Seja no início da manhã ou no final da tarde, não é difícil encontrar ônibus e pontos lotados em diversas localidades de Juiz de Fora. Desde 2020, a situação se tornou ainda mais comum e usuários do transporte público ouvidos pela Tribuna garantem: a oferta de veículos em circulação é incompatível com a demanda da população de Juiz de Fora. Ao longo dos últimos dias, a reportagem colheu relatos de moradores de diferentes regiões da cidade e coletou reclamações, desde o corte de linhas a suposto descumprimento do itinerário e falta de diálogo com as comunidades.
Para a analista administrativa Patrícia Maria, moradora do Bairro Fontesville, na Zona Norte, a disponibilidade de ônibus piorou após a diminuição da frota no início da pandemia. Quando eclodiu a emergência sanitária, a Prefeitura de Juiz de Fora (PJF) alegou queda drástica na demanda para diminuir a quantidade de veículos em circulação. No ano seguinte, o Executivo voltou a empregar 70% da frota para atender à população. Depois, diversas readequações foram realizadas pelo Executivo municipal, mas as reclamações sobre a insuficiência de veículos persistiram.
No caso do Fontesville, segundo a analista administrativa, o bairro tem apenas duas linhas que saem da localidade. Os moradores, então, costumeiramente dependem da oferta de veículos de outras regiões que passam pelo Fontesville, como as linhas que atendem aos bairros Milho Branco, Jardim Natal e Encosta do Sol. No entanto, como vêm de outros locais, muitas vezes os carros chegam ao bairro de Patrícia lotados. “De manhã, é insuportável. Eu estou chegando todo dia atrasada no meu trabalho porque não tem condição de entrar (no coletivo)”, critica a juiz-forana, que cobra a retomada da linha 605 (Milho Branco), que teria sido cortada pelo Município.
Reclamações
A retirada da linha de circulação é uma reclamação comum entre os moradores do Milho Branco, de acordo com o presidente da associação de moradores do bairro, Renato Fernandes. O representante conta que já registrou solicitações formais para a retomada do ônibus, mas sem sucesso. “Eu já fui umas quatro vezes na SMU (Secretaria de Mobilidade Urbana) levar a demanda e levar abaixo-assinado para voltar a linha 605, mas não tive retorno. Até agora, não melhorou nada”, lamenta. “Eu fico de mãos atadas.”
População se comunica em aplicativo para monitorar ônibus
Desde que Heliana Queiroz se mudou para o Bairro Santa Luzia, na Zona Sul, se locomover pela cidade com a filha, Júlia, de 8 anos, se tornou um desafio. Portadora de TDAH, a criança diariamente depende da oferta do transporte público para ir até a escola, no Bairro Teixeiras, e a terapia, no Bairro São Pedro, Cidade Alta. A inconstância da linha 590 (UFJF/CAS/HU), que passa pelas duas localidades, dificulta a rotina. “Nós nunca conseguimos pegar o ônibus 590. Eu não sei como funciona, mas ele não circula todos os dias”, diz a mãe.
A falta de cumprimento do itinerário fez com que os usuários do transporte público que dependem da linha criassem um grupo em aplicativo de mensagens para informarem quando o ônibus está circulando. Constantemente, a população precisa ligar para a garagem da Tusmil, empresa responsável pela linha, para conferir se o veículo irá passar.
Sem a linha 590, os usuários precisam utilizar um ônibus para chegar até o Centro e outro para chegar aos bairros que seriam alcançados com apenas um veículo. “Minha filha tem chegado atrasada às terapias. Chegar atrasada à escola complica muito, porque ela fica ansiosa, com vergonha por não ter apresentado um trabalho por chegar atrasada”, conta Heliana. “A minha vida está complicada e a vida do trabalhador do Santa Luzia também. Você chega no ponto de ônibus e é só reclamação”.
O vice-presidente da Associação de Moradores do Bairro Santa Luzia, Ary Raposo, também critica a inconstância do 590. Segundo o representante da comunidade, o Executivo municipal peca pela falta de consulta à população. “O grande problema da Administração é que eles fazem as mudanças e não nos consultam, porque nós sabemos aonde dói o calo”, analisa. “Santa Luzia é um caso bem específico, porque tem um corredor em que os ônibus passam, mas nós temos diversas pontas em que o pessoal está ficando descoberto”.
Zona Leste e Cidade Alta de JF também passam por problemas
Outro bairro que acumula reclamações sobre o atendimento do transporte público é o Linhares, na região Leste. O presidente da associação de moradores da localidade, José Walter Guimarães, também afirma que a situação piorou desde 2020. “Pegar ônibus aqui de manhã é muito difícil, não tem horário”, diz Guimarães. O líder comunitário, ao contrário dos demais ouvidos pela Tribuna, não tem reclamações quanto à falta de diálogo com a PJF. “A gente tem um contato bom com a Prefeitura, só nessa questão dos ônibus que é enrolado. Tem algumas linhas que foram tiradas, como a 420 (Linhares), que não foi retornada (…). O negócio aqui é um problema sério.”
No Bairro Santos Dumont, na Cidade Alta, os populares reivindicam mais um veículo para a linha 539 (Santos Dumont). “O trajeto (da linha 539) não é longo como o (da linha) 534, e é o único ônibus que anda no horário. O 534 às vezes demora, você fica horas no ponto de ônibus esperando”, diz a presidente da associação de moradores do bairro, Eliane Ferreira da Silva. A solicitação para a implementação do ônibus extra foi oficializada junto ao Executivo municipal, segundo Eliane, mas o Município teria alegado que não há passageiros suficientes para colocar mais um veículo em circulação.
Prefeitura garante fazer reuniões com comunidades
Em contato com a Tribuna via assessoria, a Prefeitura de Juiz de Fora afirma que realiza ajustes constantes nos itinerários do transporte coletivo. “Periodicamente, vários horários e diversas linhas retomaram a circulação, de acordo com a demanda”, diz, em nota. O último pacote de alterações no quadro de horários das linhas foi empenhado na segunda-feira (2) e “novas alterações já estão em estudo”, segundo o Executivo.
A Prefeitura ainda garante que faz reuniões com lideranças da região urbana e rural de Juiz de Fora para tratar das questões. O Executivo também diz autuar os consórcios das empresas de ônibus que não cumprem determinadas viagens, infração que tem punição prevista em contrato.
A Tribuna enviou questionamentos ao Município especificamente sobre a retirada das linhas 605 e 420, além da falta de constância na circulação da linha 590. No entanto, as perguntas não foram respondidas.
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Ansal diz ajustar oferta de ônibus à demanda
Contatada pela reportagem, a Auto Nossa Senhora Aparecida Ltda. (Ansal), do Consórcio Via JF, argumentou que faz o ajuste da oferta dos ônibus mediante a demanda. A empresa afirma que mantém, inclusive, 80% dos veículos em operação, enquanto a demanda chegou a 68% do cenário pré-pandemia. A Ansal ainda garante que realiza acompanhamentos semanais em conjunto com a SMU para tratar da necessidade de aumento de frota.
Questionada via assessoria, a Tusmil, que compõe o Consórcio Manchester, afirma que cumpre as determinações do Município quanto à quantidade de linhas e aos horários. Por outro lado, a empresa não respondeu a questionamentos sobre a linha 590, que é de responsabilidade da Tusmil.