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BR-040 poderá ficar sem concessões

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Trecho, hoje administrado pela Via 040, entre JF e Brasília, poderá voltar para as mãos do Governo (Foto: Olavo Prazeres)
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Principal corredor econômico que liga o Centro-Oeste ao Sudeste do país, e rodovia mais importante da região, a BR-040 poderá ficar sem administração por parte da iniciativa privada em toda a sua extensão. Com dificuldades financeiras, as duas concessionárias que administram trechos da rodovia de Brasília (DF) ao Rio de Janeiro (RJ), Concer (responsável pelo trecho entre Rio de Janeiro e Juiz de Fora) e Invepar (gestora do trecho entre Juiz de Fora e Brasília) podem deixar os contratos por motivos distintos.

A Invepar, responsável por um trecho de 936 quilômetros, confirmou que irá devolver concessão da via à União, em virtude do desequilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão, assinado em 2014. O posicionamento é o mesmo repassado aos acionistas da empresa em setembro de 2017. Na época, a concessionária condicionou o fato à realidade enfrentada pelo país e às dificuldades em obter linhas de financiamento especiais com o BNDES. Desde então, a empresa tem reduzido os investimentos que faria na via. Um dos compromissos da companhia era a realização da duplicação de toda a rodovia, o que não foi cumprido pela concessionária. A situação levou ao ponto de a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) reduzir, em agosto, a tarifa do pedágio nas 11 praças, de R$ 5,30 para R$ 5,10.

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O procedimento de devolução deve ser iniciado nas próximas semanas. No dia 13 de agosto, representantes da empresa participaram de reunião com o presidente Michel Temer (MDB), ministros, representantes de agências reguladoras para discutir o teor do decreto que irá regulamentar a Lei Federal 13.448/2017. A medida, conhecida como “relicitação”, visa à devolução amigável de concessões de aeroportos, ferrovias e rodovias em caso de dificuldade de pagamento das obrigações contratuais.

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O decreto já se encontra na mesa do presidente Temer e deverá ser assinado nos próximos dias. De acordo com a equipe técnica do governo, o texto favorece uma transição sem interrupção dos serviços aos usuários, celeridade para a nova licitação da concessão e transparência, já que a transição deverá ser pactuada entre a ANTT e o concessionário. A tendência é que não seja permitida a participação da atual concessionária na nova licitação.
Para a empresa, a nova legislação beneficia a população por viabilizar uma maior rapidez na retomada dos investimentos, ao mesmo tempo que pode permitir a manutenção da prestação de serviço até a transição para um novo concessionário. “Entendemos que esse marco fortalece a segurança jurídica necessária para a retomada dos investimentos de que o país precisa para voltar a crescer, com um serviço de qualidade na infraestrutura de transporte”, avalia Erik Breyer, presidente da Invepar.

No outro trecho de 180 quilômetros entre Rio de Janeiro e Juiz de Fora, um procedimento administrativo movido pela ANTT para apurar possível descumprimento contratual da Concer poderá gerar a caducidade do contrato de concessão, em vigência desde 1995. A apuração está sendo conduzida por uma comissão formada por três técnicos da ANTT, que terão 120 dias para conclusão da análise e produção de relatório final. Caso haja necessidade, o prazo poderá ser prorrogado pelo mesmo período.

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No entendimento dos técnicos da agência, não foi dada solução para os apontamentos feitos pela ANTT durante as fiscalizações rotineiras. As obras da Nova Subida da Serra, paralisadas desde 2016, também embasam o pedido para abertura do procedimento. Somente a ação de fiscalização rotineira, entre janeiro e abril deste ano, levou à emissão de 151 Termos de Registro de Ocorrência (TRO), sendo 111 somente relacionados a irregularidades no pavimento no trecho de 180 quilômetros.

Recomendação

No caso da Concer, uma comissão externa da Câmara dos Deputados recomendou, em março de 2018, a realização de licitação para que uma nova empresa possa concluir as obras pendentes nos trechos de concessão. Um dos exemplos citados é a obra da nova subida da Serra de Petrópolis (RJ). No entanto, na visão da comissão, com a finalização dos contratos, os trechos concedidos poderão ficar com obras inacabadas.

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O entendimento é o mesmo do Tribunal de Contas da União (TCU) e do Ministério Público Federal (MPF),que apontaram indícios de superfaturamento e irregularidades na Nova Subida da Serra de Petrópolis, como a prática de sobrepreço, a existência de projetos desatualizados e deficientes e a falta de cumprimento dos prazos contratuais.

Representante das concessionárias vê cenário preocupante

Caso os contratos sejam encerrados, as vias voltarão às mãos do governo e passarão a disputar o escasso orçamento do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) para obras e manutenção. Na avaliação do presidente da Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias (ABCR), César Borges, a possível desassistência da BR-040 pode prejudicar os usuários de um dos principais corredores econômicos de Minas Gerais. No entendimento dele, o melhor caminho seria a repactuação dos prazos dos contratos e das previsões dos investimentos. “O processo de licitação não é algo rápido, é algo que pode durar dois a quatro anos, o que poderá deixar o trecho desassistido. O que se pretende é cobrar uma solução que não traga prejuízos ao usuário, pois qualquer rompimento pode causar prejuízo ao usuário”, afirma.

Para Borges, diante de um cenário de cortes de gastos no Governo federal, ele acredita que o Dnit não possui recursos financeiros para realizar a conservação da rodovia. “A região pode perder muito caso esse processo (da Concer) avance. É muito melhor que se mantenha o que está em contrato. Isso aconteceu no Rio Grande do Sul, onde uma empresa devolveu o trecho, e o DNIT não tem condições (de manter a via)”, afirma.

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Concer vai à Justiça contra a União

Apesar do imbróglio envolvendo a ANTT, a Concer ingressará, até o fim de setembro, com uma ação judicial contra a União, com intuito de assegurar o reequilíbrio contratual da concessão, em vigor desde 1995. A empresa argumenta que está em desvantagem no contrato, em especial em virtude da falta de custeio das obras da Nova Subida da Serra (NSS). A empresa cobra uma dívida de mais de R$ 500 milhões ou a extensão do vencimento da licitação, que ocorre em 2021.

Conforme a companhia, um termo aditivo assinado em 2014 fixou que o valor da obra de nova pista de 20 quilômetros na subida da serra de Petrópolis custaria R$ 1 bilhão. A Concer entraria com R$ 375 milhões em valores da época, enquanto a União teria contrapartida em três aportes financeiros, 30% em 2014, 50% em 2015 e os 20% restantes ao término da obra, prevista inicialmente para ser entregue em 2016.

No trecho administrado pela Concer, procedimento administrativo movido pela ANTT para apurar descumprimento contratual pode gerar a caducidade da concessão (Foto: Olavo Prazeres)

No entanto, a Concer alega que a União cumpriu apenas parte do primeiro aporte, em dezembro de 2014, honrando com menos de 25% do total de recursos formalmente definidos no aditivo contratual. Além de não efetuar os aportes integralmente, a União também não prorrogou o prazo de concessão, mecanismo previsto em termo aditivo de contrato.

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A empresa argumenta que, mesmo sem os aportes, manteve com recursos próprios as obras da Nova Subida da Serra até julho de 2016, quando foi obrigada a paralisar o empreendimento devido ao esgotamento de sua capacidade de endividamento. A situação chegou ao ponto de a Triunfo Participações e Investimentos S.A., grupo econômico proprietário da Concer, entrar com pedido de recuperação extrajudicial, em 2017.

“Queremos com esse movimento reequilibrar o contrato para fazer os investimentos, não apenas na subida da serra. Pelas limitações financeiras que temos hoje, conseguimos fazer bem a gestão da rodovia, mas os investimentos vão na medida em que você tem uma certa folga de caixa. Hoje a inadimplência da União é importante no programa do investimento”, afirma o presidente da Concer, Marco Antônio Ladeira.

Em 2017, o Tribunal de Contas da União (TCU) apontou sobrepreço da obra, problemas tributários e no valor do reequilíbrio econômico-financeiro do contrato. O órgão recomendou a suspensão dos pagamentos por parte da União, o que foi ratificado em junho deste ano, quando o Tribunal afirmou que permanecem as irregularidades identificadas. Na oportunidade, foram apontados indícios de sobrepreço e superfaturamento de cerca de R$ 277 milhões. A obra também é alvo de ação do Ministério Público Federal (MPF), em Petrópolis (RJ).

Segundo Ladeira, o projeto do empreendimento foi revisado, conforme entendimento do TCU e entregue à ANTT em outubro de 2017. O material tem quase 30 mil páginas e três mil desenhos. O documento foi encaminhado ao TCU, mas ainda não há um parecer sobre a documentação. Na atualização do projeto, o custo da obra passou a ser de R$ 1,6 bilhão.

Procurado, o Ministério dos Transportes, Portos e Aviação Civil do Brasil não respondeu aos questionamentos da reportagem. Em nota, a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) afirmou não comentar ações judicial em desfavor do órgão.

Estado de conservação é criticado

O estado de conservação da rodovia no trecho da Concer tem sido alvo de diversas críticas dos usuários, que reclamam do serviço oferecido pela concessionária, diante do alto custo do pedágio. Em 2017, reportagem da Tribuna percorreu trechos da estrada e encontrou vários segmentos avariados, após redução de 80% em investimentos. Marco Antônio Ladeira, presidente da Concer, não nega problemas no asfalto, mas afirma estar trabalhando dentro da capacidade para executar a manutenção da via, diante da falta de repasses. Segundo fiscalização dos técnicos da ANTT, não só o pavimento tem “estado precário”, como também os demais serviços de conservação foram “reduzidos aos seus níveis básicos”, com precariedade dos serviços de capina, roçada, limpeza de placas e dos elementos de drenagem.

“Eu não nego que tenha problemas com pavimento. A sinalização horizontal e a vertical estão muito boas, as podas, as capinas e a assistência ao usuário são prioridades nossa, mas tem deficiência nos investimentos, mas não é culpa da Concer”, afirma.

Processo

Segundo o presidente da companhia, o processo administrativo é uma oportunidade para mostrar o desequilíbrio financeiro contratual, que dificulta a execução dos serviços. “Vejo como uma boa oportunidade para buscar o reequilíbrio contratual. Nesse relatório você não lê que a União é devedora. É uma leitura enviesada. Na hora em que esses recursos vierem, e que existem em virtude da inadimplência da União, a gente coloca em dia esses serviços”, defende.

Para Ladeira, a empresa tem se dedicado em cumprir as exigências contratuais, tendo feito mais de 146% do previsto originalmente por contrato, como construção de passarelas e duplicação da via. No entanto, ele cobra o pagamento das dívidas da União para que possa seguir investindo na via. “As pessoas deviam se unir para cobrar da União uma solução, se é pra tirar a Concer, tira, e ela vai embora. Se é para ir embora, que pague as dívidas, mas não dê calote na rodovia, pois vai estar dando calote.”

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