro. O mais grave é que o adolescente não sabe beber. Ele bebe pelo efeito, para ficar mais solto e mais confiante, e não pelo gosto, pela apreciação da bebida. E aí bebe muito, e, como o corpo e o cérebro não estão maduros o suficiente, os efeitos são potencializados, podendo chegar ao coma alcoólico, e, em casos mais raros, à morte.
– Na cidade não existe um tipo de controle eficiente para coibir o consumo de bebidas pelos adolescentes. Cenas de garotos bebendo em supermercados, praças e bares são comuns. Eles conseguem comprar cerveja apesar da pouca idade. O senhor acredita que isso contribui para o consumo exagerado?
– Não tenho dúvidas. A facilidade de aquisição contribui para o consumo impróprio pelos adolescentes.
– A questão é que, atualmente, toda festa de adolescentes possui bebida alcoólica. Muitos falam com os pais que, se não houver bebida em seu aniversário, os amigos não irão. O que os pais devem fazer quando o adolescente insiste nesse ponto?
– Os pais têm a missão de zelar pela saúde e educação dos filhos e não podem se dobrar às pressões. Em cada idade, há uma forma de agir (ver cartilha acima).
– Normalmente, a dependência do álcool leva anos para estabelecer-se. Mesmo assim, é possível o adolescente tornar-se dependente?
– Sim. Não que vá se tornar um alcoolista com 16, 17 anos. Mas quanto mais cedo começar a consumir álcool, maior o risco de tornar-se um adulto jovem dependente.
– Existem fatores de risco para o alcoolismo na adolescência? O pai que bebe pode influenciar o filho? Há alguma herança genética?
– A herança genética pode explicar parcialmente a vulnerabilidade de alguns indivíduos à dependência do álcool, mas outros fatores também demonstram estar relacionados. Entre eles podemos citar o estilo de vida e a influência do meio sobre o adolescente.
– O adolescente que bebe está mais propenso a usar outras drogas?
– Com certeza. O álcool é a porta de entrada para o mundo das drogas.