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Juiz de Fora tem cinco casos diários de violência contra mulher

Pessoa espancada
Izaura Yung mostra como ficou após ser estuprada e asfixiada por ex-namorado; ela sofreu traumatismo craniano e teve que passar por cirurgia no nariz (Foto: Marcelo Ribeiro)
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Quando o ex-namorado da auxiliar administrativa começou a apertar o pescoço dela, após estuprá-la dentro de um motel da cidade – para onde foi levada em novembro do ano passado sob ameaça de uma arma -, a mulher de 35 anos jamais imaginou que ele seria capaz de chegar a este ponto. Estava enganada. Izaura Yung foi violentada, brutalmente espancada e estrangulada pelo homem por quem se apaixonou um ano e meio antes do episódio que quase lhe roubou a vida. Enquanto tentava desbloquear o celular para pedir ajuda, o agressor apenas a aconselhava a dormir: “Dorme que acabou” foi a frase que ela diz ter ouvido antes de desmaiar. Sem ar, Izaura ainda fixou o rosto da filha de 14 anos na foto que usava como papel de parede de seu telefone. Ficou desesperada ao perceber que corria o risco de perder o crescimento da adolescente. Apesar de ter sido uma das poucas mulheres a mostrar o rosto, Izaura não está sozinha quando o assunto é a violência doméstica, familiar e sexual. Nos últimos quatro anos e meio, mais de 8.500 vítimas foram atendidas pela Casa da Mulher, o que indica a ocorrência de cinco casos diários de violência.

Izaura sofreu traumatismo craniano após ser espancada pelo ex-namorado, passou por uma cirurgia de reconstrução no nariz, ficou com os lábios deformados e ainda tenta juntar os cacos de sua autoestima. “Dois dias depois, quando fiquei sozinha dentro do banheiro para tomar banho, fui tirar aquele vapor do espelho. Foi quando me vi. Tive uma crise de choro muito grande. Estava deformada. O pior foi saber que a pessoa que fez isso era alguém que já conviveu comigo”, revelou.

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A coordenadora da Casa da Mulher, Rose França, explica que, quando as vítimas não denunciam, o problema cresce. “Muitas mulheres que sofrem violência física, psicológica e sexual não têm coragem de denunciar, porque acham que o agressor ficará impune. Elas ainda não têm confiança na resposta do poder público. No caso de Izaura, quando o ex-namorado viu que ela não o denunciou nas primeiras vezes que a ameaçou, ele ficou forte.”

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Medo fez vítima não denunciar

O pior foi saber que a pessoa que fez isso era alguém que já conviveu comigo, diz Izaura (Foto: Marcelo Ribeiro)

O calvário de Izaura Yung começou bem antes da tentativa de homicídio. Separada do ex-namorado em 2015, ele queria retomar o relacionamento de cinco meses na marra. Em 2016, passou a ameaçá-la e usar a filha dela para aterrorizá-la. Se não saísse com ele, os familiares dela pagariam. “Me culpo por ter tido medo, mas ele ria toda vez que eu falava em buscar uma medida protetiva. Ele falava que me daria um tiro mesmo com a medida protetiva e que bateria em mim e na delegada. Acreditei que não tinha como me proteger dele. Chegou um ponto em que comecei a aceitar aquela vida para mim”, revela.

Em entrevista exclusiva para a Tribuna, Izaura Yung voltou ao dia 15 de novembro de 2016, quando foi levada para um motel da Estrada União e Indústria, onde foi obrigada a praticar sexo sem o seu consentimento. “Eu não esperava que ele fosse tentar me matar. Imaginei que ele ia querer ter relação comigo à força, porque isso para ele era normal, pois eu tinha que ter sempre que ele quisesse. Chegando lá, ele rasgou minha blusa, tirou meu short, colocou a arma na cabeceira. Quando acabou, eu vi ele levantar, vestir a roupa normalmente e ainda me dar um beijo na testa. Aí eu arrumei meu short e disse pra ele: acabou. Não vou embora com você hoje. Vou tomar uma providência. Foi quando ele pulou em cima de mim igual um bicho. Me deu um mata leão e me jogou no chão. Pegou no meu pescoço – as marcas só foram aparecer dez dias depois -, e lembro que minha voz foi sumindo. Ele falou no meu ouvido: dorme que acabou, não reage que é pior. Pedi a Deus para não me deixar morrer naquele quarto”, lembra.

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Izaura ficou desacordada e, quando retomou a consciência, estava no banco de trás do carro do ex-namorado. “Quando abri o olho, vi a porta do motel abrindo. Eu abri a porta do carro, ele deu ré, eu comecei a correr pelo pátio e gritar por socorro. Quando ele desceu do carro, me cercou no pátio, me deu uma banda e começou a me bater. As camareiras do motel me acudiram, e ele fugiu.” Levada para o HPS à meia-noite, Izaura passou por atendimento no Protocolo de Atendimento ao Risco Biológico, Ocupacional e Sexual (Parbos), mas assinou um termo recusando a internação.

Nas primeiras horas da manhã, ela foi para a Casa da Mulher onde, finalmente, prestou queixa contra o ex-namorado que já cumpriu pena por assassinar uma mulher anos antes. Quando a auxiliar administrativa descobriu o crime, ela terminou com ele. Acuado diante da repercussão do caso envolvendo Izaura, ele se apresentou na Delegacia da Mulher dias depois. Saiu preso de lá preso e continua detido no Ceresp.

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Foi a filha de Izaura, uma menina de 14 anos, quem deu força para a mãe enfrentar a realidade. “Não consigo pensar o que seria de mim se ela tivesse morrido. Senti uma revolta muito grande, porque o que ele fez com ela foi desumano. No dia em que a vi toda machucada, não queria demonstrar para ela meu sofrimento. Lembro que beijei a testa da minha mãe e disse: você continua linda”, relembra a estudante, emocionada.

Violência atinge todas as classes e idades

A coordenadora do Protocolo de Atendimento ao Risco Biológico, Ocupacional e Sexual (Parbos), Ana Cláudia Bastos, afirma que a violência sexual não está mais limitada a um grupo etário. Recentemente, uma mulher de 61 anos foi violentada por um sobrinho em Juiz de Fora. Na região, duas meninas de 12 e 14 anos tiveram a perícia confirmada para estupro. O pai das garotas era o autor em ambos os casos e vinha abusando sexualmente das filhas desde que a mais velha tinha apenas 10 anos. Denunciado, o autor está foragido. “As vítimas estão encontrando mais força para denunciar, se fazer ouvir e buscar tratamento”, afirma a enfermeira.

Rose França, coordenadora da Casa da Mulher, concorda. “A violência sexual independe da faixa etária, da classe social e do grau de escolaridade. Ela está inserida como um todo na vida da mulher, em função da cultura machista e patriarcal. Com medo de serem julgadas pela sociedade, muitas mulheres não denunciam. As mais jovens, no entanto, estão conseguindo mudar isso e levar para frente as denúncias. Além de elas estarem mais conscientizadas que as mais velhas, hoje há uma eficácia no conjunto do atendimento, despertando nelas a certeza de que o agressor não ficará impune”, afirma Rose.

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Izaura Yung confirma que o atendimento recebido na Casa da Mulher a surpreendeu. “Cheguei na Casa da Mulher menos de 12 horas depois do que aconteceu e tive um suporte maravilhoso. Além de ter sido acolhida, recebi aqui um grande apoio emocional. É um trabalho muito sério que eu não achava que existia. Eu não sabia que eles tinham essa disponibilidade para as vítimas. As mulheres têm que perder o que eu tinha: o medo e a vergonha, porque, quando o agressor vê que te domina, ele acaba com sua vida em todos os sentidos, física e emocionalmente. Quero que outras mulheres entendam que o agressor não para. Se ele começar a ameaçar a bater, vai surrar e vai matar sim. Não tenho arrependimento por ter me exposto. A minha vida começou naquele 15 de novembro: eu renasci. 2017 já é o melhor ano da minha vida.”

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