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Atritos entre moradores de rua e vizinhança refletem falta de políticas públicas

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Comum a todas as pessoas que vivem nas ruas é a perda do vínculo social em alguma etapa da vida. Cada uma delas, como justificativa, tem uma narrativa de abandono que as levaram a tal situação. Nos últimos meses, a percepção de que há mais gente morando nas ruas de Juiz de Fora é flagrante. O cenário pode se agravar, uma vez que foi fechada, no último sábado (30), a Casa de Passagem (Fundação Maria Mãe), que não se habilitou no chamamento público realizado pela Prefeitura, em 2017. Até aquela data, o serviço que deveria ser prestado pela Agência Adventista de Desenvolvimento e Recursos Assistenciais (Adra) não havia conseguido o comprovante de inscrição no Conselho Municipal de Assistência Social (CMAS) para essa oferta. Com isso, a Prefeitura encaminhou, provisoriamente, mais de 20 mulheres assistidas ao Núcleo do Cidadão de Rua, conhecido como albergue. No entanto, nem todas aceitaram permanecer na entidade, e algumas optaram por voltar às ruas. O Plano de Políticas Públicas para Pessoas em Situação de Rua, criado há dois anos, ainda não foi colocado em execução e precisa ser revisto.

Outro ponto de concentração de pessoas em situação de rua na cidade está sob as pontes do Rio Paraibuna, como na Rua Benjamin Constant (Foto: Felipe Couri)

Para a coordenadora do Centro de Referência em Direitos Humanos de Juiz de Fora e regional Zona da Mata, Fabiana Rabelo dos Santos, a crise de redução de direitos que atravessa o Brasil pode ser uma das explicações para o crescimento de pessoas em situação de rua, que pode ser observado pela ocupações improvisadas em diversos pontos do município. Mas ela é enfática ao afirmar que o que mais impacta é falta de políticas públicas municipais efetivas para o atendimento dessas pessoas. “O país vive uma crise, há falta de empregos, muitos que viviam de serviços informais tiveram a oferta reduzida. Tínhamos um número pequeno de pessoas em situação de rua e que tinham sido inseridas no auxílio-moradia. Quase todas perderam o benefício e muitos retornaram às ruas por falhas do Município. Não existe uma política que realmente pense na população em situação de rua, que ofereça profissionalização, encaminhamento para o mercado de trabalho, porque não basta fazer o currículo, como a Prefeitura oferece no Centro POP, porque não adianta fazê-lo e entregá-lo na mão do morador de rua. O que é necessário mesmo vai muito além disso”, argumenta Fabiana.

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De forma contrária a essa visão, a gerente do Departamento de Proteção Especial da Secretaria de Desenvolvimento Social, Gisele Zaquini, pondera que o Poder Público não tem a percepção do crescimento da população de rua. “Na verdade, nesta época do ano, por conta dos moradores de rua terem que se proteger mais do frio, eles ficam mais visíveis aos olhos da sociedade. Porque o movimento de pessoas em situação de rua que temos mapeado no município vem se mantendo, mas percebemos que a visibilidade tem ficado maior, porque os pontos onde esses moradores permanecem são de maior visibilidade social”, pontua Gisele.

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A gerente observa que a área central e os bairros com maior concentração comercial são os locais onde mais pode ser observada a circulação da população de rua. “São regiões onde existem mais possibilidades, no caso de quem está na mendicância, de sensibilizar as pessoas. É perceptível que estão começando a surgir focos em áreas comerciais, como Rua Halfeld, Avenida Getúlio Vargas, justamente porque nesses locais eles conseguem vender e ganhar as coisas”, avalia Gisele.

Sobre o programa de auxílio-moradia, a assessoria de comunicação da Secretaria de Desenvolvimento Social afirmou que se trata de um beneficio eventual, que tem por objetivo auxiliar a pessoa em situação de vulnerabilidade social ou em risco habitacional, que será incluída no auxílio através de um relatório social.
A família pode receber o benefício por seis meses, renováveis por mais seis meses, em prestações de R$ 240, mediante a avaliação de um novo relatório social da situação atual, que é elaborado por um técnico de referência das unidades encaminhadoras.

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Devido à realização do chamamento público, em cumprimento da Lei Federal 13.019, o programa passará por uma reordenação. A pasta ainda informou que não há registro na Secretaria sobre a participação de moradores em situação de rua no auxílio-moradia.

Comitê espera implantação de plano

Desde novembro de 2016, o Comitê Intersetorial de Políticas para Pessoas em Situação de Rua (Comitê Pop Rua) aguarda que o projeto de lei que estabelece propostas de políticas públicas para pessoas em situação de rua seja executado. O documento foi elaborado pelo comitê, que é paritário e tem participação da sociedade civil e de representantes da Prefeitura, aprovado em plenária em novembro de 2016 e enviado para a Secretaria de Desenvolvimento Social. O Executivo deveria analisar o documento e encaminhá-lo ao Legislativo, para posterior análise e aprovação na Câmara. O objetivo era instituir a política para inclusão social da população em situação de rua, estabelecendo diretrizes, que, conforme o documento, deveriam ser implantadas com primazia de responsabilidade do Poder Público municipal. “Na última reunião que tivemos, em junho, a secretária Tammy Claret (da Secretaria de Desenvolvimento Social) disse que vai fazer com que o projeto tramite na Prefeitura. Esse plano foi dividido em eixos: profissionalização, trabalho, assistência, saúde, além de elencar várias ações a serem implementadas no atendimento à população. Esperamos que essa política entre em vigor, para que as coisas comecem a acontecer”, vislumbra Fabiana Rabelo.

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Ela lembra que o plano precisa ser revisado e encaminhado para apreciação do prefeito. “Essa política tem que ser transversal para que as ações sejam efetivadas de fato. Hoje há um diagnóstico que não foi atualizado e não passa de números, porque o plano ficou parado.” A Secretaria de Desenvolvimento Social informou que analisou o projeto de lei encaminhado pelo Comitê Pop Rua e, devido a sua complexidade, a equipe interna elaborou um parecer com as alterações necessárias para o andamento do processo. A pasta afirmou que vai apresentá-lo na próxima reunião mensal com o Comitê os pontos a serem discutidos.

‘Eles proíbem a gente de passear, e eu adoro passear’

Na Rua da Bahia, no Poço Rico, moradores foram retirados de área, onde havia sete barracas improvisadas (Foto: Felipe Couri)

Ao amanhecer, Adilson dobra o seu cobertor, enrola seu colchão e recorre a uma caneca de alumínio. Com ela, o andarilho percorre casas na vizinhança à procura de café e quem sabe até de um pão com manteiga, quando tem mais sorte. Mais ou menos dessa forma começam todos os dias do homem, de 34 anos, do rosto cheio de vincos, que o fazem parecer muito mais velho. Atualmente, Adilson dividia um ponto com outros moradores de rua, próximo à rotatória da Rua Barão de São Marcelino, entre os bairros São Mateus e Santa Cecília, na Zona Sul. Simpático, conversou com a reportagem. Contou que, depois de receber o que comer, arruma seus pertences e passa o dia na praça. Em dias de chuva ou frio, muda-se para debaixo de uma marquise. Ele já não se lembra mais há quantos anos vive nas ruas. A memória falha, mas disse que veio da roça e que sua mãe e pai já são falecidos. Adilson diz que nunca teve uma casa de fato. “Minha família nunca teve casa própria. Éramos muito pobres e, por isso, não tenho vontade de voltar. Meu negócio é a rua”, afirmou o homem, expondo um sorriso. Ele contou que já esteve em abrigos da Prefeitura, mas não gostou. “Eles proíbem a gente de passear, e eu adoro passear.”

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Do outro lado da rua, outras três pessoas, que fazem parte do grupo de Adilson, arrumavam o barraco na calçada, ajeitando papelão, cobertores e colchões. As paredes e o teto, que os protegem do frio, é uma mescla de material reaproveitado. No seu interior, eles pensam estar a salvo de olhares alheios. Uma ironia do destino, já que se sentem invisíveis, uma vez que muitos pedestres, ao cruzarem o trecho, evitam enxergá-los e, quando o fazem, têm olhos de reprovação. São duas mulheres e um rapaz. Eles, a princípio, não queriam conversa, mas uma das mulheres, que não disse o nome, mas afirmou ter 35 anos, iniciou um diálogo. “Quem passa por aqui, às vezes, quer nos julgar. Mas não sabe de nada. Não imagina o que passamos, o que aconteceu na nossa vida para nos trazer até aqui”, afirmou. Ela contou que estava na rua por ter problemas com a família. “Estamos nessa esquina há quase uma semana. Mas não vamos ficar por aqui. Daqui a pouco é hora de sair, de dar no pé”, disse, relatando que não cortou em definitivo suas relações com seus familiares. “Às vezes, passo um período lá com eles, mas é difícil e, por isso, preciso deixá-los. Tenho que espairecer”, afirmou a mulher, que defendeu: “Se a rua fosse ruim, ninguém estaria aqui, mas também tem problemas, e todos têm motivo para escolher a rua.”

Atualmente, Juiz de Fora não conta com levantamento que aponte o número de pessoas nas ruas. O último diagnóstico, de 2015, apontava 879 pessoas em situação de rua (Foto: Felipe Couri)

Ainda em outro ponto da Rua Barão de São Marcelino, uma mulher dormia na calçada. Não havia cobertor, nem colchão. Era apenas ela em cima do concreto feito de cama. Passados alguns minutos, ela despertou. Estranhou a presença da reportagem. Foi questionada sobre ter frio ou dores pelo corpo. “Já estou acostumada. Tenho osso duro”, disse. Outras perguntas foram dirigidas a ela, mas não respondeu, começando a agir como se não houvesse mais alguém ali perto. Em seguida, levantou-se e foi embora.

Distante dali, no Bairro Poço Rico, Zona Sudeste, sete barracos improvisados foram montados junto ao muro da linha férrea, na Rua da Bahia. Dez pessoas dividiam o espaço, onde também há um local para um fogão feito de tijolos, que é usado por todos. Muitos cobertores, colchões, papelão e outros utensílios visíveis. Um cachorro descansava à sombra de uma carrocinha usada para transportar material reciclável. Quando o carro da reportagem parou, um dos homens que estava acendendo o fogo, para cozinhar, disse: boa tarde! Todavia, quando perguntado se poderia conversar com a equipe do jornal, pediu desculpas e disse que não. “Prefiro que outra pessoa fale”, respondeu. Em seguida, surgiu um segundo homem, que se identificou como Júlio, de 40 anos. “Estamos aqui, porque não temos para onde ir”, alegou. Sobre a vizinhança, ele disse que a convivência é tranqüila. “A gente faz pequenos serviços, como capina, mudança, entrega, e as pessoas nos ajudam. Assim, ganhamos um dinheirinho. Além disso, entre nós, não mexemos nas coisas um do outro”, ressaltou.

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Uma mulher, que estava em uma das barracas, aproximou-se e entrou na conversa. “Somos felizes aqui. Ganhamos comida e temos muitos amigos no bairro”, pontuou. Quando se pergunta sobre o motivo de estarem vivendo na rua, eles não respondem, dizem que é melhor não falar. Se desejam voltar para suas famílias ou ter um outro tipo de vida, Júlio desabafa: “Não tempos problemas com a vizinhança. O pior que nos acontece é quando algumas autoridades aparecem e querem nos levar, tirar nossas coisas. Isso não aceitamos. A Prefeitura só quer dar lugar para dormir e comer, mas só isso não resolve nossa situação.” Depois disso, Júlio alegou que não podia mais conversar, pois tinha outras coisas para fazer, mas afirmou que a reportagem podia voltar em outra ocasião para falar com os outros moradores que não estavam no local.

Na Praça da Estação, no Centro, um homem, que não quis dizer o nome e a idade, via o tempo passar sentado sobre diversos tecidos. Ele não tinha barraca, apenas sacolas e vasilhames ao seu redor. “Como não tenho nada para fazer, gosto de ficar por aqui, vendo o movimento. Muita gente passa e algumas me ajudam”, contou. Ele disse que saiu de casa e que escolheu a rua, porque começou a ter problemas com o consumo de bebida alcoólica. “Minha mulher não me aguentou. Tinha briga sempre. Um dia eu saí de casa e não voltei mais. Ela andou me procurando, mas desistiu de mim. E eu nem culpo ela por isso”, lamentou. Segundo ele, começou a viver na rua, em 2016. Desde então, largou o emprego, também devido à bebida. Agora vive de bicos ou da ajuda das pessoas. “Essa talvez seja uma fase que eu esteja atravessando. Tenho fé de retornar a minha vida. Pode ser que minha mulher me aceite de volta”, disse. A reportagem perguntou sobre filhos, mas o homem abaixou a cabeça e respondeu que já tinha falado demais.

Moradores de rua voltam à Barão de São Marcelino após abordagem

Na Rua Barão de São Marcelino, em São Mateus, grupo de moradores de rua volta a ocupar calçada logo após abordagem (Foto: Felipe Couri)

Cinco dias depois que a reportagem esteve na esquina da Rua Barão de São Marcelino com a Rua Melo Franco, equipes de abordagem da Prefeitura, em conjunto com a Guarda Municipal e a Polícia Militar, estiveram no trecho, onde permanecia o grupo do morador Adilson, para a retirada dos moradores de rua que estavam naquele ponto. A ação aconteceu por volta das 11h, da última terça-feira (3), porém, no meio da tarde, do mesmo dia, um casal, junto de seu filho, já tinha voltado para a esquina.
Segundo a moradora do bairro, Lígia Rosa Seccadio, a ação do Poder Público atendeu um pleito da comunidade, uma vez que acumulava reclamação acerca da presença dos andarilhos. Conforme Lígia, com a obstrução da calçada, os pedestres eram obrigados a andar pela rua. “A situação estava ficando crítica, pois a concentração de moradores de rua já estava trazendo problemas relacionados a drogas, com indivíduos fazendo uso de crack, ficando nus aos olhos dos transeuntes, além fazerem suas necessidades fisiológicas na frente de nossas casas.”

De acordo com Lígia, as barraquinhas foram montadas outra vez na esquina. “Uma mulher já estava com uma lata, fumando crack dentro da tenda. Vamos fazer uma reunião, na 32ª Companhia da PM, para solicitar ao comando que olhe por essa situação, porque esses andarilhos estão coagindo as pessoas. Já entraram na garagem da minha casa, fazem abordagem às adolescentes com palavras de baixo calão. A convivência com eles deixou de ser harmônica, pois, com a chegada de mais três, a situação piorou”, afirma Lígia, que disse que irá solicitar aos moradores do entorno que parem de doar comida ao grupo. “Tem estabelecimento que dá café da manhã e, por isso, eles não vão embora. Tem morador que acha desumano não dar, mas é preciso entender que existem entidades que os recolhem.”

Já na manhã desta quarta-feira (4), a mesma ação da Prefeitura retirou o grupo fixado, na Rua da Bahia, no Poço Rico. A abordagem ocorreu, por volta das 10h, e contou com veículos para retirada dos pertences dos andarilhos que permaneciam no local.

Para o sociólogo Igor Rodrigues, que elaborou o Diagnóstico da População em Situação de Rua apresentado ao Poder Público, esse tipo de intervenção é apenas providencial, que faz parte de uma política fragmentada, imediatista e que não trata das causas, mas sim de seus efeitos. “Quando se vai a determinado local e só se faz a retirada dos pertences e das próprias pessoas, elas vão voltar para o mesmo local ou se deslocarem para outro ponto. Então, trata-se só o gargalo. E, mesmo que essa população não tenha aumentado ao longo desses anos, a questão é que essa população de rua e a população em geral têm sofrido mais os efeitos da rua. Essa população está mais exposta, a qualidade de vida dela caiu. Então, é preciso medir essa qualidade, e acredito que tenha havido uma piora”, avalia Igor.

Segundo ele, o fato de essa população estar mais visível pode ser indicativo de que equipamentos de assistência não estejam funcionando. “Indicamos no diagnóstico como medida a reforma do Núcleo do Cidadão de Rua, e não foi feito. O real problema é que a Prefeitura tem evitado debater de maneira complexa essa questão.”

Diretrizes de relatório ficaram no papel

Dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), divulgados em 2017, projetavam que o Brasil tinha pouco mais de cem mil pessoas vivendo nas ruas. Das 101.854 pessoas em situação de rua, 40,1% estavam em municípios com mais de 900 mil habitantes e 77,02% habitavam cidades com mais de cem mil pessoas, como Juiz de Fora. Já nos municípios menores, com até dez mil habitantes, a porcentagem era bem menor, de apenas 6,63%. Atualmente, Juiz de Fora não conta com um levantamento recente que aponte o número de pessoas nas ruas. O último diagnóstico, de 2015, apontava 879 pessoas morando nas vias públicas.

Segundo a gerente do Departamento de Proteção Especial, Gisele Zaquini, o mapeamento ainda é bem atual e traz uma diferença entre pessoas moradoras de rua e aquelas em situação de rua. “Existem os que têm sua residência, mas utilizam a rua como meio de sobrevivência, desde vender papel, catar latinha ou pedir esmola e que são considerados em situação de rua. Já aqueles que usam o local para dormir e fazer suas necessidades fisiológicas são moradores de rua.”

Já o sociólogo Igor Rodrigues considera que a realização do diagnóstico era necessária, pois não se tinha noção do que essa população enfrentava e do seu tamanho. “A questão é que, após o relatório, que é completo em termos de vozes que fazem parte dele, não houve ações sistemáticas, e o termo sistemático é importante, porque pode ter havido ações fragmentadas. Essas ações sistemáticas reforçavam a ideia de que o problema deveria ser tratado de acordo com o que foi diagnosticado. De lá para cá, elas não aconteceram. Portanto, o diagnóstico tornou-se instrumento meramente político utilizado pela Prefeitura, porque era uma pauta da sociedade, que, junto com a mídia, instituições e outros atores sociais reclamavam da ausência de um diagnóstico. O documento era uma das três etapas do que chamamos de pacto social e, se não encararmos isso de forma séria, o problema não será resolvido. Era preciso a adoção de diretrizes, ações públicas e um acompanhamento para saber os resultados colhidos por essas ações”, pontua Igor.

Necessidade de ampliação de serviços de atendimento

O morador de rua, Júlio, ao ser ouvido pela reportagem, disse que, para melhorar a situação de quem vive ao relento, seria preciso mais que comida e lugar para dormir. Gisele Zaquini afirma que a Prefeitura tem trabalho voltado para a inclusão socioprodutiva dos habitantes nessa situação e o que existe é uma dificuldade para inserção dessas pessoas no mercado de trabalho por conta dos problemas do próprio mercado. “Pensar dessa forma é ter uma visão reducionista do serviço, que, no início, oferece onde dormir e o que comer, pois todos os seres humanos precisam disso para ter qualidade psíquica para dar conta de outras situações da vida. Mas todos os nossos serviços têm psicólogo, assistente social e pedagogo, que buscam a promoção das pessoas. Assim, temos cursos de qualificação profissional, como os que já foram ministrados em feitura de blocos para construção civil, panificação, doceiro, salgadeiro. Eles são elencados de acordo com a demanda do mercado. Além disso, temos parceria com a Secretaria de Educação por meio da Educação de Jovens e Adultos. Assim, qualificamos para a mão de obra imediata e também para formar, a fim de que a pessoa consiga ter uma profissão ou mudar da que já tem”, ressalta Gisele, completando: “O serviço é uma porta de entrada para outros programas”. Ela enfatiza que a questão de ter o endereço do abrigo no qual a pessoa está vinculada no currículo é uma estratégia.

“Todo morador de rua que faz a adesão ao serviço de assistência social pode oferecer o endereço do abrigo como referência profissional. Isso é uma questão institucionalizada, e isso é bom para ele, pois, além do endereço, ele tem a referência da equipe técnica caso o empregador entre em contato.”
Todavia, na visão da coordenadora do Centro de Referência em Direitos Humanos de Juiz de Fora e regional Zona da Mata, Fabiana Rabelo dos Santos, que também é coordenadora do Comitê Pop Rua, o município ainda tem muito a ampliar para que esse atendimento faça-se significativo. “É necessário dar a eles profissionalização, e encaminhamento para o trabalho. Um programa que vai efetuar todas essas ações, seja através de cooperativas ou de parcerias com empresas.”

Ela ainda pontua que é errado pensar que essas pessoas não trabalham. “Há aqueles que recolhem material reciclável e trabalham muito, para, no fim do dia, ganhar de R$ 10 a R$ 20. Além disso, há os que trabalham, mesmo de forma ilegal, como tomador de conta de carro, serviço de capina, descarregando caminhão e, muitos deles, quando aparece uma oportunidade de trabalho, aceitam. Mas eles são vistos pela sociedade de forma marginalizada. Quando o Poder Público pontua os equipamentos que oferece, parece que essas pessoas estão nas ruas porque querem”, considera Fabiana.

Na contramão, Gisele Zaquini aborda que existem estudos que dizem que o tempo que se demora para tirar uma pessoa da rua é o dobro do tempo em que ela está nessa situação, porque são vários fatores que levam a isso, como financeiros, emocionais e físicos. “O trabalho social precisa atuar nessas várias frentes para que consigamos alcançar a promoção dos moradores de rua. E é neste sentido que a assistência social trabalha. Toda vez que somos acionados para alguma verificação, primeiro fazemos uma abordagem social do cidadão, para identificar quais foram os fatores que contribuíram para que ele ficasse na rua. A partir do momento que essa identificação é feita, o trabalho é em cima desses fatores identificados. Então, temos alguns equipamentos para auxiliar nessa questão. Hoje temos a abordagem social, que faz a porta de entrada da pessoa em situação de rua nos serviços da Prefeitura. Há uma equipe preparada para essa conversa inicial, que é feita na rua mesmo. Ainda há o Centro POP, onde há assistente social, psicólogo e pedagogo para fazer uma triagem da vida dessa pessoa, identificar onde a rede de assistência social pode atuar. Temos o Núcleo Cidadão de Rua, que é uma casa de passagem para homens, onde as pessoas podem dormir, se alimentar, tomar banho, trocar de roupa, temos cem vagas para homens e 50 para mulheres. Temos um acolhimento institucional de adultos para aqueles moradores de rua que precisam de atenção especial, seja com relação a questões de saúde, de psicologia e pode ser atendido em sistema de 24 horas”, afirma Gisele.

Ela confirma que, hoje, o município disponibiliza 200 vagas para atendimento do cidadão de rua. “Todo o trabalho pode ser ampliado, mas, dentro do que conseguimos de adesão, esse número atende a nossas necessidades, pois não deixamos de atender nenhum morador. Todos que procuram pelo serviço de pernoite são beneficiados.”

Resistência aos serviços

Intolerância, brigas internas e falta de liberdade são algumas das críticas feitas à reportagem pelos moradores de rua no que tange aos abrigos. Na opinião de Gisele Zaquini, esse discurso é muito comum quando eles têm resistência em aderir aos serviços. “Procuramos sempre ouvir qual é a queixa, porque todo o serviço que atende a um quantitativo de pessoas precisa de regras. Todos os nossos estabelecimentos possuem regras de convivência, para manter a urbanidade mínima para se conviver, mas existe a opção de a pessoa não querer aderir às regras, não é rígido, são regras para sentar, comer, tomar banho, esperar para o banho.”

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