Em sete meses de atuação, o projeto Plantio Solidário, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), já doou 500 quilos de alimentos para 55 famílias em situação de insegurança alimentar. Com mutirões voluntários promovidos todos os sábados no Assentamento Denis Gonçalves, em Goianá, o projeto realiza o plantio de alimentos com o objetivo de ajudar na redução dos impactos da fome na região da Zona da Mata. A meta é produzir 5 toneladas de alimentos para doar para até cem famílias.
O projeto foi idealizado em 2021 e inaugurado em maio de 2022, como desdobramento de um plano nacional do MST, nomeado “Plantar árvores, produzir alimentos saudáveis”. No assentamento, as famílias vinculadas ao MST e voluntários de Juiz de Fora e outros municípios da Zona da Mata desenvolvem atividades como plantio de sementes, controle de pragas e animais indesejados e preparação de canteiros em uma área de cerca de 3 mil metros quadrados.
De acordo com Michelle Capuchinho, que integra a coordenação regional do MST e a equipe de organização do Plantio Solidário, ao longo dos últimos meses, o MST já realizou 28 mutirões. “Nós recebemos, todos os sábados, voluntários e famílias de bairros diferentes de Juiz de Fora, quando não só produzimos alimento para o enfrentamento à insegurança alimentar, mas também desenvolvemos novas relações, difundindo práticas agroecológicas e formas organizativas, trazendo mais elementos para o povo conhecer o assentamento da reforma agrária”, explica Michelle.
Produção
A produção feita pelo projeto Plantio Solidário varia de acordo com as estações. Como a iniciativa teve início no outono/inverno, as primeiras plantações tiveram como foco a produção de verduras e legumes que contam com irrigação, como alface, beterraba, cenoura, repolho, entre outros. Agora, com o início do período chuvoso, o plantio se volta para produtos como mandioca, feijão, batata doce e inhame.
“Para nós, do Movimento Sem Terra, esse é o resultado da reforma agrária popular. Quando lutamos por terra, é para devolver uma alimentação saudável, e enfrentar a desigualdade e a fome presentes em nosso país”, diz Michelle. Para manter o projeto, o Plantio Solidário conta com doações populares e de entidades parceiras. Maiores informações sobre como contribuir com a iniciativa estão disponíveis na página do Instagram (@plantio.solidario.zm).
Projeto mobilizou mais de 500 voluntários
A iniciativa mobilizou mais de 500 voluntários desde o início, o que, de acordo com Michelle Capuchinho, demonstra também a cultura de solidariedade presente no movimento. “Entendemos a solidariedade como valor da classe trabalhadora, algo que só quem necessita e já precisou sabe o que isso significa. Não é sobre doar o que sobra, mas compartilhar o pouco que a gente tem: do trabalho e do alimento.”
No total, outras 15 organizações contribuem com o projeto, como o Fórum Feminista 8M, o Mutirão da Meninada, a Frente Brasil Popular, a Frente Autônoma, Coletivo Vozes da Rua, Levante Popular, entre outros movimentos sociais. É através deles que o Plantio Solidário também chega às famílias para realizar as doações. Paralelamente à produção, a iniciativa também realiza campanha de doação de alimentos não perecíveis.
Integrante do Coletivo Pretxs em Movimento, que atua no alto do Dom Bosco, Paula Rocha de Souza participa como voluntária do Plantio Solidário desde maio, quando as famílias do bairro visitaram o espaço pela primeira vez. Desde então, ela colabora para mobilizar as famílias da comunidade a participarem do projeto.
De acordo com Paula, o Plantio Solidário envolve questões relevantes para a sociedade, como de enfrentamento à fome e às desigualdades sociais, bem como da Soberania Alimentar, que entende a alimentação como um direito coletivo. “Não dá para entender um país com solo fértil e clima favorável para produção de alimentos ter seu povo no Mapa da Fome. Essa iniciativa é revolucionária, porque ousa questionar essa lógica cruel do sistema, unindo educação popular, trabalho de base e solidariedade de classe entre campo e cidade”, aponta.
Grupos de trabalho
Para maior organização das ações, o Plantio Solidário se dividiu em grupos de trabalho, como de mobilização, formação, comunicação, alimentação, entre outros, de acordo com Maria Inês da Silva Farany, voluntária do projeto e representante da sociedade civil no Conselho Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional de Juiz de Fora (Comsea-JF). Ela faz parte do grupo de mobilização, cuja proposta é integrar a cidade com o campo, e destaca a participação na iniciativa como uma experiência de partilha.
“A iniciativa demonstra toda a potencialidade que existe no trabalho de nossa sociedade quando ele é feito em conjunto e com um propósito coletivo”, diz. “Nós podemos nos unir e criar experiências sociais inéditas, fortalecedoras, enriquecedoras e que tragam mais saúde, mais bem-estar, mais justiça social, mais justiça ambiental.”
Conforme Maria Inês, o Plantio Solidário tem mobilizado as comunidades de bairros como Santa Cândida, Parque Burnier, Sarandira, Benfica, entre outros. Junto às famílias, a iniciativa busca provocar discussões sobre a importância da valorização da agricultura familiar e da produção de alimentos saudáveis, visando à luta contra a fome.
“A reforma agrária pela qual o MST luta com tanto empenho não é uma questão só dos trabalhadores do campo, é uma questão nacional, porque através da reforma agrária vamos vencer a questão da fome no Brasil. O campo brasileiro precisa estar voltado para a produção de alimentos para o povo brasileiro, e não para a produção de commodities para exportação. O plantio solidário é uma bandeira fincada nesse terreno da reforma agrária popular do Brasil e do combate à fome, principalmente.”
Agroecologia somada à educação
Além da produção mantida no assentamento Denis Gonçalves, o Plantio Solidário conta com outros desdobramentos, através da divulgação de técnicas agroecológicas em hortas urbanas. Uma delas, por exemplo, é a Horta Comunitária implantada na Creche Municipal Toninho Ventura, no Bairro Vale Verde, Zona Sul de Juiz de Fora. A horta foi construída pelos integrantes do Plantio Solidário, que também auxiliam em sua manutenção.
Outro projeto do Plantio Solidário é desenvolvido na Escola Estadual Presidente Costa e Silva (Polivalente), em Benfica, Zona Norte. Integrantes do Plantio Solidário ajudaram a criar uma horta escolar juntamente com os alunos e, duas vezes por semana, os voluntários vão ao colégio para manutenção da horta e para orientá-los quanto a técnicas de produção, plantio, manejo e sobre os princípios agroecológicos.
De acordo com Júlia Guerra, militante do MST, estudante de pedagogia na UFJF e uma das monitoras da horta escolar na escola Polivalente, as aulas também buscam trazer reflexões com os estudantes que vão além do plantio, mas envolvem também um viés pedagógico e de convivência. No intervalo dos encontros, por exemplo, virou tradição os participantes tomarem chá feito com as ervas que também são produzidas no espaço.
“É o primeiro desdobramento em escola, então estamos aprendendo a construir com o estabelecimento a linguagem e o formato, para conseguir produzir essa relação entre escola e alunos. Trabalhamos com as ideias da ecologia, mas também com afeto, escuta e outros valores que não só a produção de comida em si, mas também de relação humana.”
Fora de sala
A atividade na escola se iniciou em agosto e atende de 15 a 20 alunos, entre 11 e 15 anos. Com a horta, os estudantes produzem alimentos que podem levar para casa ou mesmo doar para a comunidade escolar como um todo. O projeto já rendeu colheitas e, até então, há a estimativa de produção de cerca de 40 quilos de alimentos, de acordo com Júlia.
“Temos observado que é muito potente para os alunos. É a primeira vez que muitos têm contato com a horta, e é uma que trabalha com agroecologia, que implica relações humanas, e acho que isso é um fator importante”, aponta Júlia. “Para os alunos, uma das coisas mais fundamentais é a ruptura da estrutura de aula. Sair da sala muda a configuração das relações e cria uma confiança mútua”, diz, completando que o projeto busca trabalhar o senso de coletividade, desde a distribuição de tarefas até tomadas de decisões em relação à horta escolar.
‘Ajudar pra ser ajudado’
O espaço para a horta já existia no Polivalente, mas contava com apenas um vizinho como voluntário para mantê-lo. Por ser um espaço grande, havia a necessidade de um número maior de pessoas para ajudar e, a partir disso, o Plantio Solidário foi mobilizado para auxiliar no projeto, de acordo com a vice-diretora da escola, Flávia Gaspar.
“Nós sabíamos da necessidade de ter gente capacitada, que estivesse aqui regularmente para poder revitalizar o projeto. Conseguimos incluir a horta também dentro da grade dos alunos do tempo integral e de outros convidados também, do sexto e sétimo ano. Então, além de revitalizar a horta, estamos com os alunos aprendendo vários conteúdos dentro desse projeto. Uniu o útil ao agradável”, diz.
Aluno do oitavo ano, Isac Bruno José da Silva, de 15 anos, está gostando de participar da iniciativa, especialmente pelo processo de aprendizagem. “Achei muito bom. Aqui, ajudo muito o pessoal.” Já Maxsuel Lucas, 11 anos, aluno do sexto ano, tem aproveitado a horta escolar para plantar, colher e também se divertir. À reportagem, ele compartilha uma lição especial que aprendeu com o projeto: “Ajudar pra ser ajudado.”